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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009






Ick Thump – White Stripes
A excelência do som cru

Virtuosismo não existe no universo bizarro do White Stripes. Meg não toca porra nenhuma de bateria e Jack White engana direitinho na guitarra. Isso é o essencial. Esse é o segredo. Simplicidade e autenticidade. Se fosse o cuzão de David Weckel na bateria, não funcinava. Se fosse o debilóide Malmsteen (sei nem se é assim que se escreve, foda-se) também não funcionava. Tem que ser cru, só assim a verdadeira dimensão desse som aparece.

E digo mais, atitude, eis a questão. De que adiantam trezentas notas por segundo, quinhentos acordes complexos em um emaranhado cerebral de andamentos? No rock isso não funciona. O que vale é pegada e palco, sem parafernálias. O recado dado cuspido, em adrenalina ultra-exaltada. O exagero é parte da identificação. O nariz aponta por sobre os prédios e a nuvem suja de carbono e metais pesados. A agonia de estar vivo dentro de um ônibus transuburbano é o combustível da urgência.

Escute “Ick Thump” sem se preocupar com rótulos, isso fica para farmácia, que tem os genéricos em fila, ao lado das marcas de classe. É claro que é show busines, aqui não tem nenhum otário. É claro que existe uma força de mercado. Mas quem pode viver sem isso? Quem é seminal? Quem vive numa caverna que não seja digital? Aponte pelo menos um. A questão não é filosófica, é existencial, sem ser existencialista.

Meg é ex-esposa de Jack. Casaram-se em setembro de 1996 e separaram-se em 2000. E daí? Mege só usa dois pratos, caixa e bumbo. Tons, surdos e cimbals são terras estrangeiras para ela. E daí? O que importa é que ela toca alto, só perde o tempo de vez em quando. Jack White tem obsessão pelas válvulas e cordas de grosso calibre. O volume é estrondoroso. Ele só conhece as pentatônicas e algumas escalas de blues. E daí? O que vale é o conjunto da obra, estranha, escatológica, seminal, vindo diretamente das entranhas.

Para contrariedade geral dos puristas e das frescuras diversas, eles vendem assim mesmo e seu público não é formado por babacas universitários que se lombram o tempo inteiro. Eles estão fora da mesmice alternativa, nossa que nojo. A batida de Jack não é diretona, plein, plein, plein, plein até torrar o saco. Nem existe melancolia no olhar junkie de Meg. Esse é o sexto álbum dessa dupla, que segundo a crítica do primeiro, estaria fadada ao fracasso.

“Ick Thump” foi lançado em cd, em vinil 180 gramas (com tratamento hipnótico) e lançado em pen drive de 512 MB[8]. Há duas versões: uma retratando artisticamente Jack, e a outra retratando Meg. A produção será limitada a 3 333 unidades de cada um, já são raridades, disputadas à tapa. O álbum já vendeu milhões. E daí? O que importa é o som cru na caixa, fazendo o circuito integrado do seu som gozar de volume. Isso é energia pura.

Várias faixas merecem destaque, aliás o disco inteiro é maluco.”Ick Thump” é uma porrada de abertura, com Jack aloprando com o pedal Whammi, em oitavas alucinadas. O riff é estranho, parece uma gaita de foles, que é usada de verdade em outra faixa do disco. O timbre da guitarra nessa música demonstra o que você encontrará ao longo do disco inteiro. Timbres valvulados, gordos e cremosos, no talo. “300 M.P.H. Torrential Outpour” merece uma atenção especial, pela sua melodia delicada, em meio ao furacão geral do disco.

“Conquest” também já foi um hit em uma outra encarnação. Simplesmente demais. O seu senso de humor é fundamental. Sua passionalidade é pura adrenalina. Imperdível. Madonna deveria escutar todo dia, talvez ela apressasse a menor pausa e nos deixasse em paz de uma vez por todas. “Brone Broke” é um direto no fígado. Suja e bela. “Litle Cream Soda” já nasceu clássica. É porrada, velho. É de tirar o fôlego, guitarra detonada em grande estilo. “Rag and Bone” é a mais charmosa do disco, cheia de blues, etílica como devem ser todas essas referências. Também imperdível.

“A Marty for my Love for You” é o tipo de faixa que você escuta e não esquece mais. Tem uma introdução sombria de órgão e guitarra imperdível. O clima de badala caminha para uma segunda parte arrasadora. Essa é a sua trilha sonora para espantar o tédio. Você ainda tem “Catch Hell Blues” na manga para espantar aquela visita indesejada. Não morra antes de escutar “Ick Thump”, essa é uma obrigação. Essa é uma das poucas vezes em que o sistema chuta o próprio rabo.





Jorge Bem – África Brasil
Fusão acima de tudo

Antes mais nada, desculpem o hiato, um estio de postagens, pura falta de tempo. Falo com meus possíveis leitores. Rafael tem pelo uns vinte leitores. Caso eu tenha nenhum, não faz mal, eu escrevo defendendo o anonimato, essa referência obrigatória dos dias atuais...

Jorge Bem nunca foi uma unanimidade. Ainda bem. Sempre tentaram rotular sua música, nunca conseguiram, ainda bem. Quando ele apareceu com o seu primeirão: “Samba Esquema Novo”, ele foi acusado de ter traído o movimento eterno do samba. Ainda bem que ele traiu essa merda de movimento purista. Isso era 1963, ano de véspera do golpe militar, outra merda.

Ainda por quinze discos Jorge se manteria fiel ao violão. Mesmo sem agradar a gregos e troianos e sem amenizar a pecha de traidor do movimento. Ele sempre foi acusado de ser alienado ou até mesmo alienígena, em terras de resistência pura aos anos de chumbo. É verdade que os vendidos ao sistema existiam de ruma e magote. Não era o seu caso, que seguia, nem sempre em paz, em sua auto-missão de procurar novos rumos para a fatídica música popular brasileira. Mais conhecido lá fora do aqui. Mais respeitado lá fora do que aqui.

Na realidade “aqui” é uma cesta cheia de pequi, em que a mídia se encarrega de mitificar o mais do mesmo, em que os diferentes se esforçam para não caírem na marginalia geral da ignorância cultural. Só em seu décimo sexto disco é que Jorge Ben resolve plugar sua guitarra, ainda bem. O resultado é um brado mais alto, além das terras tupiniquins. “África Brasil” surge como um manifesto de movimento nenhum, é um tributo sincero à espontaneidade. Claro, tudo muito intencional.

Há quem fale em trilogia: “Tábua de Esmeralda”, de 1972; “Solta o Pavão”, de 1974; e “África Brasil”, de 1976. mas entre esses lançamentos existem ainda “Gil e Jorge”, ao vivo, um verdadeiro desbunde geral, irresistivelmente antológico, de 1975, um audacioso álbum duplo; e Jorge Bem à L’Olympia, outro disco ao vivo, tocado, gravado e lançado na França, também de 1975. Realmente todos esses discos representam uma grande fase de Jorge Ben, responsável pela sedimentação do prestígio desse músico dono de uma linguagem própria, um inventor.

No entanto, “África Brasil” é único, como diria Torquato Neto, pessoal e intransferível. Eis uma propriedade universalmente sem posses, ainda bem. Esse bólide destruidor de redutos reúne rock, funk, samba, batuque, candomblé, jazz, bossa e o que você possa imaginar de swing, de síncopes, de fragmentos estéticos. Esse é o inventor dentro do seu laboratório. Como peça de estranhamento a sua retórica toma as rédeas daquilo que não se quer com um único prumo. Os temas passeiam pelo esoterismo, pelo existencialismo e pelas sutilezas surreais de uma sociedade nada pacata, nada inocente.

“Ponta de lança africano” é o que se pode chamar de abertura de um trabalho. Devia ser tombada como patrimônio imaterial. É pra ser ouvida no talo, sem a menor consideração pelo silêncio sagrado. Esse é um testemunho vivo da cultura brasileira. Sem palavras. Escute meu velho, ou então fique nessa sua merdinha de mundo bitolado. Umbabarauma é o nome do cara. A guitarra phase de Jorge abre alas, em um verdadeiro batalhão de choque. Swing. Swing. Swing.

“Hermes Trismegisto escreveu” é um a espécie de releitura de um tema do disco “Tábua de Esmeralda”. É histórica, sem nenhum perdão. Essa é uma banda em grande forma. Arranjo simples e certeiro como um canivete em beco escuro. Pura marginalia. É impossível ficar parado. Depois vem “O filosofo”, ironicamente bela, trata da simplicidade com uma elaborada linguagem musical. Uma das melhores introduções de todos os tempos. Uma verdadeira aula sobre música popular pra idiota nenhum confundir balanço com bossa.

“Meus filhos; meu tesouro” é um verdadeiro achado. Cheia de malícias e malandragens. Um dos textos mais atuais. É quando a contemporaneidade pede pinico. Ironia fina. Continue com o volume no talo, qualquer coisa compre outros autofalantes, vale a pena. “O plebeu” é uma verdadeira pérola retirada das entranhas do universo pop de Jorge Ben. O gênio revisita seus ancestrais com a elegância de um ogan. “Taj Mahal” é outra releitura, agora em versão alucinada e definitiva. A metaleira dá o tom apoteótico. Aqui o som já virou festa. Uma batida de guitarra inimitável. É só dele essa pegada.

“Xica da Silva” é outro clássico que também devia ser tombado como patrimônio imaterial. O timbre do baixo de Dadi na introdução dessa música é um caso à parte, inesquecível e documental. O arranjo vocal é outra instituição pop. Essa é a levada esperta, o groove falado. “A história de Jorge” é simplesmente deslumbrante, com introdução de percussão antológica e destaque para os teclados de José Roberto Bertrami, da histórica banda Azymuth, uma das mais importantes do jazz moderno universal. Swing. Swing. Swing. Ainda bem.

“Camisa dez da Gávea” é outro clássico, com pegada de terreiro africano. Uma fábrica de timbres. Continue com o volume no talo, sem concessões. “Cavaleiro do cavalo imaculado” é a que tem mais pegada, é a que tem mais pique, acelerada e épica, não menos do que étnica. Você já devia ter trocado as caixas de som e deixado mais algumas de reserva. “África Brasil (Zumbi)” é outra espécie de releitura. Todo disco histórico tem que ter uma faixa de abertura que diga logo a que veio e uma faixa de encerramento pra deixar o rastro na história. Esse é caso de “África Brasil”, demais, demais, demais... nunca é demais ouvir esse disco histórico.

A banda: só tem fera

Jorge Bem – guitarra phase e voz
Dadi – baixo
Pedrinho – bateria
José Roberto Bertrami – teclados e arranjos de orquestra
João Bum – piano
Luna – surdo
Neném – cuíca
Gustavo / Joãozinho / Canegal e Doutro – percussão
Djalma Correia / Hermes e Ariovaldo – tumbas, congas e atabaques
Joãozinho e Wilson das Neves – timbales
Darcy – piston
Márcio Montarroios – piston com bacus berry
Bigorna – sax e flauta
Oberdam – sax
Regina / Evinha / Claudinha e Marisa Waldyr - vocais




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