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quinta-feira, 24 de julho de 2008


Ao Vivo

O dono do palco

Um amigo e companheiro de inúmeras trilhas musicais, Aquiles, divide comigo uma mesma opinião: em se tratando de show, o artista tem que ser dono do palco, não pode pedir emprestado a quem quer que seja. Tem que mostrar a certidão de propriedade. Assim foi Cleivan Paiva no show de abertura do III Festival de Música Instrumental do Cariri, promovido pelo essencial, digo essencial, Centro Cultural do BNB.

Não decorei nenhum nome de nenhuma música. Também pouco importa, uma vez que elas são por si inesquecíveis enquanto composição. Fazia tempo que eu não testemunhava esse mago da guitarra em ação. Que força de improviso, em cima de harmonias complexas e andamentos sobrenaturais.

O trio, formado por Cleivan, João Neto e Demontier Delamoni, respectivamente guitarra, baixo e bateria, exibiram técnica e talento. João Neto em noite especialmente inspirada, com trezentas mãos e uma consciência maior do que a Chapada do Araripe, deu um calor a mais. Convenções, harmonias penduradas, improvisos geniais e climas de pura dinâmica fizeram valer a noite.

O som não estava dos melhores, a guitarra muito baixa, inclusive sendo encoberta pela bateria em alguns momentos mais pirados de Delamoni. Agora baixo e bateria estavam bem mixados, sem brechas de timbres. A guitarra de Cleivan, na primeira música, estava muito abafada pelo excesso de grave, logo corrigida, mas permanecendo um pouco abaixo dos outros instrumentos, o que jamais pode acontecer, se o show é exatamente do guitarrista.

Cleivan é um artista único no cenário musical caririense, rápido, criativo, o riginal e preciso, sem deixar notas espalhadas no chão e sem enganações, sem aqueles clichês ridículos de jazz ou da chamada pegada brazuca, meio samba meio bossa, que tanto enche o saco. Só mesmo o solfejo de voz em cima de algumas melodias, que é completamente redundante e perfeitamente dispensável. Cleivan, esqueça o microfone meu velho.

A guitarra limpa, com o som educado do captador do braço engordado pelos registros graves, parece ser a tônica de mil entre novecentos guitarristas de jazz. Da mesma forma que o fraseado rápido e sem bands ou qualquer outro recurso mais sujo. Cleivan apresenta essas características em seu timbre e em seu fraseado, o que eu particularmente acho um verdadeiro desperdício. Nesse ponto eu sinto saudades do som mais agressivo e mais elétrico dos tempos do Ases do Ritmo. Mas nada que possa arranhar o quadro geral, são apenas preferências.

Cleivan abriu com classe e estilo o III Festival de Música Instrumental do Cariri, comprovando o seu grande momento como instrumentista e compositor. A programação promete grandes apresentações, mas com certeza, a de Cleivan será uma das principais.

segunda-feira, 21 de julho de 2008



Vitrine

VIVA LA VIDA EM TOM PASTEL

Depois de percorrerem o mundo, lotarem estádios e embolsarem muito dinheiro, eles se reclusaram, compuseram novo material e lançaram a maior bomba de 2008. Definitivamente a banda Coldplay está configurada como uma banda de um disco só, o primeiro, e algumas faixas esporádicas. “Viva La Vida Or Death and All His Friends ”, segundo o vocalista Chris Martim, faz referência a uma frase de Frida Khalo, que ele achou o “máximo”.

Para esse novo cd, que já vendeu mais de um milhão de cópias, eles convocaram um dos maiores magos da produção do universo pop, Brian Eno, que começou a construir a sua reputação quando ainda era integrante da lendária banda Roxy Music, na década de 70. De lá para cá, Eno tem assinado a sua grife de produção, com o respaldo de parcerias de peso, como Robert Fripp, David Bowie, Carla Blay, John Zorn, entre inúmeros outros, inclusive U2, a matriz sonora do Coldplay.

Eno domina velhas e novas tecnologias, é músico, compositor e arranjador. Mas nada disso adiantou, a estética sonora é a mesma dos tempos de Ken Nelson, em A Rush of Blood to The Head, e em “X&Y”, que é produzido em sua maioria por Danton Supple e algumas faixas por Ken Nelson. Até parece que Eno compareceu apenas com o nome e deixou a sua reputação no hall de entrada do estúdio.

Em “Viva La Vida” o Coldplay não tenta se livrar de forma nenhuma da sombra sonora do U2. Muito pelo contrário, faz questão mesmo de imitar, tal qual uma banda cover. Ao longo de um interminável repertório, a banda desfila o que parece ser uma única composição, com uma mesma melodia e com os mesmos truques vocais. São faixas que não conseguem ser tristes e nem melancólicas, apenas letárgicas. É comum você encontrar nos encartes dos discos da banda, agradecimentos pela compra, pela audição e pela paciência. Nesse deveria vir um pedido formal de desculpas pela completa falta de criatividade.

O som de “Viva La Vida” parece ter vindo diretamente da merdologia dos anos 80, a pior década da produção pop, em que poucas coisas se salvam. “Viva La Vida” é um meio termo entre o pior do Marillion, se é que existe algo bom deles, e uma mistureba de Simple Minds e U2. Acho que Eno chegou antes do que qualquer um dos membros da banda, e gravou uma cama sonora cheia de delays e reverbs digitais, aprontou toda a sua parafernália de processamento digital e esperou a banda.

Até palma tem delay e reverb nesse disco. Existe um exagero de ambiências inexplicável. A bateria foi plastificada em processamentos digitais, aliás, captar baterias nunca foi o forte de Eno. A guitarra é uma chatice pobre de delays, a milhões de distância do leque de timbres de um Jack White, por exemplo. Os teclados eu vou resumir em uma única palavra: merda. Os vocais foram gravados em destaque, anunciando aí uma breve separação.

Alguém precisa dizer para o Coldplay que clima musical não é uma questão de efeitos como chorus, flange, delay, phase e reverb, muitos menos compressores e seqüenciadores; é uma questão de dinâmica, domínio dos tempos musicais, dos andamentos e a da instrumentação. É só pegar qualquer disco de Nick Cave, Tom Waits, Joni Mitchel, Van der Graff ou King Crimson e aprender.

Para os fãs, nada do que foi dito aqui faz diferença. Também não importa. Para quem está de fora, no entanto, esse é um disco completamente descartável. Não existe destaque nenhum nesse disco. Quem conseguir ouvir esse disco de uma sentada só pode ser considerado um ex-combatente do golfo pérsico, cheio de seqüelas auditivas e mentais. Essa é uma bomba com mecanismos sofisticados. Para completar a banda Creaky Boards acusa Chris Martin de ter usado a música “The Songs I Didn’t Write” para fazer a faixa “Viva La Vida”.

domingo, 20 de julho de 2008


Tempestade teria impedido tentativa de assassinato de Mick Jagger em 1969


Essa é uma história que parece tirada de algum livro policial de qualidade duvidosa, mas foi real. Um documentário da rede britânica BBC exibido nesta segunda-feira, 03, contou que integrantes do grupo Hell’s Angels planejavam assassinar o vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger.Segundo o programa da BBC, Jagger teria se desentendido com o grupo Hell’s Angels devido à confusão que o grupo causou no show dos Rolling Stones em Altmont, no dia 06 de dezembro de 1969, quando os Stones contrataram os Hell’s Angels para fazerem a segurança do show.Durante o show Alan Passaro, integrante dos Angels, assassinou um rapaz a facadas. A vítima, Meredith Hunter, morreu aos 18 anos, em frente ao palco dos Stones. Após o show, Jagger teria se desentendido com Passaro e outros integrantes do grupo, já que eles haviam sido contratados para fazer a segurança do espetáculo e não causar tumultos.Os Angels teriam se sentido ofendidos e enganados por Jagger e planejaram matar o cantor quando ele estivesse em sua mansão em Long Island. Os Angels alugaram um barco para chegar até a residência pelo mar, sem ter que passar pelos seguranças. Porém durante a viagem, uma forte tempestade fez o barco naufragar, impedindo que chegassem à casa de Jagger.O caso do assassinato de Hunter está documentado no vídeo “Gimme Shelter”, dos Stones. O assassino se livrou da prisão alegando que agiu em legítima defesa já que Hunter tinha uma faca. Passaro morreu afogado, tempos depois.
Fonte: Rock on line http://territorio.terra.com.br

Pete Best, ex-baterista dos Beatles, lança primeiro álbum solo


O baterista original dos Beatles, Pete Best, vai lançar o primeiro álbum solo com canções próprias. O disco chega às lojas 46 anos após Best ter sido despedido da banda que se tornou um dos maiores fenômenos musicais da história.O álbum recebeu o nome de “Hayman’s Green”, nome de uma rua em Liverpool onde está localizado o Casbah Coffee Club, local que pertence à mãe do baterista e onde os Beatles se apresentaram no início de carreira. “Hayman’s Green” trará 11 faixas e o lançamento está agendado para o dia 16 de setembro.As músicas têm forte acento autobiográfico e trazem a amargura vivida por Best após ter sido despedido do grupo, em 1962, pouco antes do sucesso da banda com “Love Me Do”. Abaixo os títulos das 11 faixas do álbum:01. Come With Me02. Step outside03. Start Again04. Grey River05. Gone06. Dream Me Home07. Everything I Want08. Beat Street09. Broken10. Red Light11. Haymans Green
Fonte: Rock on line http://territorio.terra.com.br/

terça-feira, 15 de julho de 2008



THE MARS VOLTA - AMPUTECHTURE

Os malucos Omar Rodriguez-Lopez e Cedric Bixler-Zavala já lançaram o quarto álbum do seu caldeirão sonoro: “The Bedlam In Goliath”, com a mesma pegada visceral dos seus outros três discos anteriores, provando que o sistema solar inteiro é deles e que eles formam a banda mais interessante do novo milênio. Mas eu não posso falar do novo disco, sem antes pagar uma para o penúltimo disco “Amputechture”, uma porrada no estômago da mesmice.

O que o The Mars Volta faz é tudo aquilo que faltava nessa merda de mercado viciado em reproduções e diluições. Alguns dizem que é progressivo, o que a banda não admite; outros babacas chamam de art rock, coisa que nem existe, é invenção de crítico imbecil, que precisa justificar o salário. Outros dizem que é música alternativa e tal e tal e tal. Na verdade o som é diferente e não tem como rotular. Sem dúvida existe uma dose generosa de rock progressivo, mas misturado a uma série de coisas.

Omar Rodriguez-Lopez é um tremendo guitarrista, na concepção da palavra. Nem é masturbação sonora de escalas, como os debilóides da linha do Dream Theatre e perfumarias semelhantes, nem é aquele minimalismo patético do indie rock, que mistura Clodovil com Bartô Galeno, com linhas de guitarra mais duras do que paralelepípedo. É técnica com talento. Cedric Bixler-Zavala canta por que tem voz e sabe cantar. Colocar a voz no turbilhão sonoro do Mars é só para quem sabe. Se você acha que o som dessa banda tem alguma coisa haver com aquela fantasmagoria indie, com suas miadeiras plasmáticas e voz do tamanho de uma caixa de fósforo, esqueça. É alternativo, mas todos são músicos de verdade. Aqui não existe pose, existe som.

The Mars Volta é oriundo das bandas At The Drive-In e De Facto. Linhas de jazz rock, ambientações progressivas, timbres alucinados, vocais lisérgicos e dissonâncias psicodélicas são comuns na linguagem dos marcianos. Os discos sempre têm participações especiais, principalmente dos pirados do Red Hot Chilli Peppers, Flea, no primeiro disco, uma obra prima, “De-Loused in Comatorium” e Frusciante nesse em questão, “Amputechture”, outra obra prima. A banda não é tão constante com bateristas, mas todos dão o maior gás Nesse disco as baquetas são agitadas por Jon Philip Theodore. O baixo ainda está por conta de Juan Alderete e os teclados nas mãos milagrosas de Isaiah Ikey Owens.

“Amputechture” traz o mesmo clima conceitual das letras, embora nem todas, dos discos anteriores. As faixas são longas, como sempre, e viajantes como sempre. O universo sonoro do Mars é feito de esquisitice e tensão musical. Guitarras agressivas, às vezes com efeitos retrô, às vezes limpas, só com a força dos amplis. O doido toca no talo suas escalas pentatônicas, modais, melódicas, menores, diatônicas e atonais. Cedric tem uns falsetes de entortar, desemprega qualquer cantor de cover. Apesar dos climas criados, com ambiências e texturas diversas, existe um groove delicioso no Mars Volta, típico das grandes bandas.

Omar Rodriguez sabe usar os pedais como poucos. Cria uma cama de fragmentos melódicos e riffs poderosos, através de um intenso trabalho de delays. Sua pegada tem punch e nexo. Baixo e bateria em “Amputechture” dão um verdadeiro show particular de peso, através de muitas mudanças de andamento e convenções de empenar qualquer apresentação ao vivo. A mixagem da bateria é bem na frente, teclados e baixo foram mixados um pouquinho mais baixos. A guitarra também fica na frente, enquanto que os vocais de Cedric estão pouco acima dos instrumentos, formando uma massa sonora de impressionar.

O disco inteiro é duca, com mais de uma hora de delírio musical. A partir da capa, como sempre, o disco é uma experiência sonora difícil de ser esquecida. A primeira audição de qualquer disco do Mars é sempre estranha, para quem não tem esse tipo de informação musical, mas depois que você descobrir os inúmeros caminhos auditivos, você vai realmente conhecer marte. Os meus destaque vão para “Tetragrammaton”, “Vermicide”, a passional “Asilos Magdalena” e a ultra psicodélica “Day of the baphomets”. Esse é um disco que não tem preço. É novo mas não é paia. Eu digo: obrigatório.





LUMPY GRAVY - A PIRAÇÃO

“Lumpy Gravy” é o quarto álbum de Frank Zappa, lançado em 1968, e verdadeiramente o primeiro com o seu nome estampado na capa, pois os três primeiros é como Mothers of Invention. A ironia e o cinismo desse que é o maior gênio da música pop em todos os seus tempos também está estampada já na capa: Franz Vincent Zappa conduz Lumpy Gravy, uma peça curiosamente inconsistente que começou como uma faixa para ballet, mas que certamente não deu certo. O nome da orquestra que ele conduz é muito demais demasiado:Abnunceals Emuukha Eletric Symphony Orchestra & Chorus.

Desde 1966 Zappa, com o lançamento do conceitual “Freak Out!”, não deixou pedra sobre pedra na supremacia americana pública e privada. Ele meteu o dedo no orgulho racista americano, na sede de consumo, no falso moralismo, na insolência e na prepotência bélica, econômica e política. Ele satirizou a sociedade de todas as formas, foi politicamente incorreto, fez humor negro, achincalhou os tabus sexuais, carnavalizou os dogmas de qualquer religião, revirou ao avesso os bons costumes e travestiu os valores supremos da cultura americana, através de uma crítica corrosiva, de uma linguagem abusiva e de uma música simplesmente única.

Depois de abalar as estruturas íntimas da família americana com o satírico e impagável “Absolutely Free”, em 67, e depois de chocar o mundinho pop com a mais completa crítica, lúcida e escatológica dos anos 60, a partir da lendária capa de “We’re Only In It For The Money” (Só Estamos Nisso Pelo Dinheiro), em 68, em que ele satiriza de forma veemente a capa do disco Sargent Pepper... dos Beatles - até então uma unanimidade intocável - com uma montagem genial cheia de citações e intertextualidades bizarras, além da acusação histórica no título de que os pimpolhos de Liverpool eram armação do mercado, Frank Zappa lança esse inquietante e incompreendido disco de vanguarda. No encarte do disco, vestido com fraque e cartola, com ar cínico, através de um balãozinho de quadrinho Zappa afirma que “Lumpy Gravy” é a fase dois de “We’re Only In It For The Money”.

Zappa aliou à sua formação erudita, de maestro, as informações obtidas da música negra americana; do blues; do rock; do gospel; do espiritual; do pop; das trilhas de filmes e desenhos animados; dos jingles; da surf music; do doo-wopping,; do jazz,; da música concreta e da música contemporânea de câmara; e criou o seu vocabulário musical, com orquestrações inusitadas, vocais esquisitos, experimentalismos diversos, diálogos e instrumentações bizarras e composições geniais. Tudo isso está em “Lumpy Gravy”. Em doses concentradas e vários outros aspectos até então nunca tentados no mundo pop.

“Lumpy Gravy” é então uma sinfonia (!?) dividida em duas partes, subdivididas em segmentos intitulados, como se fossem faixas, mas com execução integral, sem espaços, que no vinil correspondem aos lados um e dois. Uma orquestra filarmônica se junta a uma banda com baixo, bateria e guitarra, para tocar uma peça descontínua e fragmentada, cheia de experiências de música concreta com fitas magnéticas e diálogos que misturam cinismo, escatologia e nonsense.

Algumas partes instrumentais têm uma orquestra tocando fragmentos de musak, completamente diatônico, outras têm surf music, rag-time, trilha de desenhos e jingles; já em outros fragmentos a música é atonal e experimental, com ruídos e intervenções diversas. Na primeira parte da peça a melodia e a estrutura harmônica do fragmento que abre a primeira parte: “The way i see it, Harry”, são descontruídas em fragmentos menores, que voltam ao longo da parte como citações aleatórias. Uma verdadeira viagem ao submundo das vanguardas, mais estranhamento do que isso, impossível.

A segunda parte começa com um diálogo bizarro e no meio dos falantes alguém introduz de forma fragmentada a teoria de Zappa sobre a “Big Note”, que segundo ele existe apenas uma única grande nota musical que contém todas as vibrações. Depois do diálogo entra uma orquestração de música clássica contemporânea, com uns compassos lunáticos e fragmentos de melodias em meio a ruídos. A segunda parte é encerrada com “Take your clothes off”, uma espécie de surf music, com uma das melodias zappeiras mais cínicas de todos os tempos, com direito a um vocalzinho simplesmente cretino e por isso mesmo inesquecível.

De fato essa viagem estética já havia sido anunciada em “We’re Only In It For The Money”, nas faixas “Are you hung up”, “Nasal retentive calliope music” e “The chrome plated megaphone of destiny”. Mas é em “Lumpy Gravy” que o bicho pega. Para ouvir esse disco é necessário, como sugere a última música, tirar a roupa dos preconceitos fora e se preparar inteiramente para o estranhamento das vanguardas musicais. Estética é o nome desse disco. Concepção musical a milhões de quilômetros de distância do mercado fonográfico. É um disco para poucos, mas que significa muito para a história da música contemporânea. Escute e verá.

Vitrine

RIVOTRILL
É REMÉDIO INSTRUMENTAL

“Curva de Vento” é o nome do primeiro disco da banda Rivotrill, lançado de forma independente e gravado de forma experimental. A banda levou os vários instrumentos e a parafernália de gravação para uma casa e lá passou uma semana em busca de timbres e texturas diferentes, gravando em banheiro, salas, debaixo de escadas, dentro de caixa d’água e varandas. Além disso a banda contou com participações mais do que especiais. O resultado foi um disco enxuto, coeso e com identidade própria, o que é mais importante nesse mangue de diluições ilusionistas.

A banda é formada por Júnior Crato: flauta, sax e teclados; Rafa Duarte: baixo e efeitos; e Lucas dos Prazeres: percussões diversas. Rivotrill é instrumental sem a conotação de improvisos virtuosos e muito menos os patéticos repertórios de chavões do “som brazuca”. Em “Curva de Vento” você não vai ouvir nenhum babaca cabeça de pulga “estraçalhando” a harmonia de “Asa Branca”, com execuções modais com intenção blues ou qualquer clichês desses de vídeo aulas. Aqui a “Garota de Ipanema” foi pra um museu na caixa-prego e levou todos os estandartes para uma suruba de restauração.

Esse é um disco autoral. É claro que você escuta os ecos do frevo, dos caboclinhos, do coco, do maracatu, das bandas cabaçais, do rock, do jazz e da música contemporânea, mas tudo em doses equilibradas, sem que as influências se transformem em apropriações indébitas. As composições são fechadas em arranjos funcionais, sem aquela velha fórmula cansada e cansativa da execução da seqüência harmônica, ponte e improviso. Elas recebem o tratamento de texturas, de intervenções de diálogos, fragmentos sonoros, experiências com delays, intertextualidades, vozes, timbres, ambientações e climas.

Naná Vasconcelos, dono de uma sensibilidade musical genial, aparece em “A casa” e “Groove Tube”, com sua elegância e sutileza de sempre. “A casa”, faixa que abre o disco, é climática, nela Naná toca congas e efeitos. Essa faixa é a apresentação do leque de timbres recorrentes em todo o disco. “Groove Tube” tem pegada bem nordestina e uma tensão climática muito contemporânea, com vozes, palmas e efeitos muito bem colocados. Nela Naná toca tambor falante, faz vozes e efeitos.

Spok toca sax na faixa “Cangote”, uma composição cheia de mudanças de andamentos e síncopes bem legais. Spok tem uma pronúncia fenomenal no sax, com crescentes precisos e dinâmicos. O diálogo entre o sax e o piano, e depois entre o baixo e o clavinete eletrônico, ficou muito massa. O reverb no sax, a pegada de barítono e os efeitos deram uma textura bem sacada à faixa. Esse é um dos pontos altos do disco. A percussão de Lucas, como em todas as faixas, está muito bem colocada. Segura e cheia de swing.

Fabinho Costa toca trompete na latina “Charo Cubano”, cheia de pontuações e convenções, com uma levada balançada. O solo de Fabinho é rápido como a faixa, mas muito bem colocado. O baixista Rafa tem uma pegada também cheia de swing. Ele e Lucas formam uma dupla muita bem entrosada. E não é pelo fato de que não existem solos de sete léguas que não se pode afirmar que os três são virtuoses em seus instrumentos. Eles são sim, mas naquilo a que se propõem como banda e não naquela concepção de quebrar tudo individualmente. Júnior Crato é um flautista muito afinado. É possível perceber em sua embocadura uma variação timbrística muito legal em que ele passeia de Jean Pierre Rampal a Hubert Lewis, de Ian Anderson aos Irmãos Aniceto. O seu trabalho de sax é também consistente.

Além disso vale a pena salientar algumas captações de percussão de som aberto, como em “Alaursa Quer Farinha”, que ficaram massa demais, sem aquele exagero de compressão e de médios. Sobre essa faixa também vale salientar a homenagem intertextual a Roland Kirk, um dos maiores pirados de todos os tempos, saxofonista e flautista americano, cego e gênio de nascença, um iconoclasta de vanguarda, que tirava uma onda de tocar vários saxs ao mesmo tempo.




Achados e Perdidos

O MALTE DE MAUTNER

“Para Iluminar a Cidade” é o primeiro disco de Jorge Mautner. Gravado ao vivo no Teatro Opinião, nos dias 27 e 30 de abril de 1972 e lançado pela Philips, através de um selo criado por Nelson Mota, que vendia discos pela metade do preço e conseqüentemente pela metade da qualidade técnica, chamado “Pirata”.

A música de Mautner foi lançada tardiamente, nesse período ele já tinha mais de trinta anos, o que contrariava completamente a estirpe mercadológica da juventude, maior nicho de consumo desde a década de 60, a partir do “baby boom” americano. Devido à estética de sua música e ao seu comportamento, logo ele foi relegado ao plano dos marginais malditos, para fazer companhia a Jards Macalé, Luiz Melodia, Odair Cabeça de Poeta, Sérgio Sampaio, entre outros.

Muito antes de ser compositor e tocador de violino, Jorge Mautner já era escritor, também marginal e maldito, com vários e estranhamente interessantes livros lançados tais como “Deus da chuva e da morte”; “Narciso em tarde cinza”; “Kaos”; “Fragmentos de Sabonete” e “O vigarista Jorge”. Embora pareça o porta-voz do nonsense, Mautner tem um discurso definido e consciente, que ridiculariza tanto os ignorantes, reféns do mau gosto, quanto os intelectuais pseudo-acadêmicos, reféns das ilusões teóricas armazenadas em nitrogênio líquido.

A independência discursiva de Jorge Mautner é a sua marca registrada, esteve entre os tropicalistas no exílio, mas nunca foi um deles; vivenciou a efervescência do rock nos Estados Unidos e Inglaterra, mas nunca foi rockeiro; leu avidamente Sartre e Nietzche, mas nunca foi existencialista, criou sua própria teoria, a do Kaos; colaborou com a imprensa nanica, mas nunca fez parte da esquerda festiva e nem da arte de resistência. Mautner está muito mais para o anarquismo cultural de Tristan Tzara do que para o formalismo condecorado de Chico Buarque.

“Para Iluminar a Cidade” veio para desafinar o coro dos des-contentes. Em 72 o vigarista Jorge, sem trocadilhos, não era nem contra ou a favor de nada, muito pelo contrário todavia muito embora. Em 72 ele apresentou a sua ironia ferina, de agente infiltrado no sistema, só para sabotar as jóias da coroa. O disco apresenta o estranhamento discursivo e a eterna carnavalização dos costumes sociais, amargamente sincréticos, da elite brasileira.

Jorge Mautner é desafinado e arranha literalmente as cordas de um violino bastante sofrido na mão dele. Nesse achado do cancioneiro popular brasileiro, a banda é desentrosada e não tem nenhum músico virtuose. Nota-se que o público é pequeno, como ainda hoje é o seu. Algumas músicas parecem trilhas de fim de noite em um boteco de subúrbio. Mas esse é que é o charme desse artista nada inofensivo. A vigarice musical de Jorge Mautner é o antídoto para o estelionato cultural de subprodutos como Jorge Vercilo, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Quarteto em Si, Mpb 4, Seu Jorge e outros dentrifícios inorgânicos que fazem parte da higiene mental do brasileiro empedernido.

A qualidade técnica do disco é sofrível, mesmo passando por um processo de remasterização do lançamento em cd, que traz três raridades como faixas bônus: as duas marchas de carnaval lançadas em compacto, “Relaxa, meu bem, relaxa” e “Planeta dos macacos”, além da histórica, hilariante e satírica “Rock da barata”, gravada ao vivo no Festival Phono 73, promovido pela Phonogram.

Os destaques mais do que especiais vão para as faixas “Super Mulher”, “Olhar Bestial”, “Sheridan Square” e duas faixas imperdíveis, que resumem magistralmente o que é e o que despropõe Jorge Mautner: “Estrela da Noite” e “Quero Ser Locomotiva”. Essa última, com a sonoridade que está aqui e com a interpretação histórica de Mautner, é um dos maiores achados da marginalia brasileira.

A banda

Jorge Mautner - voz e violino
Carneiro (Nelson Jacobina) - violão
Sérgio Amado - violão
Alexandre - baixo
Tide - percussão
Otoniel percussão

Saiba mais

A REBELDIA EM FOCO


“Culturas da Rebeldia - A juventude em questão”, escrito pelo sociólogo Paulo Sérgio do Carmo e editado pela Editora Senac, faz um balanço dos movimentos culturais da segunda metade do século XX. Esse é um livro dedicado basicamente aos jovens leitores, com uma linguagem sem rebuscamentos teóricos - que tanto enchem o saco -, leve e dinâmica, sem rodeios. No entanto é fácil perceber ao longo das 279 páginas que as informações nelas contidas servirão para muitas gerações, principalmente nesses tempos de ignorância recalcitrante.

O livro é dividido em duas partes. A primeira aborda as décadas da segunda metade do século XX, a partir dos anos 50 até os anos 90, com subtítulos bem interessantes: “Os anos 50: anos dourados; Os 60: anos rebeldes; Os 60: a tropicália diz não ao não; Os 60: a revolta estudantil; Os 60-70: rumo à luta armada; Os 70: anos de ressaca; Os 80: o rock balança a MPB; Os 90: para além dos caras-pintadas; Os 90: funk e rap: as vozes da periferia.

A segunda parte do livro aborda assuntos imediatos da juventude, como o consumo e a moda como forma de manifestação cultural, a questão da formação acadêmica e do primeiro emprego; o problema da disseminação da violência; a questão da ideologia; além da convivência com as ferramentas digitais. Tudo isso em referência aos aspectos históricos e aos desdobramentos culturais proporcionados por esses fenômenos existenciais. Ao final do livro, além da bibliografia existe um glossário muito legal e sugestões de livros e filmes com temáticas afins.

Para quem é completamente leigo sobre o assunto ou para aqueles que vivem do achismo e da pose imediatista de levantar bandeira de porra nenhuma, esse é o passo inicial para você saber quem é quem na feira livre. Serve, por exemplo, para você entender que a banda “Cachorro Grande” é um pastiche dos mods ingleses, de bandas como The Who, e que na época existia uma ideologia por trás, não era só uma questão de figurino; ou entender que “NX0” é um subproduto emo, que por sua vez já é um subproduto do gótico, ou seja, que essas duas bandas estão classificadas nas prateleiras de cosméticos, sob o rótulo de cremes para as cutículas, extraído da crise sexual das cenouras e das vargens.

Esse livro de Paulo Sérgio do Carmo, que é mestre em filosofia e publicou livros no gênero como o excelente A ideologia do trabalho: história e ética do trabalho no Brasil, entre outras coisas, proporcionará ao leitor um discernimento mais complexo na hora de se posicionar perante os fenômenos do consumo de arte e da cultura de massas, o que é fundamental na hora das suas escolhas, pois arte não é questão de gosto, é questão de consciência crítica, falo de critérios e não de maniqueísmos entre bom e ruim, simples e complexo, sagrado e profano, ou outras babaquices do gênero.

Logo na introdução do livro o autor desperta os sonâmbulos com uma instigante análise dos desdobramentos da frase “Não confie em ninguém com mais de trinta anos”, pronunciada nas agitações estudantis na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, nos fins da década de 60. o autor analisa que esses jovens acusavam seus pais e professores, educados pela disciplina, pelos princípios do autoritarismo e da hierarquia, e que esses métodos geraram por exemplo o nazismo e a corrida armamentista da guerra-fria. Esses jovens acusavam também os executivos engravatados, que fomentavam as calúnias humanistas de Wall Street. Mas esses mesmos jovens, ou grande parte deles, se transformaram em yuppies nos anos 80, ocupando altos cargos executivos ou desenvolvendo carreiras políticas, sendo eles agora cobrados pelos ideais de liberdade e igualdade que eles acreditavam.

Esse é um livro não só para curar a ignorância letal daqueles pimpolhos criados pelas babás eletrônicas, que vivem à sombra do vulcão das tecnologias digitais, mas também para curar o supremo radicalismo reacionário e burro do machismo feudal de muitos pais que dirigem os sacro-santos lares de boa parte da classe média brasileira. Esse livro não contém contra-indicações é só correr para o abraço.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Históricos

MARCHA SOBRE A CIDADE

Era o ano de 1979 e a música instrumental estava passando por uma série de mudanças mercadológicas e estéticas. No Brasil estava começando a abertura do mercado através de lançamentos independentes. Na Europa existia um movimento em torno da gravadora ECM records, que lançava discos de jazz com uma estética própria. Nos Estados Unidos existiam várias tendências, desde o radicalismo tradicionalista até o experimentalismo eletrônico que se desdobrava em diversas tendências. “Marcha Sobre a Cidade” surge exatamente nessa efervescência.

Há quem afirme que esse é de fato o primeiro disco independente da música instrumental brasileira, mas há quem aponte os lançamentos históricos de Antônio Adolfo e outros músicos, como sendo os pioneiros. Isso não importa. O que vale mesmo é que o Grupo Um fazia música de altíssima qualidade, em um nível de improvisação extremamente complexo e com uma capacidade criativa fora do normal.

A banda paulistana ainda lançaria mais dois discos: “Reflexões sobre a crise do desejo”, em 1981 e “A flor de plástico incinerada”, em 1982, todos com a mesma pegada fenomenal de sempre e com um raro senso de improvisação, a verdadeira alma do jazz. Sem delírios instrumentais sobre uma base harmônica o jazz fica enfadonho e triste. E é exatamente esse o diferencial do Grupo Um em relação às outras bandas independentes do período, como Pé ante Pé; Metalurgia; Pau Brasil; Medusa; Divina Encrenca; e vários outros.

As incursões pelo free jazz; pelo primitivismo étnico; pelo abstracionismo da música impressionista; pela fragmentação da música minimalista; pelos ruídos e intervenções da música concreta; pelas células harmônicas e melódicas da música de câmera contemporânea; bem como pelas harmonias complexas da música brasileira; além das inúmeras experiências atonais do jazz contemporâneo, projetam o Grupo Um para além do novo tradicionalismo careta dos irmãos Marsalis e muito próximo do experimentalismo das improvisações de Ornett Collemam, Pharoah Sanders, Sun Ra, e bandas como o Art Ensemble of Chicago.

A cozinha original do Grupo Um: Zé Eduardo Nazário e Zeca Assumpção, respectivamente, bateria e baixo, trabalhou com Egberto Gismonti durante alguns anos da década de 70, e fez parte de uma das várias obras-primas dele, o disco “Nó Caipira”. Além disso eles eram a banda de apoio de Hermeto Pascoal em São Paulo. Nem precisa comentar nada, uma apresentação dessas já basta. Além deles a banda ainda contava com os sopros de Mauro Senise, que também fez inúmeros trabalhos com Egberto Gismonti e a alucinação sonora de Lelo Nazário, um dos maiores pianistas e criadores de todos os tempos da música brasileira. Dono de uma visão extremamente particular sobre estética musical, um verdadeiro mago.

Muitos discos fenomenais foram lançados na década de 70, nesse segmento de música instrumental. Miles Davis; Keith Jarret; Chik Corea; Al Di Meola; Herbie Hancok; Lee Retnour; Jeremy Steigh; Eddie Gómez; Tom Scott; Mahavishnu Orchestra; Billy Cobaham; Jaco Pastorius; Toninho Horta, Hélio Delmiro; Pat Martino; Oregon; Soft Machine; L. A. Express; Jonh Abercrombie; Terj Rapdal; Bill Evans, Whether Report, Flora Purim, Raul de Sousa, Airton Moreira e tantos outros artistas essenciais lançaram discos históricos, mas nenhum me impressionou tanto quanto “Marcha sobre a cidade”. Esse é um disco que juntou tudo o que eu tinha escutado até o período, através do trabalho jazzístico de vários artistas, de diversas tendências, mas com a tenacidade e a pauleira do jazz-rock, sem ser de forma nenhuma uma sonoridade rockeira. A faixa que dá título ao disco é uma verdadeira marca registrada do jazz universal.

Lelo Nazário se queixa, nas notas da capa do relançamento em cd, da incompreensão dos críticos brasileiros sobre o princípio criador do free-jazz. Isso é histórico e não vai acabar nunca, pois a crítica brasileira é careta. Essa mesma crítica, dita especializada, que tem “grande apreço pela música de vanguarda”, principalmente a crítica paulista, foi incapaz de reconhecer as influências massacrantes de Frank Zappa no disco Clara Crocodilo de Arrigo Barnabé, como ela mesma foi incapaz de reconhecer o valor do Grupo Um, taxando a sua música de cerebral.

No entanto, o que se tinha na mão naquele ano de 1979, era um dos discos mais importantes da música instrumental brasileira. Um disco histórico em todas as suas dimensões. Essa é uma verdadeira aula de improvisação e força criativa, só igualada pelos mestres Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. Ouvir as escalas outsiders de Lelo Nazário e seus acordes enigmáticos, bem como a pegada estratosférica e os ruídos do sax soprano de Mauro Senise, e os andamentos aloprados de Zeca Assumpção e Zé Eduardo Nazário é uma experiência interplanetária. Isso é história pura, verdadeira e marginal.


Saiba mais

UM LIVRO HISTÓRICO

“História Social da Música Popular Brasileira” é o que se pode chamar de obra de fôlego, escrito por quem conhece do assunto e tem uma perspectiva fenomenal sobre as incidências dos fatos que compõem o momento histórico na formação estética, na criação e propagação dos produtos musicais e suas relações com o mercado.

Nesse livro, José Ramos Tinhorão, velho conhecido dos chavões da música popular brasileira, faz um verdadeiro apanhado científico da formação musical brasileira. É um livro escrito para o mercado europeu e depois lançado no Brasil. Apesar do aspecto cientificista, de ensaio sociológico e antropológico, Tinhorão não larga mão do seu estilo crítico, radical e intolerante.

Em “História Social da Música Popular Brasileira”, Tinhorão analisa meticulosamente os momentos históricos referentes a cada período da formação musical brasileira, desde o período da colonização até o período do Tropicalismo. Existem nessa obra uma riqueza de detalhes e um caráter de pesquisa impressionantes. A análise paralela que ele faz do mercado fonográfico face ao desenvolvimento do capitalismo e da tecnologia é de uma lucidez sem tamanho.

Pode ser que para o apreciador apenas da música, sem intuito de pesquisa, a linguagem seja muito acadêmica e o estilo muito pesado. Realmente não existe em nenhuma parte desse livro qualquer possibilidade de bom humor, ironia ou cinismo. O livro é escrito em tom didático o tempo inteiro. Para quem quer se aprofundar na estruturação do imaginário musical brasileiro, bem como na formação cultural de um povo através da música, essa é a pedida exata.

Os primeiros capítulos, das partes I, II e III, referentes respectivamente à Cidade em Portugal; Brasil Colônia; e Brasil Império, assumem aquela velha tonalidade monográfica, tornando a leitura muito sacal. Mas é só passar essas partes que o livro toma corpo e clima. O restante da leitura é gratificante, embora muito maçante em algumas outras passagens esporádicas.

Agora nem tudo o que reflete nesse livro tem brilho. É necessário que o leitor saiba quem é Tinhorão e entenda o seu radicalismo, por vezes exagerado, por vezes descartável. Tinhorão é respeitado e admirado por muitos, como também detestado e execrado por outros tantos. São conhecidas demais as suas rixas públicas com Caetano Veloso, Chico Buarque e vários outros artistas. O extremismo de Tinhorão tem as cores, muitas vezes, do leninismo, com um socialismo ultrapassado e piegas, cheio de xenofobismo e aversão aos experimentalismos.

O capítulo sobre o Tropicalismo é muito interessante, a partir da análise precisa que o autor faz do momento histórico, da evolução política e tecnológica, bem como do monopólio da chamada cultura de massas. No entanto, a visão particular que ele dedica ao resultado final do fenômeno tropicalista, chega a ser hilariante, sem a menor condescendência à interação cultural entre os povos, negando o processo de globalização como se fosse racional fazê-lo.

Ele trata as tendências pop, via rock, como uma manifestação das trincheiras americanas de aculturamento das nações submissas, com aquela concepção pueril de que o guaraná é muito melhor do que a coca-cola e que um tango pega bem melhor que um blues. Mas isso é o de menos, pois esse é um livro de fato mais do que recomendável, ele é insubstituível, até o momento.

segunda-feira, 7 de julho de 2008



ACHADOS E PERDIDOS

TERRENO BALDIO REVISITADO

“Terreno Baldio” é o primeiro disco da banda paulista de mesmo nome. Lançado em 1975 pelo selo Pirata, com capa dupla, de luxo, revelando um certo tom de lisergia. A banda faz parte do chamado rock progressivo brasileiro e tem aquele estigma de muitas bandas: ou se gosta ou se detesta, aliás o que é bem típico das bandas progressivas. Atualmente, quando existe uma tendência de exumação de projetos musicais setentistas, que na realidade nunca foram enterrados totalmente, vale a pena passar esse Terreno a limpo.

O rock progressivo se tornou para muitos motivo de chacota ou até mesmo de escada, se quiser parecer antenado na roda, estiloso, fashion descolado, ou então o fodão mais bem informado da rede, numa sala de bate papo aí qualquer, basta meter o pau no rock progressivo, que os outros pastéis de vento vão coçar o queixo e vão dizer, pô, o cara saca meu, ó ai! No entanto, são pouquíssimos aqueles que realmente têm informação musical suficiente para entender e saber dimensionar o que é estética musical original ou o que é encheção de saco homérica.

Da mesma forma que qualquer outro segmento da música, o rock progressivo é cheio de gênios, de babacas insuportáveis e de artistas especialmente comuns, simples diluidores das verdadeiras criações. A banda Terreno Baldio é um pouco de cada um desses aspectos. De certa forma o grosso do rock brasileiro é formado por pastiches hilariantes, mas muita coisa boa aconteceu e pouco tem acontecido.

No caso do rock progressivo existem aqueles com maturidade criativa, como é o caso do disco “Corações Futuristas” de Egberto Gismonti, uma das maiores obras do gênero no mundo, em que você escuta talento e genialidade; bem como aqueles que tiveram que se dobrar aos ditames das gravadoras, em busca de alimentar o mercado com replicações, como é o caso de “Lar de Maravilhas” do Casa das Máquinas, em que você escuta competência e talento, mas também escuta cópias e clichês.

“Terreno Baldio”, o disco, faz parte da segunda vertente. A banda é formada por músicos excelentes, mas compromissados com um produto encomendado, que acabou tolhendo a criatividade das composições e arranjos, mas que é possível detectar em momentos e climas do disco. A banda foi saudada pela crítica e fãs como o Gentle Giant brasileiro. O que deveria ser um elogio na realidade é uma constatação de imitação, não de todo, mas que ela existe além da influência, ela existe.

As oito faixas do disco revelam traços predominantes do rock progressivo criado pelo Gentle Giant: com contra-pontos melódicos, escalas intercaladas, mudanças de andamentos, mudanças de tons, fragmentos de escalas, música minimalista e ecos de música medieval nos vocais e arranjos, além de um intenso diálogo entre a guitarra de Mozart Melo e os teclados de Lazarini.

Em determinados momentos é possível perceber as cores do jazz fusion, com grooves legais de baixo e bateria e improvisação de guitarra e teclados. Já nos momentos em que existe uma mistura do rock progressivo com a música de raiz brasileira é quando a banda se torna mais original e projeta esse disco para a história do rock brasileiro como uma verdadeira peça de aquisição obrigatória.

O vocal de Fusa é competente, afinado, com modulações difíceis, mas completamente sem carisma, frio como uma garoa paulista. Apesar de um certo tom conceitual de algumas letras, em torno do mote terreno baldio, exigido pela gravadora, existe um ar de infantilidade poética que é sem par. Esse é o ponto mais fraco do disco.

O disco abre com “Pássaro azul”, que contrariando a sombra do Gentle Giant, tem pegada e clima inteiramente Premiata Forneria Marconi, escute “River of life” do disco “Photos of Ghosts” do Premiata que você vai entender. A guitarra com phase de “Loucuras de amor” revela uma das melhores faixas do disco, que lembra os climas da banda Embrayo, com belo solo de Mozart. Outro destaque vai para as faixas “água que corre” e “A volta”, já dentro das influências do jazz fusion dos anos 70, outro groove bem legal, e com detalhes de guitarra bem legais.

Em “Quando as coisas ganham vida” existe a fusão do rock progressivo com ritmos nordestinos, muito legal mesmo. Essa vertente seria muito mais explorada no segundo trabalho da banda “Além das lendas brasileiras”. O Terreno Baldio teve uma versão remixada e remasterizada, lançada pela gravadora Rock Symphony, com embalagem luxuosa, com fotos da banda, letras em inglês e entrevistas dos componentes. Esse é um registro que vale a pena ter.

A banda

João Carlos Kurk (Fusa)- vocal, flauta e percussão
Mozart de Mello - guitarra
Ronaldo Lazzarini - teclados
Ascenção - baixo
Joaquim - bateria e percussão



ESSENCIAIS

UM PAPAGAIO DE FUTURO

Poesia. Atitude. Postura de artista grande, mesmo no início. Irreverência e originalidade na estética sonora. São esses os ingredientes que compõem um retrato de um cantor e compositor quando jovem. Tudo isso tem de sobra em “Vivo!”, terceiro disco de Alceu Valença, que projetou a sua carreira para todos os confins e o colocou definitivamente na galeria dos grandes nomes da música, sem sabotagens ou armações mercadológicas.

O ano era o de 1976 e existia um quadro de várias tendências no universo fonográfico no entremeio da década. As informações eram travadas, tanto pelo subdesenvolvimento das comunicações como pelo isolamento criminoso imposto pela tirania de Ernesto Geisel. Fora as inquietações, conformismos, exibicionismos e enlatados do quadro musical internacional, a situação era peculiar no Brasil: de um lado a música brega no auge, impulsionada pela opressão da censura; do outro a intriga entre a produção musical entreguista e ufanista contra a produção musical de resistência. Paralelo a isso existia um caminho alternativo por onde, entre outros, começavam a trilhar os novos nordestinos.

No início da década de 70 Alceu Valença já havia chamado a atenção com sua participação no filme “O Espantalho”, de Sérgio Ricardo, e pelas participações em alguns festivais, entre eles o “Abertura”. Apesar dos lançamentos de “Alceu Valença e Geraldo Azevedo” e “Molhado de Suor”, os dois primeiros registros em lp, o profeta das incoerências só apareceria de fato com “Vivo!”, gravado no teatro Tereza Rachel, durante a realização do show “Vou danado pra Catende”, lançado em vinil pela Som Livre, em edição de luxo, com capa dupla muito bem cuidada. Vendeu pouco, mas entrou para a história como uma verdadeira obra-prima.

Cocos, cirandas, emboladas, toadas, maracatus, aboios, cantorias e rock estruturam a parafernália provocadora de “Vivo!”. Tudo muito bem misturado e muito bem embalado numa estética sonora que definiria uma fusão repetida - por surrupiações, influências e falta de personalidade - milhares de vezes por diluidores espalhados por essa grande farsa que é o mercado fonográfico brasileiro. A irreverência, o sarcasmo, a ironia crítica e a poesia original, além de uma banda coesa e em grande momento, fizeram desse álbum uma verdadeira escola para muitos artistas. Aqui se aprende como se monta um repertório, como se veste, como se movimenta e como se toma conta de um palco.

A qualidade sonora não é lá essas coisas, mas deixa um enorme traço de honestidade. O disco abre com “O casamento da raposa com o rouxinol”, ponteada de início pela viola de dez cordas de Zé Ramalho, uma guitarra com leve distorção e fhase, e Alceu Valença anunciando o seu imaginário popular como um apresentador de circo. Baixo, bateria, percussão e flauta vão aparecendo aos poucos, fazendo uma cama enebriante, até chegar a um corpo sonoro, com riffs de guitarra e um vocal dramático. Abertura com personalidade, pra mostrar que o palco tem dono.

“Descida da ladeira” é um clássico da música alternativa. Parece um mantra, com trabalho competente de Paulo Lampião Rafael com o volume de guitarra. Essa ciranda modificada tem solos de flauta e muita ironia poética, em que Alceu Valença afirmando que “não acredita na força do vento que sopra e não uiva e que casca de banana é tobogã de fim-de-feira”, dá um recado todo especial aos oportunistas de plantão. Segue então “Edipiana n. 1”, música capaz de revolver o passado, o presente e o futuro. Essa é uma das mais inspiradas letras de Alceu Valença, emboladas, ironia e cinismo em forma de poesia. Ela começa lenta, criando um clima de aboio e busca uma carga dramática perfeitamente casada com o arranjo. Essa música tem um solo vocal histórico de Zé Ramalho e um vocal desesperado de Alceu no final. Imperdível.

“Você pensa” começa com uma violada de Zé Ramalho. É a mais rockeira do disco, com uma pegada forte de bateria e letra que reflete a vida dura do período. “Punhal de prata” é a junção de várias emboladas próprias e de cantadores tradicionais nordestinos. É o ponto máximo de interpretação de um show de um artista pronto para fazer história. É também um clássico. “Pontos cardeais” tem uma letra visceral, apontando para as necessidades urgentes: “Não quero essa boca / jorrando para dentro / palavras e gritos / e dentes e línguas...”. É também uma faixa climática, que vai num crescendo instigante.

Aparece então “Papagaio do futuro”, com apresentação peculiar e irônica de Alceu Valença. Essa não precisa comentar. Escute e tire as suas conclusões, como diz o autor. Imperdível. “Sol e chuva” encerra o disco de forma emblemática, voltando o show para onde começou, o imaginário popular imbricado com as coisas existenciais da modernidade. A viola também ganha destaque inicial, bem como a carga dramática do arranjo. Fenomenal. Esse é um dos discos que mereceriam o seu relançamento em vinil, não por saudosismo piegas, mas por questões históricas mesmo. Esse é um disco essencial.

A banda

Alceu Valença - voz, violão e violinha
Zé da Flauta - flauta transversal
Paulo Lampião Rafael - guitarra
Zé Ramalho da Paraíba - ukulelê, viola de 10 e 12 cordas, violão, vocais.
Israel Semente Proibida - bateria
Dicinho - baixo
Agricio Noya - percussão