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sábado, 27 de dezembro de 2008


Vitrine

O Coração do Homem Bomba Vol. 1– Zeca Baleiro
A volta dos que nunca se foram

Zeca Baleiro volta em dose dupla, depois de três anos sem lançar um cd de inéditas. Depois do morno Baladas do Asfalto e Outros Blues, os dois volumes intitulados como O Coração do Homem Bomba, fincam definitivamente as raízes do Baleiro entre os autores referenciais da musica popular brasileira contemporânea, que atravessa uma das suas piores crises autorais depois da ditadura militar.

Muita baboseira tem sido escrita para desmistificar a sofisticação da criação musical, na tentativa de legitimar uma pretensa simplicidade estética das novas composições de Zeca Baleiro nesse projeto. Pura perca de tempo, pura futilidade. Ele não se reinventa, ele não se recicla, nem se debruça sobre o descompromisso, nem se volta para o brega-chic, nem nega as tendências radicais de vanguarda, nem a quilo, nem a metro e nem a litro.

Zeca continua sendo apenas o mesmo, aparando as afetações e depurando suas influências, ele apenas está construindo sua carreira com coerência e honestidade. Seu sotaque maranhense permanece nítido, seus decibéis tropicalistas continuam audíveis e sua universalidade não precisa mais de legenda, bem como o seu humor mantém o charme especial de sua obra.

Além de toda uma musicalidade permanente, que não perde o prumo e se expande facilmente a cada novo trabalho, o Baleiro tem se revelado um pesquisador das sonoridades coloquiais de nossa linguagem popular. Além disso, a banca de bombons de Zeca ainda oferece drops de versões especiais, com edições limitadas, só para colecionadores. Isso tudo em um só caldeirão não pode ser simples nunca. Pode até parecer simples, mas não é. Existe uma diferença sutil, mas fundamental, entre o imediato e o imediatismo.

Rock, ska, samba, samba-rock, forró, balada, e revisitações diversas fazem parte do cardápio do O Coração do Homem Bomba, e tudo misturado, com muito humor e certa dose de cinismo indispensável. A produção enxuta de Zeca Baleiro e Evaldo Luna deixa tudo em seu devido lugar, sem exageros e sem economias retrós. A climática “Geraldo Vandré”, faixa que encerra o Vol. 1, resume em grande estilo a assinatura dessa produção.

O disco abre com uma vinheta que anuncia o que se pretende: trabalhar a dualidade do cotidiano imperativo. Tratado aqui na sonoridade dos instrumentos, na sonoridade das palavras, no significado das letras e nas versões das músicas de outros autores. O coração do homem bomba é uma mistura de sentimento e pragmatismo. Tum Tum e bum é a própria distensão dual entre o imaterial e o material, entre o bem e o mal, entre a vida e a morte.

Essa dualidade está presente em todas as músicas e vinhetas, em desdobramentos plurais e singulares. Fruto de uma visão poética desnudada da pretensão da tese, munida da observação e da linguagem trabalhada. A sonoridade e a significação de má, na faixa “Você é má”, é o retrato fiel dessa busca lúdica do poeta, que mergulha no maniqueísmo existencial dos anos dois mil, com um humor corrosivo o tanto que simpático, traduzido em neologismos, trocadilhos e assonâncias inesperadas.

Os destaques são especiais dentre as músicas especiais de um repertório que acerta o alvo por completo, sem terrorismos e horrores. “Você não liga pra mim” é incrivelmente irresistível, um ska sem fronteiras. “Alma não tem cor” é um clássico do Karnak que virou um clássico do Baleiro, imperdível e pronto para repetições exaustivas.

“Aquela prainha” é uma abordagem irônica da ocupação interventora dos gringos no litoral nordestino. “Você é má” é sem explicação, uma obra prima bissexta. “Bola dividida” é um clássico dos anos 70, de Luiz Ayrão, que recebe a etiqueta da grife Baleiro de versões. “Toca Raul” é uma crônica viva de turnês, deliciosamente mitológica. “Geraldo Vandré” é aquela música que faz com que você compre um disco.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


Vitrine

Labiata
A permanência de Lenine


Todo o espaço conquistado pelo compositor pernambucano, Lenine, está confirmado com o lançamento do seu novo disco, “Labiata”. Está confirmado com estilo, com elegância, com a apologia certeira de que o menos é muito mais e de que nada vale o virtuosismo se a criatividade e a originalidade não são suas guias. “Labiata” não é coisa que se finda, é coisa que se ilumina lentamente, ao sabor do devaneio, com ou sem trocadilhos.

Diz Lenine que o nome é de uma orquídea, em entrevista para Anderson Dezan, do site de notícias Ultimosegundo, ele afirma: “Três coisas me impressionam neste tipo de orquídea. Em primeiro lugar, a beleza da flor, sua exuberância. Depois, a diversidade da ocorrência dela. São mais de 40 mil espécies espalhadas pelo mundo e é possível encontrá-la no meio do deserto da Austrália, como no Tibete. Em terceiro lugar, a resistência. Ela tem essa capacidade de ser uma flor delicada e robusta. Esses três significantes permeiam o que é a música popular brasileira: a beleza, a diversidade e a resistência”.

“Labiata” é o oitavo disco de Lenine e o primeiro de estúdio, depois de dois discos ao vivo: MTV acústico e InCité; e de uma trilha para balé Breu, encomendada pelo Grupo Corpo. Duas peculiaridades acompanham esse novo trabalho, o lançamento simultâneo em vinil e a composição integral das músicas feita em estúdio, em pleno período de gravação. Além disso, vale ressaltar a produção requintadamente equilibrada de Jr. Tolstoi e a manutenção da banda base do último disco, com o caririense Pantico, na bateria e Jr. Tolstoi, nas guitarras, efeitos e intervenções; mais o baixo de Guila.

O disco tem as participações super especiais do Quinteto da Paraíba; de Pedro Luís e A Parede; Arnaldo Antunes, em uma expressão sonora e parcerias; Carlos Muñez; e China. Além disso, os três filhos de Lenine fazem vocais na faixa que fecha o disco, “Continuação”, uma das duas músicas de autoria total de Lenine, a outra música é “Martelo Bigorna”, que abre o disco. As outras composições, todas inéditas, Lenine divide com velhos parceiros, como Lula Queiroga, Bráulio Tavares, Dudu Falcão e Paulo César Pinheiro. Dentre essas parcerias existe uma póstuma, com Chico Science, “Samba e Leveza”, dedicada a Goretti, irmã de Chico, que viabilizou a parceria.

O estilo é o mesmo, harmonias dissonantes e levada sincopada, com melodias simples em cima de letras espertas, distantes dos imediatismos de mercado que empesteiam a crise institucionalizada da música popular brasileira. Os traços rockeiros de Jr. Tolstoi permanecem em sua pegada visceral e extremamente contemporânea. Aliás, Jr. Tolstoi é o sideman que qualquer cantor ativo e renovado precisa. Ele é senhor de sua parafernália de efeitos e sabe como poucos guitarristas da nova geração, fazer uma cama de texturas para que a base flua, com peso e delicadeza ao mesmo tempo. O trabalho desse guitarrista esperto, com pedal whammi, na faixa “O céu é muito”, parceria com Arnaldo Antunes, é eficiente, técnico e criativo.

Em seu trabalho de produção, Tolstoi deu a medida exata ao violão de Lenine e fez com que o cantor pernambucano também tocasse guitarra, com timbres limpos descolados. Mesmo nas faixas mais acústicas, que tiram o sono de qualquer produtor, Tolstoi manda bem nas captações e mixagens. As levadas funk das composições de Lenine, também foram bem tratadas, com a cozinha recebendo o devido destaque. Ao longo do disco, Tolstoi utiliza-se de filtros diversos, delays, compressores e reverbs bem dosados, sem a crueza patética de alguns discos indies e sem a plastificação de magazine de alguns discos atuais da MPB.

Os destaque ficam por conta das faixas “Martelo Bigorna”; “A Mancha”, com excelente letra de Lula Queiroga; “O céu é muito”, “É fogo”, tremenda levada; “Ciranda praieira”, extremamente climática, com intervenções, ruídos e efeitos de whammi na guitarra de Jr. Tolstoi; e a excelente “Excesso exceto” , o casamento perfeito entre o peso e a leveza, uma das poucas letras em que Arnaldo Antunes se livra do marasmo eterno do seu eterno nominalismo. Esse é um disco raro em meio a tanta porcaria lançada no mercado, visando as vendas de fim de ano.

sábado, 13 de dezembro de 2008



Achados e Perdidos
Sambrasa Trio
Em som maior

Esse é um disco único por vários motivos. É o único disco do trio. É o primeiro registro sonoro de Hermeto Pascoal como band lead. Esse disco é único por que tem um registro todo especial, que é uma música de Hermeto Pascoal e outra de José Neto, seu irmão. Além disso, esse é o disco em que é possível perceber o ponto exato em que Hermeto Pascoal começa a abrir as asas para vôos mais altos, dentro de um estilo próprio.

Sambrasa Trio faz parte da chamada onda jazz samba, uma fusão sonora dos fins da década de 50 e inícios da década de 60 do século XX. Tendo a bossa nova como referência e o predomínio do piano, com harmonias e improvisos jazzísticos sobre uma base rítmica brasileira, o jazz samba sofria influências diretas do be bop, do hard bop, do cool jazz e alguns lampejos da música modal. Além, é claro, do chorinho e do samba.

Dentro de um panorama contemporâneo o samba jazz estava além do tradicional, que eram aqueles arranjos orquestrais ainda dentro dos parâmetros estéticos do swing, pois já apresentava encadeamentos harmônicos dissonantes e linhas de improvisação mais complexas. No entanto, o samba jazz estava aquém das experiências de vanguardas da música concreta, do minimalismo, do abstracionismo e do free jazz, que exploravam a atonalidade, os fragmentos harmônicos, os ruídos e as intervenções diversas.

O disco “Em Som Maior” foi gravado em 1965, mas ainda sofria o clima de efervescência cultural brasileira da era JK, com as projeções do cinema novo, o respaldo literário de Guimarães Rosa e a quebra de fronteiras da bossa nova. São os últimos resquícios desse clima de festa e realização, pois já era o governo de Castelo Branco e os horrores da ditadura militar já maquinavam os seus aniquilamentos materiais e imateriais, logo em breve a repressão criminosa estaria nas ruas, nos corações e nas cabeças.

Como Hermeto Pascoal, Airton Moreira e Humberto Cleyber, existiam inúmeros músicos brasileiros de altíssimo nível que tinham as casas noturnas de São Paulo e Rio de Janeiro como o espaço sagrado para o desenvolvimento da música instrumental brasileira. Artistas como Eumir Deodato, César Camargo Mariano, Amilton Godoy, Sérgio Mendes, Paulinho da Costa, Raul de Sousa, João Donato, Heraldo do Monte, Théo de Barros, e tantos outros, sobreviviam de pequenos cachês das casas noturnas, nutrindo a esperança de um lugar ao sol, ou à lua, o que era mais coerente. Quase todos foram embora do país e retornaram com nome internacional.

A fórmula do trio já era bem experimentada, entre os mais famosos estão o Zimbo Trio e o Tamba Trio. Airton Moreira e Humberto Cleyber já haviam formado o Sambalanço Trio, com César Camargo Mariano ao piano. Mas foi com essa formação, com Hermeto, que o som ficou mais diferente do que o usual nessas formações. Além de piano, Hermeto tocou flauta, já com uma embocadura fora dos padrões brasileiros. Cleyber, além de baixo acústico, tocou também harmônica, fazendo dueto com Hermeto na música “Lamento Sertanejo”. Airton Moreira tocou bateria com uma pegada bem distante do normal dessas formações, ele tocou com força e peso, usando aros, ferragens e o corpo da bateria para tirar sons.

O destaque do disco é a pegada do trio, nada conservadora, nem nos improvisos e nem no volume. A música mais parecida com a estética típica dessas formações é “Duas Contas”, com arranjo bem cool jazz. Fora isso, o que se escuta é uma pegada visceral, malandra, noturna, com um peso bem próximo das incursões fusion do jazz de vanguarda. A concepção harmônica de Hermeto Pascoal já está aqui, de forma embrionária. As melhores músicas são as de autoria dos integrantes do trio. Esse é um disco que não envelheceu, tronou-se uma referência obrigatória.

Victor Jara

Quantas paixões as asas negras da morte simularam transportar. Mas não era nada, não era paixão, não eram revoluções sobre o solo da América Latina. Apenas o sangue derramado, o ar sufocado, o corpo destroçado. Não eram sonhos e desejos, era a violenta extração dos campos rumando em estradas cangaceiras indo às margens das valas negras que escorrem a miséria contínua da vida urbana.

Victor Jara era filho de camponeses chilenos. O pai no eito da labuta sem progresso e a mãe uma artista que elevava as almas em velórios. Seu pai Manuel bebia cada vez mais e sua mãe Amanda no conflito para criar sete filhos. Amanda vai com os filhos para a capital. Victor começa estudar no Liceu Católico e aí o mais fantástico das asas negras da América Latina.

Victor Jara, por incrível que parece se politiza no movimento Ação Católica, seguindo as diretrizes de Pio XI que pensava ampliar a influência católica. Victor era um artista sensível ao cruento mundo dos latifundiários chilenos. Excelente compositor e cantor, ator, diretor de teatro. Morre Amanda de um infarto agudo do miocárdio e Victor se enclausura no Seminario Redentorista San Bernardo. Segue a disciplina, abandona a vida monástica, mas serve ao exército chileno.

Eis um homem de seu país, de sua pátria de suas crenças e de suas raízes. E, no entanto, pela sua sensibilidade social, pela sua música de protesto ao estabelecimento do que se julga inamovível. Victor é uma personagem mundial. O mais importante de todas as coisas para a juventude.

A qualidade não é uma forma. A estética não é uma moda. A qualidade da arte é o que ela diz das grandes questões do surgir, do permanecer, do ir-se e do voltar-se da humanidade. Diz deste movimento que tem conteúdo e o conteúdo, não se enganem, é a voz do povo, o folclore, os hábitos, suas construções entranhadas na trajetória mais ampla do movimento da história.
E foi nas raízes do povo chileno e não no Americano ou Europeu, nem na grande indústria cultural que a juventude chilena fez de sua música uma das maiores expressões dos anos 60 e 70. Violeta Parra, Victor Jara, Los Jaivas e tendo o fluir telúrico do poeta maior: Pablo Neruda.

Por isso é que a morte não pode retornar-se camuflada, com seus dentes envenenados, sob a forma de um preconceito doentio, de um pedantismo cultural, de um ódio contra os efeitos da pobreza como se nela estivesse a causa. Victor Jara perdeu o emprego na universidade, foi perseguido, e o foi por este mesmo ódio contra as formas emanentes e remanescentes de nossa alma: os Aimarás da Bolívia, os Quéchuas do Peru, do canto Mapuche. O ódio à demarcação das reservas indígenas brasileiras.

Não meu coração. A resistência não se encontra nestes fedegosos na alma, que habitam os bares das “calles mojadas”, nalguma Aldeota, uma esquina do Leblon com Ipanema. As cascas de uma alma vazia. Falam inglês, se assustam com a crise, pois não podem se usufruir do “sale” e “off price” das ruas de Nova Iorque. Numa recepção vip do show de Madona. Era Victor, o cantor se engajou na campanha de Salvador Allende. No dia do golpe militar, Victor Jara seguiu para a Universidade. Enquanto o palácio de La Moneda era bombardeado, os estudantes resistiam entre os prédios das faculdades. Todos foram aprisionados e levado para o Estádio Nacional.

Victor Jara, foi torturado por quatro dias. Um oficial que assomou o ódio de seu fascismo pediu a primazia da tortura ao artista e gritou: canta agora seu filho da puta! Ele cantou, no limites de sua força, o hino da Unidade Popular e em seguida foi morto. Seu corpo foi achado com ajuda de um jovem do partido comunista entre tantos outros no necrotério de Santiago.

Por José do Vale Pinheiro

Discografia

Discos de estúdio

1967: Víctor Jara

1967: Víctor Jara

1968: Canciones Folclóricas de América

1969: Pongo en Tus Manos Abiertas

1970: Canto Libre

1971: El Derecho de Vivir en Paz

1972: La Población

1973: Canto por Travesura

Discos ao vivo

1978: El Recital

1996: Víctor Jara en México

1996: Víctor Jara Habla y Canta

Edições póstumas

1974: Víctor Jara / Manifiesto

1975: Víctor Jara. Presente

1975: Víctor Jara. últimas Canciones

1979: Víctor Jara

1984: An Unfinished Song

1992: Todo Víctor Jara

1997: Víctor Jara Presente. colección “Haciendo Historia”

2001: Víctor Jara

2001: Pongo en tus manos abiertas

2001: El derecho de vivir en paz

2001: Víctor Jara habla y canta

2001: La Población

2001: Canto por travesura

2001: Manifiesto

2001: Antología musical

2001: 1959-1969

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


Madonna no Brasil
A Volta do Simulacro

A cultura pop é uma imensa rede de esgotos que retroalimenta, através da reificação do inútil e do efêmero, o panteão das imbecilidades do mundo contemporâneo. Um dos maiores ícones dessa putrefação ence-fálica a céu aberto é Madonna, que volta ao Brasil depois de quinze anos, com a bunda sentada em uma lista patética de exigências e a vagina aberta por sobre um circo tecnológico capaz de fornicar a idiotice de sua platéia por cerca de duas horas e parir milhões de dólares em poucos segundos.

Alguns a chamam de diva. Outros dizem que ela é a musa do pop. Mas de fato o que ela é na realidade é uma cantora de quinta categoria com embalagem midiática típica das propagandas de quinquilharias eletrônicas japonesas, sempre prontas e predestinadas a serem falsificadas na China, sem dúvidas. Mas essa parte ela segue como um sacramento, com postura de um fanático, desses que se encontra em qualquer templo. Madonna se falsifica a cada disco lançado, a cada show estrelado. Ela é o simulacro do simulacro, em plena propriedade do pastiche, desde seu primeiro ganido entendido como canto.

Mas ela não está só, a sua espécie se reproduz assustadoramente. Com ingressos que vão de 180 a 600 reais, fora da indústria dos cambistas, existem pessoas acampadas para comprá-los. O que é natural em um país em que Caetano Veloso, um dos monumentos culturais brasileiros, após ter excursionado ao lado de Roberto Carlos Brega, afirmar categoricamente, em um ciclo de palestras sobre a cultura brasileira promovida pela Folha de São Paulo, que a banda Calypso revolucionou o pop brasileiro.

De fato, esse é o momento do monumento, tão sólido quanto dolente, tão duradouro quanto uma pedra de crack. Essa é a retroalimentação da barbárie cultural high-tech. Monumentos copulam monumentos e procriam monumentozinhos tarados, pervertidos, esquizofrênicos, com transtornos de personalidades, deslumbrados com o número de acessos e comentários ou preocupados com a pirataria cultural. Em sua lista de exigências, Madonna dá o ar inequívoco de sua religiosidade contemporânea ao colocar em um pedestal existencial o assento do aparelho sanitário. Esse é, sem dúvidas, o maior monumento contemporâneo.

Ela exige que todos os assentos sejam novos e avisa que, depois de usados, eles serão levados por sua equipe. Isso é o que se chama de bagagem cultural do mundo pop, a cagada monumental. O assento do vaso sanitário deixa vestígios da nossa reles condição humana. Mitografando então o assento, o cu passa a ser, apenas, uma possibilidade do plausível, o que transforma de imediato a bosta em objeto de tese das linhagens científicas, religiosas e sentimentais, conservadoras ou progressistas. Eis Madonna em seu sagrado quarto de despejo, elaborando artísticas conjecturas de esterco.

Até nisso Madonna é perfeita. Ao mesmo tempo em que ela não quer deixar vestígios de sua verdadeira obra, levando consigo os assentos sanitários e derivados, ela exige que em sua passagem pelo Brasil, apenas 13 pessoas podem dirigir palavras a ela, ou seja, só ela tem o direito de falar suas merdas monumentais em terras brasileiras, com direito a deixar vestígios nas paredes e no ventilador. O público adora, pois isso é o que o retroalimenta, uma vez que não existe continência maior em consumir simulacros do que venerar o próprio excremento.

A produção anunciou a mais perfeita parafernália tecnológica, com luz e palco cinematográficos. Um luxo! Um arraso de espetáculo! Tudo perfeito para ser consumido e esquecido na primeira ida ao trono maior. Enquanto isso a água de Madonna vem de Israel e as carnes de ruminantes que irão produzir gases pop em suas entranhas virão de New York e Londres. Os carros que irão transportar a velha rainha do brega, vêm da Alemanha, são todos da montadora Audi. Já a demência que irá pular e gritar nos shows é toda daqui mesmo. Literalmente brasileira, monumentalmente cagada e cuspida.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008




Achados e Perdidos

Araçá Azul
O radicalismo tropicalista de Caetano Veloso

Quando Caetano Veloso e Gilberto Gil voltaram do exílio eles encontraram um recorte histórico de desilusões políticas e de aniquilamento da liberdade de expressão. Além disso eles encontraram uma música de resistência, engajada politicamente, que detinha verdadeiramente o prestígio da crítica, em contra-face a uma facção vendida e alienada do mercado. Eles tentaram se colocar no meio termo do engajamento e distante ao máximo da inércia criativa e da estagnação opinativa. É desse tempo o disco Araçá Azul. Corriam os anos 70, mais precisamente 1973.

Muito se tem falado desse disco. Muitos confetes foram jogados, como também muita escatologia oportunista também. Caetano Veloso não é lá de fazer muitos amigos. Muito se deve ao seu posicionamento de comentarista, nem sempre certeiro, sempre sincero e algumas vezes cretino ao extremo. Caetano fala o que quer e escuta o que não quer. De fato, Caetano é bem melhor compondo do que teorizando. Mas esse não é um disco que escape ao polêmico. E por isso a inconstância de teses. Historicamente foi o disco mais devolvido do seu tempo. Historicamente foi o disco mais cultuado pelos descolados e desconsolados do seu tempo. Como atesta o atestado da capa: um disco para entendidos, inclusive na sua concepção gay.

Quando da volta, sem o exílio nas costas, mas com as marcas do tempo na fisionomia, Caetano precisava reconhecer e ser reconhecido, ao que parece pelo seu lançamento. Precisava redemarcar o seu re-torno. E ele o fez em grande estilo, respaldado pelo respeito e prestígio dos concretistas do grupo Noigrandes, mais especificamente na pessoa de Augusto de Campos, a quem dedica e a quem remete como fonte inspiradora a música “De Palavra em Palavra”.

Sem ter necessariamente uma incidência completa e unilateral do concretismo, mas sim um acoplamento de interesses e visões artísticas, Caetano juntou o útil ao necessário, justamente para quem precisava ser re-legitimado. E se fez então um dos maiores impérios opinativos da década de 70 e 80. De um lado os autores do concretismo, que já ostentavam um poder imenso de determinar o que era bom e o que era descartável nas artes tupiniquins, do outro lado chegou então Caetano e a sua trupe multicolorida, inversa, invertida, ou não, quem sabe? pode até ser...

Araçá Azul é feito de uma matéria concreta, tropicalista, experimental, mas decididamente nada inovadora, pois afinal aqueles elementos ali já tinham sido experimentados dentro ou fora do país, e ainda dentro ou fora do próprio tropicalismo. Mas não é do ineditismo que se sustenta essa obra. É mais ainda pela sua ousadia e liberdade criativa do que propriamente pela bandeira de uma estética qualquer. E nisso tem de muita coragem, partindo de quem precisava do mercado naquele exato momento, daí a sua indiscutível durabilidade.

Araçá Azul tem raízes brasileiras e estrangeiras, como propagara o neo-antropofagismo tropicalista. Tem também colagens musicais, intertextualidades e citações diversas. A descontinuidade e a fragmentação não são apenas olhos oculares do tempo, são necessidades expressas. Como também são necessidades de engajamento indireto e predileto pela voz e vozes latinas, nesse disco na figura de Dominguez e seu bolerão “Tu me acostumbrastes”, como a que dizer estão abertas as veias da América Latina.

Então se juntaram aos poucos e aos pedaços o samba de roda de Edith Oliveira; o experimentalismo de Sousândrade, via concretismo de Augusto; mais a pegada rockeira e visceral de Lanny Gordin e seu circo psicodélico; a bossa de João Gilberto, uma referência sempre; a desconstrução das colagens sonoras, através de Hermeto e Walter Smetack; a providência eclética e de vanguarda do erudito Rogério Duprat; e a poesia fina de Caetano Veloso em Araçá Azul: “Araçá Azul é sonho-segredo / Não é segredo / Araçá Azul fica sendo / o nome mais belo do medo // Com fé em Deus / eu não vou morrer tão cedo // Araçá Azul é brinquedo.

Algumas peculiaridades marcam esse disco eternamente: a capa, com Caetano só de tanga, se olhando em um espelho e que remete à outra capa (deliciosa, por sinal), do disco “Índia” de Gal Costa, do mesmo ano; ao tremendo rock, digo imperdível rock, “Eu quero essa mulher assim mesmo”, uma das versões (de autoria do sambista Monsueto Menezes, de quem Caetano já havia gravado “Mora na Filosofia”, no álbum “Transa”) mais viscerais e pesadas de Caetano Veloso, com um solo insano de Lanny Gordin, colocando a guitarra pelo avesso; e o lado assumidamente gay de Cae, o que não tem problema algum, muito menos solução, apenas é. Imensamente causador de reflexões.







Clássicos

The Stooges – 1969
A lisergia primal

Falar dos Stooges é falar do submundo, é procurar entender a contracultura, é perceber que a música não precisa necessariamente ser um fim, mas apenas um meio para expressar o sentimento da existência impura da contravenção, do aniquilamento imperdoável do tempo e do espaço.

Depois de tantos anos e tantos rótulos fornecidos pela merdologia crítica do mercado musical, fica fácil enquadrar a banda em uma estética qualquer, como proto-punk, por exemplo. Mas isso é porcaria, sem função nenhuma. Aliás, não ter função era uma das intenções da banda, que começou a subverter a ordem até na sua própria concepção estética: eles se achavam psicodélicos, antagônicos ao movimento de Los Angeles. Inicialmente eles se proclamaram The Psychedelic Stooges, algo parecido como Os panacas psicodélicos, em tradução livre.

Eles achavam que ser psicodélicos era construir seus próprios instrumentos, como Harry Partch, um obscuro e injustiçado compositor americano, que desenvolveu uma marginalizada estética baseada em escalas microtonais e atonais, fabricando seus próprios instrumentos para isso. É também de Harry Partch que vem boa parte da performance corporal de Iggy Pop no palco. Harry Partch fez uma junção de música, discurso e expressão corporal em várias de suas peças, entre elas a descomunal interpretação operística do poema “Sophocles’ Oedipus”, de Willians Butler Yeats.

Nos primórdios da banda a percussão era baseada em tonéis de metal vazios e outros apetrechos. Uma guitarra sem quase nenhuma técnica em volume estratosférico e um vocal desesperado, com Iggy Pop cantando suas apatias vestindo uma camisola de maternidade e empunhando uma tábua de lavar amplificada. Eles evoluíram, se é que se pode afirmar isso, para uma banda com formação comum e impressionaram um executivo da Electra, que havia viajado para Detroid com o intuito de contratar o MC5. O som não impressionou tanto, mas Iggy Pop cortando o próprio corpo com vidro e se lambuzando com pasta de amendoim no palco, enquanto berrava o seu tédio, sim.

Para registrar o primeiro disco, intitulado apenas “The Stooges”, a banda precisou completar o material, pois eles só tinham cinco músicas no repertório: 1969; No fun; I wanna be your dog; We will fall e Ann. A banda vivia de longas improvisações no palco. Boa parte delas está registrada em seus discos, com sessões históricas, repletas de álcool, drogas e experiências diversas. As músicas Real cool time; Not right e Litle doll foram compostas, então, em uma madrugada e tocadas pela primeira vez no estúdio. Uma boa parte de We will fall também foi acrescida no estúdio.

O disco teve a produção de ninguém mais do que John Cale, líder do Velvet Underground, que ainda tocou piano em I wanna be your dog e viola em We will fall. O som é cru, é visceral, é na cara, sem constrangimentos de nenhuma espécie. A maioria composta em três notas, suficientes para descabelar qualquer um que busque complexidade harmônica, como também suficientes para entusiasmar qualquer um que esteja cansado de hermetismos musicais e prolixidades discursivas.

1969 é sem nenhuma esperança. É uma espécie de shufle anarquista, abre o disco como um verdadeiro cartão de visitas de vendedor de aspirador de pó. A ironia fica por conta desse vendedor estar em um bairro pobre, sem grana e sem futuro. O wha da guitarra de Ron Asheton ficou marcado para sempre, esse é um dos hits mais Cult de todos os tempos. I wanna be your dog é um clássico, um hit natural, com uma seminal parede fuzzy de guitarra, além de uma percussão pernóstica, que lembra sons de natal. Iggy Pop não canta essa música, ele proclama. Imperdivelmente sujo, marginal, submundo.

We will fall é uma faixa bizarra e experimental. Tem o minimalismo apresentado muitas vezes nas músicas do Velvet. Depois de tanto tempo passado o clima soturno dessa faixa não envelheceu e é o que mais se aproxima de uma pegada psicodélica. No fun, a faixa seguinte, é deliciosamente marginal, um hino ao desperdício juvenil, retratando a falta de perspectiva americana. A bateria de Scott Asheton e o baixo de Deve Alexander recebem o auxílio de palmas, bem ao estilo roots. Essa faixa tem a autenticidade cretina que faltou aos Rolling Stones e a ironia satírica marginal que nunca esteve presente nos Beatles. Também não sei se era preciso.

Real Cool time, Ann, Not right e Litle doll fecham o disco com o estilo legítimo dos Stooges: com ironia e improvisações, com direito à lisergia em Ann e ao peso cru nas duas últimas músicas. Esse é um disco histórico, não por pertencer a um passado rico artisticamente, mas por ter feito história, na concepção maior do termo. A grande contribuição desse disco é justamente fundar a não estética, o não virtuosismo. Sobre ele pesa a atitude de uma geração que se viu ludibriada pelos ilusionistas do way of life americano. Ouvir esse disco depois de tanto tempo é muito gratificante, principalmente para aqueles que entendem o rock como um meio e não como um fim.

domingo, 9 de novembro de 2008









Clássicos







King Crimson – Larks’ Tongues in Aspic
Uma nova linguagem no progressivo

Esse disco marca não só uma guinada na carreira do King Crimson, ele funda uma nova dinastia estética no rock, colocando Robert Fripp, de uma vez por todas, na galeria dos imortais, não aquela burocrata e patética das paradas de sucesso e das premiações da própria indústria fonográfica, mas aquela dos caminhos alternativos, experimentais e inventivos, a mesma em que estão cagando e andando para o mundo dos negócios: Frank Zappa; Hermeto Pascoal; Tom Waits; Ravel; Debussy; Egberto Gismonti; Bela Bartók; Cartola e tantos outros.

Larks’ Tongues in Aspic foi lançado depois do disco ao vivo Eahtbound, de 1972, que contém algumas perfomances no Estados Unidos, com uma formação de transição, ainda com Boz Burrel, Mel Colins e Ian Wallace, herdada do disco Islands, de 1971, então o último disco de estúdio da banda, que registrou orquestrações com sopros e linhas melódicas nitidamente dentro do padrão Beatles de cantar.

As menções aos Beatles já estavam no genial disco Lizard, de 1970, na música jazzística e cheia de dissonidos, Happy Family, que narra o fim da banda, em que na letra Paul é Judas; George é Silas; Ringo é Rufus e John é Jonah. Esses eram registros em que Robert Fripp aparecia com guitarra com timbre limpo e tocando violões diversos. Os arranjos dessa fase da corte do rei Crimson, eram pautados no jazz e na música clássica de vanguarda, com fugas e contra-pontos desconcertantes. O som era leve, privilegiava os timbres mais acústicos e as sonoridades elétricas de cordas do mellotron, além dos diversos aspectos experimentais e psicodélicos.

Então a banda é toda mudada e o som também. Com Robert Fripp tocando mellotron, violão, parafernálias eletrônicas e uma guitarra lancinantemente distorcida, acordes dissonantes, saltos de cordas e intervalos alucinados em seus solos metafísicos, a banda formada por Bill Bruford na bateria; John Wetton no baixo e voz; David Cross nos violinos, violas e mellotron; e Jamie Muir nas percussões diversas; dá à luz um dos mais importantes discos da música universal. Esse é um disco fundante e fundamental. É o disco quem tem o peso de um mamute e a leveza de uma pluma. E acima de tudo, é um disco que tem história para contar, basta detoná-lo no headphone.

A estética de Larks’ Tongues in Aspic é essencialmente experimental, climática e cheia de dinâmicas orquestrais, aliada a um peso, a uma massa sonora jamais vista até então no rock progressivo. As colagens, o estranhamento, as intervenções, a circularidade, a fragmentação e a descontinuidade, bem como os ruídos e as escatologias diversas, típicas do universo sonoro de Robert Fripp, são matizadas aqui ao extremo. O abstracionismo e a concretude de vanguarda, na linha de Edgar Varese e Bela Bartók, estão presentes, de forma dialética, transformando a pasmaceira em inquietude.

Até no tempo total de música, 46’: 45’’, o disco é enigmático. A química da banda é um caso à parte. Músicos de longa estrada e da cena de vanguarda deram uma sustentabilidade sonora inigualável, embora porcarias como Dream Theatre e outras do gênero tentem imitar na maior cara-de-pau do mundo. A cama sonora feita por Bruford, Wetton e Muir, com uma complexa teia rítmica e timbrística, proporcionam a Fripp e Cross um universo inteiro de experimentações e devaneios.

Uma vez eu li numa revista dessas aí, Humberto, aquele imbecilóide maior da gosma Engenheiros do Havaí, afirmando que dava graças a Deus nenhum baterista seu ter influências do timbre de caixa utilizado por Bill Bruford. Ainda bem. Esse é um som para poucos, não é para quem tem ouvidos, é para quem escuta. As passagens de guitarra e violino são de arrepiar, bem como os arranjos de percussão e baixo, faixas como “Lark’s tongues in aspic”, parte I e II e “Talking Drum”, são de impressionar, tamanha a dinâmica, a concepção estética e a atitude musical.

Vale ressaltar aqui que “Lark’s tongues in aspic” , um dos maiores clássicos do rock progressivo, tem na realidade quatro partes e um Coda. A terceira parte apareceu em 1984 no disco Three of a Perfect Pair, sendo a última faixa do disco, com uma estética eletrônica e absolutamente experimental, com as mesmas células rítmicas da parte I. Essa formação tinha Adrian Belew, Tony Levin e Bill Bruford. A quarta parte e o Coda apareceram em 2000, no disco The ConstruKction of Light, sendo a parte vocal "I Have a Dream", colocada no final. Essa formação tinha Belew e mais Trey Gunn e Pat Mastelotto.

O disco traz, além das duas partes de “Lark’s tongues in aspic” e de “Talking Drum”, a belíssima e sentimental “Book of Saturday”, confirmando a veia baladeira de Fripp, e a clássica “Easy Money”, que contém um dos solos mais inspirados de Robert Fripp, além de um clima e dinâmica descomunal. A pegada dessa música é para detonar os auto-falantes, peso e experimentação de altíssimo nível. O clima de “Talking Drum” é deliciosamente épico e surreal, com os solos aloprados de Cross e Fripp, resume o próprio disco, como sendo uma peça imperdível, autêntica e altamente contemporânea, com quase quarenta anos de existência.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Vitrine


Milton Nascimento & Jobim Trio
Novas Bossas

O cantor e compositor mineiro lança a sua espécie de homenagem à bossa nova, acompanhado da obviedade sonora do Jobim Trio, formado por Daniel Jobim, no piano; Paulo Jobim, violão e Paulo Braga, bateria; com participação especial de Rodrigo Villa, no baixo acústico. O disco, com excelente trabalho de produção e fino acabamento de produto, recebeu o curioso nome de “Novas Bossas”, que de novo não tem absolutamente nada, excetuando-se o fato de Milton Nascimento se apresentar em melhor fase, o que tinha se tornado raro nos últimos tempos.

Esse é sem dúvida nenhuma um produto para exportação, com nítido aproveitamento dos nomes envolvidos no projeto, bem como a oportuna carona nas possíveis e impossíveis homenagens mercadológicas à bossa nova. Apesar do forte cheiro de armação, Milton Nascimento faz valer à pena a compra desse cd, em diversos momentos. Seu poder vocal parece estar de volta e sua potência interpretativa supre a falta de arranjos classudos, quase uma constante nesse disco, que muitas vezes patina na mesmice dos estandartes.

O repertórtio escolhido faz jus aos nomes envolvidos, são composições de Milton Nascimento, Antônio Carlos Jobim, mais uma de Vinícius de Moraes, outra de Dorival Caymmi e a belíssima “Tudo o que você podia ser”, de Lô Borges e Márcio Borges, que abre o disco, remetendo o ouvinte a um tempo em que se sabia compor canções na música popular brasileira. Algumas recriações instrumentais soam miseráveis, diante do que já foi feito em outras interpretações, como em “O vento”, “Chega de saudade” e “Trem de ferro”.

JobimTrio é um daqueles grupos brasileiros que nem Ford e nem sai de Sinca, piano pobre, violão desaparecido, os dois se sustentam na base segura de Paulo Braga e Rodrigo Villa. As concepções de arranjos são por demais econômicas diante da envergadura harmônica e melódica das composições, excetuando-se a pobreza de “O vento”, de Dorival Caymmi – eternizado não sei necessariamente porquê - , e “Medo de Amar”, de Vinícius de Moraes - responsável por alguns dos versos mais ridículos da mpb, coisas do tipo: “Mas se ela voltar / que coisa linda, que coisa louca / pois há menos peixinhos a nadar no mar / do que os beijinhos que eu darei em sua boca...”

Milton Nascimento é uma história à parte, não vive à sombra de ninguém, principalmente nesse disco. É certo que ele vem de lançamentos equivocados, mas também é certo que ele não perdeu a majestade, nunca. Que delícia é ouvir, mesmo com esse acompanhamento intimidado, a sua interpretação para “Tudo que você podia ter”, “Cais”, “Inútil paisagem”, “Tarde” e “Caminhos cruzados”. A sua voz e a sua interpretação, com seus falsetes e sua modulações, permitem ao ouvinte mais atento, perceber como se processa o fenômeno de salvamento de uma música, quando o cantor carrega nas costas uma banda inteira.

A produção do disco é impecável, visto o quanto é difícil captar a sonoridade acústica dessa formação. Milton e Jobim Trio assinam a produção, juntamente com Chico Neves. O disco leva o selo Tribo, de Milton Nascimento Produções. As gravações aconteceram no Bituca’s Studios, Daniel Jobim Studio’s e Estúdio 304. A sonoridade geral do disco é cheia de graves profundos, médios fartos e poucos agudos, mas o resultado é excelente, top de linha, sem pasteurizações digitais. A mixagem privilegia a voz, o que de fato deveria acontecer, e negligencia os violões, o que torna-se o pecado da produção, mesmo tendo em vista a falta de um grande violonista.

Esse é aquele disco que, para os amantes das harmonias complexas e da infantilidade das letras da bossa nova, é um verdadeiro achado, digno de ser escutado em uma varanda ampla, combatendo o calor com a aproximação dos amigos e o acomodamento emotivo de um bom vinho. Já para aqueles mais exigentes e desconfiados da recente produção nacional, vale a pena comprar nesse exato momento, pois ele custa apenas nove reais e noventa, nas lojas americanas do shopping de Juazeiro do Norte, corra, que o preço original dele é vinte e nove reais.


Aos Vivos

O furacão Elis em Montreux

Esse é um daqueles discos essenciais, que você deve ter em casa como remédio para os inúmeros males da civilização. Elis Regina Montreux Jazz Festival, remasterizado e com gravações inéditas, faz um extenso trabalho de magia em seu espírito, em sua libido, em sua autoestima, em sua suprema condição humana. Não há como, entre outras inúmeras coisas, não se rebelar contra as manobras do destino, ao ouvir esse show fenomenal.

O disco faz parte do projeto Warner Arquivos, supervisionado por Charles Gavin. Existe uma outra edição, que é a edição em cd, do disco lançado originalmente em 1982, bem diferente desse. Essa edição é remasterizada e tem a inclusão de quase todas as músicas que compõem a fita original com as duas apresentações da inesquecível cantora brasileira em terras suiças. Além disso, o cd contém uma extensa nota de apresentação assinada por Nelson Mota, que acompanhou tudo de perto.

Na realidade Elis se apresentou no festival na mesma noite em que tocou Hermeto Pascoal e banda, lendário show também registrado em disco e relançado pelo mesmo projeto da Warner. Em uma noite furtiva de julho de 1979, Elis era a atração principal de uma noite que entrou para a história da música universal. Hermeto e Elis, duas iluminações integrais, dois shows seminais, no caso três, pois Elis fez antes, no mesmo dia, uma matinê, lotada de fãs enebriados pela sua arte maior. Estou escrevendo ouvindo o disco dela, depois de ter escutado integralmente o de Hermeto, a emoção me toma e as lágrimas são inevitáveis. Pausa.

Existe uma história contada por Nelson Mota, que diz da necessidade de uma matinê, quando Claud Nobs, organizador e apresentador do festival, se deparou com uma multidão querendo ver Elis, já com os ingressos esgotados. Ela foi convencida e fez esse show extra. De acordo com Nelson Mota, a apresentação foi impecável, fez com que a casa viesse abaixo, o público delirou com a força daquela estrela no palco. Já a apresentação de gala, que seria para fechar a noite, empolgou menos, talvez pelo desgaste do primeiro show.

Elis estava de contrato novo em uma nova gravadora, a Warner, depois de quinze anos integrando o elenco da Polygram. Uma das exigências de contrado era o lançamento desse show, para a projeção internacional da cantora. Para Elis, sua segunda apresentação foi um fiasco, justamente aquela que seria motivo de lançamento. Ela pediu ao produtor Midani que não lançasse esse disco de forma nenhuma, nem depois da sua morte. Daí a gravação só ter aparecido em 1982, já como lançamento póstumo.

Há quem diga que o show de Hermeto Pascoal abalou a cantora, que era sempre competitiva. De fato, Hermeto, que se apresentou antes dela, teve de voltar várias vezes, teve seu nome ovacionado pelo público, que enlouquecido não queria que ele saísse do palco. Hermeto Passava por um grande momento internacional, gravando com grandes nomes e fazendo shows internacionais que eram capas das revistas mais importantes de jazz. Não acredito que a apresentação de Elis não tenha sido melhor por causa de uma possível intimidação, isso é lenda. O fato é que ela estava cansada devido ao show das três da tarde, com intenso desgaste físico e emocional, em que ela foi ovacionada da mesma forma que Hermeto foi.

Quando terminou o show de Elis, Claud Nobs chama inesperadamente Hermeto Pascoal ao palco, logo em seguida ele chama Elis Regina e eles entram para a história com três interpretações fenomenais: “Corcovado”, “Garota de Ipanema” e “Asa Branca”. Esse é um dueto que espantou a crítica musical, surpreendida pela extensão insondável de talento, técnica, sensibilidade e senso de improvisação incalculáveis. Esse é um momento mágico desse disco, necessário para qualquer ser vivo, pensante e emotivo.
A banda que Elis levou para Montreux é qualquer coisa de genial. César Camargo, no piano e arranjos; Hélio Delmiro, na guitarra; Paulinho Braga, na bateria; e Chico Batera, na percussão. Para acompanhar o talento de Elis, tinha que ser desse naípe para lá. O repertório foi escolhido visando o mercado internacional e continha algumas bossas que Elis detestava e outras velharias doseu repertório de carreira, que ela ficava contrariada em ter que interpretar novamente. Mas ela adicionou alguns dos seus preferidos, como Djavan, sendo praticamente lançado, Fátimas Guedes, Tunai, Milton Nascimento, Gilberto Gil, João Bosco e Ivan Lins.

Não há o que comentar sobre as músicas e as interpretações, a não ser que são de outro mundo. Só ressalto que o que é uma apresentação comprometedora para Elis Regina, é infinitamente superior a qualquer apresentação de qualquer uma dessas cantoras de meia-tigela que aparecem berrando feito cabra no cio, tais como a animadora de trio elétrico Ivete Sangalo, a breguíssima Ana Carolina, e o pastiche pop Cláudia Leite. Peço desculpas pelas citações, mas foram inevitáveis.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008








Achados e Perdidos

Gentle Giant – Octopus
A criatividade imortal


Existem alguns discos que são fundamentais para determinados artistas. Outros que são fundamentais para os fãs. E outros, ainda, que são fundamentais para a própria existência de uma estética, de uma tendência como movimento artístico ou da própria música como manifestação da civilidade humana. “Octopus”, do Gentle Giant é tudo isso e mais um pouco.

Inevitavelmente existem aqueles detratores do rock progressivo. Isso é natural, uma vez que o esclarecimento não é mercadoria que se compre em supermercado, muito menos em bodegas. É claro que existem os aspectos negativos e massificantes dessa vertente do rock dos anos 70. Os diluidores existem em qualquer manifestação artística, e que não seja por eles, que tudo deverá ser nivelado por baixo. Essas conjeturas maniqueístas não excluem o Gentle Giant e nem o disco “Octopus”. Para dúvidas resta o conhecimento de causa, já que questão de gosto não se duvida, se lamenta.

“Octopus” é uma daquelas obras geniais que necessitam de manual de instruções, não pela sua prolixidade, mas pelos seus desdobramentos literários e musicais. Esse é o quarto álbum da banda britânica, formada pelos irmãos Shulman, a partir da dissolução da banda Simon Dupree and The Big Sound. O disco marca uma definição sonora da banda, que até então já contava com três discos lançados: Gentle Giant (1970); Acquiring The Taste (1971); e Three Friends (1972).
“Octopus” foi lançado em 1972 e teve pouca repercussão comercial. Parte da crítica recebeu o disco com reservas e parte dela fez caras e bocas afetadas, tal qual cafetinas hávidas por carne fresca. Vida inteligente nunca foi o forte da crítica, comprometida com os jabás e as conveniências do mercado. São inúmeros os elementos musicais que compõem as texturas de “Octopus”, uma estética que se estrutura dialeticamente entre o novo e o antigo, através de intertextualidades, metalinguagens e estranhamentos.

Além de letras irônicas, de escatologias diversas e citações literárias do autor renascentista francês François Rabelais, através dos seus personagens Pantagruel, Panurge e Gargântua, o disco contém traços da música minimalista, da música clássica de vanguarda, do concretismo, do barroco, do contraponto, das fugas, dos madrigas, do cancioneiro medieval, do folclore celta, dissonâncias infinitas, do rock, do hard rock, do blues, do soul e do pop.

“Octopus” é um disco para ser apreciado, degustado, explorado, de preferência através de um bom headfone. Não que um volume na tora não resolva de vez. Esse é um disco para contrair as bolas e dilatar as vaginas, bem como escalonar os mais longínguos recantos do cabeção. Não tem contra-indicações, a nãos ser em casos típicos de possessão cafuçú, casos em que só o suicídio social resolve.



“The Advent of Panurge” abre o disco com elegância magistral, através de uma introdução em contraponto vocal, seguida de uma levada sinuosa, com mudanças de andamentos e convenções sutis e um timbre de órgão inigualável. Vale ressaltar aqui o trabalho harmônico estruturado em fragmentos de acordes. Essa é uma faixa ambiental, cheia de texturas com a marca Gentle Giant. Uma das principais composições do rock progressivo.

“Raconteur Troubadour” é uma releitura dos sons medievais, através de uma abordagem moderna. Grande trabalho de violino e piano elétrico. Vocal para iniciados e instrumental com direito a fugas diversas. “A cry for Everyone” é um rockão nada básico, com uma pegada que flutua entre o peso e a sutileza, com o entrelaçamento harmônico e melódico típico do Gentle Giant. Essa é uma verdadeira aula de timbres e combinação instrumental. É um clássico da banda. É para ser detonada no volume 100.

“Knots” é uma peça minimalista por excelência, com intricado contraponto vocal, células harmônicas, fragmentos de acordes, fugas e e mais fugas vocais. Com certeza foi aqui que o Quenn chupou geral seus vocais. Essa é uma faixa seminal. Imperdível. Logo em seguida tem aquela da “moeda”, “The Boys in The Band”, um clássico instrumental com todo o peso da marca Gentle Giant. Essa é para ouvir e se transportar para a galáxia mais distante, de preferência escutar em algum lugar alto da Chapada do Araripe, de forma que você veja o vale inteiro, com suas luzes brilhando como estrelas no chão.



“Dog’s Life” é uma música feita para os roadies da banda e satiriza a vida cheia de correria, bebedeiras e histórias malucas. Nem por isso a qualidade cai, muito pelo contrário, predomina o experimentalismo concretista e de vanguarda, com timbres pra lá de exóticos. É a faixa mais lisérgica do disco, só para iniciados. “Think of me With Kindness” é uma balada delirante, com uma melodia fenomenal, para ser escutada sempre nos momentos mais inusitados.

“River” fecha o disco com a mesma elegância com que ele foi aberto. Obra-prima. Todos os elementos do universo progressivo do Gigante Gentil estão nessa composição. Essa é uma faixa excepcionalmente climática, com efeitos diversos, fragmentos de cello e violino, além das mudanças de andamento. O solo de guitarra de Gary Green é muito bem trabalhado, com um timbre imbatível. A banda dessa obra de arte é:

- Gary Green / guitarras, percussão - Kerry Minnear / teclados, vibrafone, percussão, cello, Moog, vocais - Derek Shulman / vocais, alto saxofone - Philip Shulman / saxofone, trompete, mellofone, vocais - Raymond Shulman / baixo, violino, guitarrra, percussão , vocais- John Weathers / bateria, percussão, xilofone

segunda-feira, 13 de outubro de 2008




Clássicos

Frank Zappa and Mothers of Invention
One Size Fits All

O maior compositor do rock deu de presente para a humanidade esse disco em 1975, quem quiser achar ruim que ache. Zappa é a maior referência de qualidade no universo pop universal. Da mesma forma que colecionava admiradores, colecionava também detratores, devido ao seu humor ferino e sua intensa crítica aos costumes americanos. Ele não perdoava ninguém e era tido por muitos como politicamente incorreto. Que se foda quem quiser. Ele era e é mais genial do que fantástico.

Esse disco foi gravado simultaneamente com os discos “Apostrophe”, “Roxy & Elsewhere” e “Bongo Fury”, praticamente com a mesma banda, sem dúvida nenhuma a melhor formação do Mothers. A linha é a mistura de elementos do jazz, da música clássica contemporânea, blues, trilhas para desenhos animados e soul music. As letras são corrosivas, cheias de alusões sexuais e vitupérios contra vários tabus, além de uma tirada de onda monumental com o inconsciente coletivo americano em “Inca Roads”, faixa que abre o disco.

“Inca Roads” tem uma pegada monumental, com uma introdução cheia de teclados lisérgicos de George Duke. As linhas de vocais são do outro mundo, como sugere a própria letra da música, com Zappa e Napoleon Murphy Brock fazendo intervenções extremamente cínicas. Depois de um turbilhão de convenções e harmonias chapantes, a música deságua num dos solos mais iluminados de toda a galáxia, uma habilidade de mestre no wha wha. Obra prima. Inesquecível. Sublime. Do caralho, resume melhor a sensação.

“Can’t Afford No Shoes” e “Sofá No.1” jogam o ouvinte em uma outra dimensão, com direito a guitarra distorcida e letra mais do que irônica, em “Can’t Afford No Shoes”, a linha harmônica começa simples e depois complica. O trabalho de slide guitar é demais, bem como os vocais. Isso é que é pop de vergonha. “Sofá No.1” é uma das melodias mais brilhantes do mago, com direito àquelas linhas malucas de vibrafone de Ruth Underwood. Clássico zappeiro duca.

“Pó-jama People” é uma faixa inexplicável. Simples, direta e fenomenal. Zappa, que é o rei dos timbres, - não existe outro igual - descola uma timbragem de médios, através de um wha wha, de outro mundo. O solo é enfurecido e recebe uma base sofisticada, com muito swing, da bateria de Chester Thompson e do baixo de Tom Fowler. Essa é pra ser escutada no talo, de forma que algum alto-falante peça pinico, entorte.

“Florentine Pogen” é mais uma daquelas faixas obscuras do universo bizarro de Frank Zappa. Composição complexa, cheia de mudanças e convenções que desempregam qualquer banda cover. Sem dúvida nenhuma essa é uma das melhores composições de todos os tempos. Aqui você encontra ironia, cinismo, humor, e muito, mas muito talento mesmo. É pra ser escutada sem nenhum pentelho por perto, se não ele pede pra pular a faixa.

“Evelyn, A Modified Dog” é hilariante, faz parte do humor ferino de Zappa. “San Ber’dino” é outra pérola do repertório bizarro de Zappa. Uma história cretina sobre um casal mais cretino ainda. Aqui Charlie Guitar Watson faz uma participação mais do que especial. Essa é pra ouvir no talo também, com belo arranjo de guitarra e levada final irresistível. O vocal de Watson é lendário. Aliás, Zappa era um mestre em arranjar esses vocais esquisitos.

“Andy” é um dos maiores clássicos de Zappa. Simplesmente incendiária. Watson também rasga o vocal aqui, junto com Napoleon Murphy Brock. Também é para ser ouvido enchendo o saco daquele vizinho careta, que passa o domingo ouvindo a merdologia dos “Aviões do Forró”. Levada de guitarra massa, cheia de contra-pontos e fragmentos harmônicos. A linha vocal dessa música também é lendária, impagável. O solo é um caso à parte, com partes agudas que não se sabe ao certo onde Zappa está tocando.

O disco fecha com “Sofá No. 2”. Essa é uma das letras mais bem sacadas do disco e do mundo Zappeiro: uma auto-descrição do sofá jamais vista, com um vocal em falsete de George Duke de tirar o fôlego. Parte da música é cantada com sotaque alemão. O disco tinha que ser encerrado assim, de forma clássica, bem aos moldes Zappeiros, estranhamento puro. Esse é o tamanho único de Frank Zappa com várias indicações e contra-indicações. Imperdivelmente clássico.
Históricos

Johnny Winter - Captured Live!
para a eternidade

Em uma lendária entrevista para a revista Guitar Player, respondendo sobre equipamento e regulagens, Johnny Winter respondeu que não tinha segredos, colocava todos os botões da guitarra e do amplificador no dez e metia a mão, sem olhar para trás. Esse disco histórico é uma prova disso. São seis faixas antológicas de pura adrenalina de hard blues ao vivo. Esse é um disco para quem acredita em guitar heroes.

Se você é daqueles ou daquelas que torce o nariz para longos solos de guitarra em volume máximo, e acha que isso é pura masturbação musical e que a guitarra é só um detalhe para o rock, então passe longe desse disco. Ou se quiser siga o meu conselho: compre esse registro monumental, mude os seus conceitos e perceba que existe vida inteligente e sentimento musical nesses solos que foram capturados ao vivo, sem retoques ou enganações.

Esse disco contém faixas gravadas em três espetáculos diferentes, Swing Auditorium, San Diego Sports Arena e Oakland Coliseum, em 1976. Não existem faixas ruins nesse disco, cada uma é melhor do que a outra. Esse é um repertório impecável, simplesmente matador. O guitarrista texano está em sua fase divina de guitarra “Firebird”, da Gibson, com um leve toque de phase em seu timbre lotado de médios e amplificadores Marshall no talo. Johnny Winter desfila o seu leque de escalas pentatônicas, menores e de blues em velocidade estonteante, completamente distante dos malabarismos circenses dos fritadores.

A famosa base de Johnny Winter nos anos 70, em que ele se aproxima bastante do rock em seu fraseado blueseiro, está presente como uma verdadeira usina de força. Floyd Redford, com uma Gibson 335, semi-acústica, segura a base e faz solos e duelos precisos. A cozinha é formada por Randy Jo Hobbs no baixo e Richards Hughes na bateria, de entrosamento perfeito e peso puro, essa é uma dupla dos sonhos de qualquer guitarrista solo. O resultado dessa química é de impressionar qualquer um. As apresentações seguem a linha do início dos anos 70, com longos improvisos no gás total, sem deixar o público respirar.

O disco abre com “Bonie Moronie”, com uma introdução de Johnny Winter sozinho na guitarra. Que ele é albino todos sabem. Que ele é negro de alma e voz todos sabem, mas essa primeira faixa serve para o ouvinte saber exatamente com quantas notas se faz o autêntico hard blues. Melhor abertura impossível. No segundo solo dessa música Johnny mostra boa parte dos seus truques, aprendidos em bares e clubes noturnos. O ouvinte já é sacudido em sua quinta geração.

“Roll with me”, a segunda faixa, é típica dos anos 70. O groove dessa música é irresistível, hipnotizante. É o solo mais rockeiro dessa infinidade de solos. Praticamente esse é o song book dos links de Johnny Winter, bands, doublestops, oitavas e ligados diversos. “Rock and roll people” faz o público delirar com seu andamento rápido e pegada alucinada do albino. As frases de guitarra são rápidas e poderosas. Esse é o chamado power blues, o som solta faíscas. Nessa faixa você vai entender porque ele é considerado um dos maiores guitarristas de todos os tempos.

“It’s all over now” já abre com um solo mágico de Johnny Winter, para logo em seguida a banda entrar em uma pegada meio western e meio boogie. Essa faixa tem um dos melhores duelos entre o texano e Floyd Redford. A base que Johnny Winter faz quando Floyd está solando é imperdível. A essas alturas tudo já está pegando fogo. É quando Johnny Winter resolve usar o slide na música “Highway 61 revisited”.

Depois que você ouvir essa versão para o hit mágico do feiticeiro Bob Dylan, você vai pensar dez vezes antes de querer tocar slide guitar. O momento em que Johnny Winter segura a onda solando com slide, apenas com o groove da bateria, é clássico, é antológico, é seminal, é aula pura. Esse momento é pra você aprender a verdadeira função de uma guitarra solo. Ele ainda abre espaço para um solo generoso de Floyd Redford.

“Sweet Papa John” fecha o disco com toda a classe de um grande mestre do blues. Também começa com Johnny Winter sozinho, destruindo a guitarra, depois a banda entra em um blues de andamento lento, tradicional. É mais uma aula de slide. É pra fazer com que esse se torne um dos registros ao vivo mais importantes da sobrenatural década de 70. cara, se você ainda não conhece esse disco, você é simplesmente um vacilão.

Três bandas descoladas
E uma noite massa no meio

A estreante Papagaio do Futuro, a rodada Alegoria da Caverna e sua fantasia de festa Os Transacionais, fizeram uma noite no Café Estação, em Crato, no último sábado 11, de rocks, baladas, reggaes e outras ondas diversas e inversas a mais, para um público médio, mas seleto e sedento de diversões sem trapaças.

Uma grata surpresa foi ouvir o som trabalhado e irreverente da Papagaio do Futuro, uma banda de Juazeiro do Norte, que finalmente faz valer o aspecto urbano daquela cidade, sem a eterna babaquice das caras e bocas do heavy metal e do som fabricado das vídeo-aulas, tão peculiares entre santos e ladainhas de lá. Já a banda de Fortaleza, Alegoria da Caverna, com a competência do seu som, conseguiu dissipar o estigma de terra dos cafuçús daquela capital, o que convenhamos não é tarefa fácil.

A Papagaio do Futuro levou uma eternidade para arrumar o equipamento e definir lugares, enquanto uns brigavam com afinações, cabos e pedais, outros zoadavam em seus instrumentos, uma verdadeira munganga, que deve ser exterminada ontem. O som começou indefinido, completamente embolado, com todos os volumes detonados, encobrindo as vozes e distorcendo o som na frente. A banda não conseguiu equalizar completamente o som no palco e em alguns momentos as três guitarras estavam desafinadas entre si.

Mas isso não conseguiu detonar o som da banda, são erros de uma segunda apresentação de uma banda novíssima, que não tem nem repertório fechado ainda, mas que em cerca de oito músicas a Papagaio do Futuro demonstrou ser a novidade, o diferente, aquilo que se aguarda com ansiedade na cena musical caririense há muito tempo. As três guitarras são muito bem arranjadas, em músicas que mudam constantemente de andamento. Os solos são bem dosados, bem como as timbragens.

As composições empolgam facilmente e já é possível perceber alguns hits em potencial. Faltam alguns ajustes na cozinha, apesar dos grooves marcantes do baixo. Sem dúvida nenhuma o destaque vai para a presença de palco da vocalista Grissa, com vocal possante, figurino exótico e carisma sobrando. A banda liderada por Aquiles, que assina as composições, faz vocal e toca guitarra, tem presente, tem futuro e não esquece a riqueza do passado musical do rock. Foi uma surpresa e tanto.

A banda Alegoria da Caverna apresentou o repertório do seu cd “Gororoba “ , bem como o repertório do seu projeto paralelo Os Transacionais, só de covers brasileiros da década de 60 e 70, com um som bem mais enxuto e solto do que das outras vezes que esteve aqui. A banda tem um repertório autoral que transita entre o rock’n’roll, o funk, o reggae e levadas da mpb. As letras são bem cuidadas, irônicas e fáceis de guardar. A banda tem pelo menos dois hits, a simpática “Mumu de Sabi” e a incendiária “100% Pirado”, o que é fundamental em qualquer banda: música pra galera cantar junto.

Além disso a banda é rodada, tem manha de palco. O som ficou redondinho, sem falhas. O destaque da banda é a sua cozinha, com o peso do excelente baterista D’Angelo e da competência do baixo de JolsonX. A guitarra de Miguel Basile é providencialmente econômica e muito eficiente, o guitarrista domina completamente o seu equipamento e despeja potência em seus solos certeiros e sem firulas. Vitoriano é o frontman. Sua presença é carismática, sua dicção é clara e sua guitarra é fundamental para a estrutura sonora da banda. A presença de palco da banda é massa.

O projeto Os Transacionais é pura diversão. A mudança de repertório foi marcada pela lendária “Misirlou”, de Dick Dale and His Del-Tones, com o guitarrista Miguel Basile incorporando o verdadeiro espírito da guitarra surf. O resto do repertório é uma seleção de pérolas, entre elas, versões impagáveis dos mutantes. Os transacionais é sinônimo de diversão pura, o clima ideal para fechar a noite. O que vimos, ouvimos e dançamos foram as tendências do novo em pleno diálogo com o velho, mas sem nenhuma espécie de velhacaria.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Achados e Perdidos

Lar de Maravilhas
É onde moram as máquinas progressivas


1975 é praticamente o auge do rock progressivo, com os grandes nomes do gênero lançando discos importantes. Muita baboseira já foi escrita sobre o rock progressivo, tanto de bem como de mal, tanto fora como dentro da mídia especializada, mas ainda falta uma revisão coerente desse período, com reconsiderações urgentes. O disco “Lar de Maravilhas”, da banda paulista Casa das Máquinas faz parte diretamente dessa revisão, como sendo um verdadeiro achado.

A banda foi formada a partir da desintegração dos Incríveis. Netinho e Aroldo Binda formaram aquela que seria a banda para satisfazer musicalmente os dois. Carlos Geraldo, Piska e Pique completaram a primeira formação do grupo, responsável pelo primeiro disco, em 1974, chamado apenas de “Casa das Máquinas”, ainda com uma pegada pop, na linha dos Incríveis. Algumas mudanças aconteceram e a banda lançou essa maravilha.

Com a saída de Pique, que era saxofonista e tecladista, entraram mais um baterista, Marinho Thomaz, irmão de Netinho e um tecladista, Mário Testoni Jr. A parafernália eletrônica e o estilo rebuscado de Testoni deram um impulso progressivo ao grupo, que mudou completamente o visual e o som. As guitarras de Aroldo e Piska ficaram mais viajadas, cheias de efeitos e harmonias etéreas. O baixo de Geraldo segurou a onda em grande estilo, sem dever nada aos grandes nomes do gênero.

O resultado dessa experiência musical é um dos mais interessantes discos do rock progressivo brasileiro. O timbre de órgão Hammond e os sintetizadores são fenomenais. As guitarras são coesas, com vários contrapontos e climas dinâmicos. As duas baterias são casadas com perfeição milimétrica e em alguns casos elas se estendem em funções diversas, criando uma textura musical muito massa. As letras não deslizam no besteirol típicos do gênero, mas ainda sublinham lugares-comuns, com algumas imagens telúricas já diluídas em letras de bandas com o referencial do Yes.

Existem nesse disco alguns momentos acústicos de beleza rara. A melodia de “Lar de Maravilhas” é qualquer coisa de deslumbrante. É um clima propício para se conhecer outras galáxias. Definitivamente essa é uma música para se ouvir sozinho, com direito a incenso e escuro. “Cilindro Cônico” é outra viagem imperdível, com aquele timbre de Hammond liderando a melodia e aquele timbre de baixo profundo. “Vale Verde” é também cheia de climas viajantes, com destaque para os sintetizadores diversos e um solo de guitarra excelente, carregado de efeitos.

“Vou morar no ar” fez muito sucesso e com razão. É claro que o suporte da rede Globo foi fundamental, com a faixa chegando a fazer parte de trilha de novela. A Som Livre, através de João Araújo, pai de Cazuza – que escreveu o release do disco – investiu pesado na banda, colocando no fantástico, no Sábado Som e posteriormente no Rock Concert. Houve também uma tentativa de lançar a banda internacionalmente. Nesse período o Casa das Máquinas tinha uma superestrutura, com aparelhagem de som pesado, com jogo de luz e cenários. As duas baterias causavam impacto, bem como o visual da trupe.

Mas o hit se justificava pela qualidade da composição. O clima cinematográfico do início da faixa, com aquelas passadas, a chuva, o trovão e as batidas na porta, fez e faz parte do imaginário coletivo da lisergia nacional. O clima espacial da faixa, com aquela guitarra embalada por um dos whas mais espertos do período, também entraram para história. Essa é uma faixa imperdível. Ao contrário de “Lar de Maravilhas”, essa é para ser ouvida no talo, com o amplificador pedindo perdão.

Outra faixa sensacional é “Epidemia de Rock”, com uma introdução de bateria simplesmente arrasadora, duas baterias em sintonia fazendo uma convenção super-pesada. Escute e tenha em mente um momento histórico dessa banda que lançou quatro discos, sendo três pela Som Livre e um independente. O último disco oficial da banda, “Casa de Rock”, é também sensacional. A banda voltou recentemente, com alguns integrantes da formação original, para uma apresentação no Festival Psicodália de Carnaval 2008 em 3/2/2008 na serra do Tabuleiro em Santa Catarina e prometeram lançar material novo.

Para Download : http://www.mediafire.com/?9c0dwnywyyz

segunda-feira, 22 de setembro de 2008



Aos Vivos
Hermeto Pascoal ao Vivo
Em Montreux Jazz


Naquela noite única de 1997, quando Claude Nobs anunciou Hermeto Pascoal como sendo qualquer coisa de inacreditável, com um inesperado senso de improvisação, harmonia, composição e execução, vindo da distante e múltipla música brasileira, ele não sabia exatamente que estava fazendo parte de um momento iluminado, singular, repleto de transcendência musical e espiritual. Estavam lá no palco, junto com o mago Hermeto, todos os deuses da natureza, tocando e encantando.

Em todas as músicas do repertório daquela noite o público foi brindado com o mais alto nível de improvisação que um músico pode desenvolver. É um momento sobrenatural. A capacidade criativa de Hermeto e banda, aliás, umas das maiores bandas já formadas no Brasil e no jazz universal, é de uma grandeza incabível em palavras. A interação do mago com seus músicos e com a platéia é qualquer coisa inexplicável, são momentos de criação viva, na hora, música brotando no suor.

Hermeto tocou tudo que se possa imaginar: piano, clavinete, sax soprano, sax tenor, clavieta (escaleta), flauta, e improvisação de voz. Em todos esses instrumentos ele quebrou tudo, o seu improviso de escaleta em “Lagoa da canoa” é fantástico, ultramoderno, cheio de swing, harmônicos, vozes de embocaduras e escalas nada diatônicas, em um instrumento extremamente limitado. Essa mesma faixa começa com um solo de bateria de Nenê,que não tem explicação plausível. Essa obra-prima ainda tem um solo de tenor de Cacau que é de outro mundo. Nivaldo Ornelas dá uma aula, nessa mesma música, de ritmos e pegadas brasileiras em um sax soprano, através de saltos de notas e intervalos inacreditáveis. A faixa termina em apoteose.

Esse é apenas um dos momentos mágicos desse show. A faixa “Remelexo” é uma improvisação de voz de Hermeto Pascoal, em que ele transcende e faz da voz um instrumento de improvisação, com escalas e letra ao mesmo tempo. A banda não conta conversa e entra na onda.O chorinho “Fátima”, vira o maior jazz, com uma improvisação de Hermeto Pascoal na escaleta, o instrumento que ele está tocando na capa do disco, em cima de uma harmonia mais do que complexa. Ele não só reinventa esse instrumento como reinventa as possibilidades de improvisação em uma seqüência harmônica de desempregar muitos músicos.

Em “Terra verde”, “Maturi” e “Quebrando tudo”, Hermeto avessa o clavinete, que é outro instrumento muito limitado, que nas mãos do bruxo ele ganha cinqüenta mil oitavas. Hermeto Pascoal nessas músicas, que são emendadas pelos improvisos, faz citações de outras e encontra atalhos atonais descomunais, além de descobrir timbres jamais escutados nesse instrumento, em um desafio de solfejo e teclas histórico, com a banda esbanjando dinâmica. Aliás, que banda é essa, velho? Dá vontade de chorar de tão emocionante que é ouvir esse disco.

Nenê de bateria; Itiberê Zwarg no contra-baixo; Jovino dos Santos de harmonias impossíveis ao piano e clavinete; Zabelê e Pernambuco nas percussões diversas; e mais Nivaldo Ornelas, sax tenor e soprano; Cacau, sax tenor e soprano. Eis os ingredientes da poção mágica do bruxo Hermeto. Esse show histórico era pra terminar com a fenomenal “Forró Brasil”, uma delirante linha melódica, rápida e cheia de acidentes. Mas o público não deixou e ele voltou com a delicada faixa “Montreux”, composta no hotel, especialmente para o festival. O público ainda delirou com os improvisos “Voltando ao palco” e “E adeus” , para encerrar definitivamente aquela magia inesquecível e histórica.

Esse é um disco único.




Clássicos
Blind Faith
Esse rock é de fé


Existem algumas coisas no rock que é preciso ouvir para crer. São histórias esdrúxulas, histriônicas e mitológicas. De tudo já aconteceu no reduto mais afetado do planeta. Muita armação. Muita mentira. Muito bico tocando porra nenhuma, fazendo pose e entrando para a história via mídia, que é a prostituta oficial disso tudo. Muitos têm que dobrar os joelhos para a imprensa para não morrer no anonimato. Com o Blind Faith foi diferente, essa quenga ordinária teve que estender um tapete vermelho para eles, que não estavam nem aí para badalação ou idolatrias.

Sem muitas delongas, a história é a seguinte: Eric Clapton e Steve Winwood começaram a se encontrar furtivamente para levar um som sem pretensões, eles estavam desapontados com o rumo megalomaníaco que a coisa toda estava tomando, com grandes festivais e apresentações para públicos maiores, além de turnês exaustivas, até que Ginger Baker toma conhecimento e insiste em participar também. Desde o Cream que Ginger Baker estava meio desponbalizado, um verdadeiro prego. O receio era esse. Um grande baterista, mas prego. Depois de várias tentativas ele se junta aos dois.

Logo eles resolveram chamar Rick Grech, baixista da banda Family. Os ensaios se tornaram freqüentes, com longas improvisações, bem na linha das apresentações do Cream e do Traffic. Composições foram nascendo naturalmente e a gravação tornou-se inevitável. O lance é que a imprensa soube dos encontros e bradou para tudo que é lado que uma superbanda estava formada e que o disco seria uma das maiores obras-primas do planeta. Claro que ficou todo mundo esperando. Daí o nome da banda, uma fé cega de mercado.

A banda era realmente estratosférica. Eric Clapton estava longe de ser um deus da guitarra, mesmo em sua época de desbunde, mas esbanjava carisma e estilo, que é mais importante do que virtuose. Além disso já havia escrito páginas importantes da história do rock e era pai de uma geração enorme de novos guitarristas. Steve Winwood já era respeitadíssimo pelas suas harmonias sofisticadas ao piano e órgão, suas composições originais, com linhas melódicas irresistíveis e um vocal mágico, capaz de alcançar notas impossíveis e transportar o ouvinte para as terras maravilhosas dos sonhos.

Ginger Baker era um caso a parte. Muitos achavam que ele era um espancador de baterias. Outros se maravilhavam com a pegada pesada dele. O fato é que ele tinha personalidade e caminhava em sentido oposto ao péssimo Ringo Star e ao preciso e balançado som de Charlie Watts, que lideravam uma legião de bateristas educados musicalmente e bem comportados em família. Ginger Baker sentava a mão, sem medo de incomodar os moradores da cidade vizinha e era doido varrido. Fez escola: Carmine Apice, Gorki Laing e o paneleiro Kaith Moon, entre outros.Rick Grech mostrou nesse disco o quanto a banda Family era ruim e bizarra.

O disco foi gravado em sessões esparsas em fevereiro, maio e junho de 1969, no Morgam Studios e Olympic Studios. A capa que saiu na Inglaterra foi vetada nos Estados Unidos. O som é uma mistura de legítimo rock, hard rock, blues, folk e alguns traços de psicodelismo nas faixas “Had to cry today” e “Do what you like”, duas faixas longas, com muito improviso massa. Essas duas faixas são duas referências obrigatórias no rock mundial O disco é pra ser ouvido de uma vez só e com várias repetições e, claro, no volume máximo. O resultado final é difícil de ser igualado nos dias atuais, principalmente por alguns excrementos do indie rock e da merdologia emo.

Eric Clapton viaja nas faixas citadas, mas é em “Presence of the Lord” que ele faz um solo inesquecível, sem firulas e sem fritações debilóides, apenas um sentido musical acima da média. Impossível não se arrepiar com esse solo, melódico e sensível como a composição. Steve Winwood está impagável em todas as faixas, com sua voz inconfundível e inimitável. Mas em “Can’t find my way home” ele dá uma verdadeira aula de canto, com falsetes de tirar o fôlego.

Em “Well all right” a banda toda mostra que tem swing, com destaque para o breve solo de piano de Steve Winwood. Só mesmo a versão de Santana dessa música é mais balançada. O clima Traffic, uma das maiores bandas de todos os tempos, liderada por Steve Winwood, ficou muito mais projetado em “Sea of joy”, composição de harmonia elaborada, cheia de voltas e climas, de vocal difícil e violino de Rick Grech quase chorado.

Se você conhece esse disco, com certeza deve tê-lo como um dos preferidos. Se você não conhece ainda, eu não sei o que você está fazendo da vida. Baixe o arquivo o mais rápido possível ou compre o original importado, se possível em vinil, pois esse é um dos maiores clássicos do legítimo rock. Escute para crer.