Total de visualizações de página

sábado, 30 de junho de 2012



HISTÓRICOS

SCHOOL DAYS – Stanley Clark


Corriam os anos setenta e eu era feliz e sabia. Em 1976, com 14 anos de idade eu tive o privilégio de comprar o Lp “School Days”, de Stanley Clark, era um dos primeiros de jazz/fusion que eu comprava. Já era um fã incondicional dessa vertente alucinada da música universal. A magia começava com a abertura do disco. Os Lps importados, a maioria deles, vinham com um plástico transparente lacrando a obra. O cheiro de novo dessas embalagens ainda habita as minhas narinas, depois de tudo.

Quem nunca escutou esse disco não sabe realmente o que um verdadeiro baixista é capaz de fazer, tocando e compondo. Na época, a crítica de jazz torcia o nariz, a de rock não sabia o que diabo era aquilo, acostumada com o quatro por quatro, e eu, por minha vez, e pela liberdade das minhas descobertas, dava um perdido em todos eles. O cenário era repleto de contradições: rock brega; rock de arena; rock progressivo; punk; disco; pop brega; música de protesto; MPB real; free jazz; muzak; e mais e mais. No meio disso tudo uma galera quebrava tudo, com improvisos acachapantes e talento musical em turbilhão.

“School Days” é um disco daqueles que entra para a história pela porta da frente. Não por ter vendido milhões, por ter sido recomendado pela imprensa, ou por fazer parte daquelas famosas e babacas listas de sucessos. “School Days” é pegada, é inspiração: um pé no rock e outro no jazz, solamente solos. Como um disco de rock, é para ser escutado no talo, fritando. Como um disco de jazz, é para ser escutado com o coração e a percepção. A base é baixo, bateria, guitarra e teclados, sendo que o grande lance não é a instrumentação, mas sim os instrumentistas.

Stanley Clarke lidera David Sancious, nos teclados; Raymond Gomez, na guitarra; e Gerry Brown, na bateria; na maioria das faixas. Além das participações especiais de John McLaughlin, George Duke, Billy Cobham, Steve Gadd, Ícaro Johnson e Milt Holland. Boa parte do disco foi gravada no lendário Electric Lady Studios. O clima é o mais fusion possível, inclusive com uma pegada meio samba em “The Dancer”, terceira faixa do disco. As cordas aparecem em várias faixas, como também o baixo com arco.




“School Days” é a primeira faixa. O riff rockeiro dessa música é um dos mais conhecidos do jazz/fusion, bem como a melodia é assoviável na primeira audição. Essa é uma das maiores obras do gênero. Abre com um solo lisérgico de guitarra, depois entra numa introspecção progressiva em que Stanley Clarke mostra suas cartas, seu humor e sua capacidade de improviso em um solo carregado de timbre agudo de baixo, o famoso Alembic Bass, na frente de tudo, com slaps e bands de causarem vertigens e viagens diversas.

“Quiet Afternoon”, como o nome sugere, é introspectiva, com Staley Clarke explorando as possibilidades de um “Piccolo bass”. Essa faixa tem a participação de Steve Gadd, um dos bateristas mais aloprados dessa praia fusion. O diálogo entre o mini-moog de David Sancious e o baixo de Satanley Clarke é inebriante, você fica com aquela sensação de que a coisa vai decolar, vai para alturas, e no entanto, eles permanecem naquela vibração maneira, siderando sensações.

“The Dancer” é suingada demais. Não tem como deixar de balançar o cabeção. A participação de Milt Holland na percussão deixa uma pegada latina, ressaltando o samba. As cordas aparecem em um arranjo simples, econômico e funcional. O solo de Piccolo bass é muito legal, bem como a guitarra com wah de Raymond Gomez. A levada de bateria de Gerry Brown tem muito suingue.

“Desert Song” tem a participação do feiticeiro das cordas, John McLaughlin, tocando violão de aço. Nessa música Stanley Clarke mostra a sua origem de violinista e violoncelista, tocando um baixo acústico com arco, para depois chutar o pau da barraca com um solo no baixão guarda roupa falado. Essa é uma daquelas faixas obscuras de qualquer obra fenomenal, pois são essas faixas que mais revelam os talentos. Imperdível. Imperdível. O solo de McLaughlin dispensa comentários.

“Hot Fun” é rapidinha, a menor faixa do disco, mas é de uma intensidade que extrapola qualquer expectativa. Tem arranjo genial de cordas, instigado, longe do romantismo, com direito a um arranjo de metais lisérgico. Outra melodia assoviáve4l de imediato, com passagens progressivas e um groove de baixo que não é para qualquer Zé Ruela não.

“Life is Just a Game” fecha o disco com elegância e apogeu. Toda a influência do Return to Forever, como também de Chick Corea, são exibidas aqui com muito peso, orquestração, groove e improvisos inspirados. Convenções em alta velocidade, que lembram Al Di Meola, e pegadas a la Spanish Heart, de Chick Corea, também lançado em 1976, e que tem a participação de Stanley Clarke, deixam o final do disco com ar de virtuosismo, sem ser masturbação musical.. O trio Stanley Clarke, Billy Cobham e George Duke pegam de com força. Muito menos o solo de guitarra de Ícaro Johnson é careta não.

Não peça emprestado, não baixe. Compre, que é melhor.

Stanley Clark e George Duke "schooldays"

terça-feira, 26 de junho de 2012




... E A GENTE SONHANDO – Milton Nascimento



Classe! Essa é a primeira ideia que passa na cabeça ao se ouvir esse disco de Milton Nascimento. Disco em grupo. Generosidade em demasia. Mas só os grandes são generosos. Milton garimpou em Minas e achou pedrarias raras. Eis que a música popular brasileira não se enterra jamais. Toda essa geração envelheceu, mas nela recrudesceu a magia, a curiosidade eterna da vertigem.

Esse é um disco terno, poético, de maior idade, alheio ao sucesso efêmero das celebridades imbecis do youtube e dos downlouds macaqueados em modismos. Nesse projeto ninguém precisa tocar ruim que trinca pra ser Cult. Quem canta nele não desafina pra depurar a alma, nem a melancolia é um produto bacaninha, bem embalado, bem alternativamente piegas, bem absurdamente caricatural.

De acordo com depoimento do próprio cantor e compositor, ele redescobriu sua cidade, a Três Pontas musical, através de uma menção em uma edição especial da revista Billboard especialista em música de alta qualidade. Lá encontrou artistas como Bruno Cabral, dono de uma voz impressionante; Ismael Tiso Jr., cantor, compositor e instrumentista; e Paulo Francisco, outro grande cantor.

Além dessa rapaziada, Milton Nascimento conta com a participação mais do especial de Wagner Tiso e de outras feras como: Marco Elizeo, guitarrista, arranjador e co-produtor do disco, juntamente com Milton; Lincoln Chieb, bateria; e Cláudio Ribeiro, baixo. O disco conta com composições dessa nova geração, do próprio Milton, inclusive uma inédita da década de 60, que dá título ao disco, e mais João Bosco, Vitor Ramil, Tunai, Cristovão Bastos, Lulu Santos, entre outros.

Existe um certo clima de Clube da Esquina, com seus arranjos acústicos, vocais e corais intensos, como também mútuas colaborações. A produção evidencia a naturalidade e os timbres puros, cristalinos. É um disco de maturidade, mas não é careta. Se você está procurando experimentalismos ou paródias de brega, facilmente encontráveis nas mais autênticas bodegas do oportunismo alternativo, passe longe desse cd. Esse disco é feito de água pura, sem ser encanada, sem cloro, sem clarificante.

São várias as poesias especiais desse disco, que o torna excelente para ouvir e pensar. Leia e escute: “Flor de Ingazeira”, de Francisco Bosco; “O Ateneu”, de Fernando Brant; “Estrela, Estrela”, de Vitor Ramil; e “Resposta ao Tempo”, de Aldir Blanc. No meio disso tudo uma interpretação inusitada para “Adivinha o quê?”, com arranjo diferente e o cantor Milton Nascimento exibindo sua grata herança dos bailes da vida.




Milton Nascimento excursionou pelo Brasil com o show “... E a gente sonhando”, dividindo o palco com inúmeros músicos e cantores, em grande espetáculo. Existe o plano de lançar o show gravado em dezembro, em Juiz de Fora, nos formatos cd, DVD e blu-ray. O show foi dirigido por Antônio Pillar e jamais passou aqui pelo Cariri, que vê a vida passar e passar, sem fazer nada para sair da inércia total.

Foi preciso Milton Nascimento nascer, crescer e se projetar além das fronteiras, para ser respeitado no mundo inteiro, reconhecido como gênio pelos mais geniais, para que a Billboard o descobrisse, para que ela se desdobrasse em guia, focando Três Pontas, para que Milton retornasse ao berço e dele, em talento, acalentasse sua mais renovada cria. Essa voz que não cala é a voz da paixão. Paixão pela arte.

sexta-feira, 15 de junho de 2012



HISTÓRICOS


Tim Maia - 1970

Tim Maia é uma das maiores figuras da música brasileira, em todos os sentidos. Dono de um vozeirão capaz de derrubar quarteirões e de frases bombásticas capazes de explodirem a hipocrisia imaculada de um turbilhão de canalhas do meio artístico. Tim Maia tinha um talento raro para criar melodias, baladas e balanços, deixando o seu talento registrado em discos primordiais para a formação do imaginário popular, achincalhando assim o purismo patético dos críticos e a incredulidade caricatural dos intelectuais. Sua saga foi sacramentada a partir do lançamento dessa obra genial, homônima: Tim Maia, em 1970.

Era o início de uma década de muitos ganhos para a cultura universal, mas que, ironicamente começa com várias perdas significativas, como as mortes de Joplin, Hendrix e o fim dos Beatles. No Brasil a ditadura estava de vento em popa na burlesca tarefa de exterminar a oposição política. Por outro lado a seleção de futebol era tri-campeã no México e a festa estava garantida por muito tempo. Depois de muita teimosia e sofrimento, eis que era chegada a vez de Tim Maia meter a mão na receita feliz do bolo musical brasileiro. Ele já tinha cometido a façanha de ser expulso dos Estados Unidos e ter liderado Roberto Carlos no grupo Sputiniks.

Tim Maia já havia gravado anteriormente: um compacto simples pela CBS, em 68, e outro pela Fermata, em 69 cantando em inglês e contendo a música “These are the songs”, regravada em 70 por Elis Regina e ele, no álbum “Em pleno verão”, lançado no início do ano. Tim Maia também já tinha experiência de estúdio como produtor, o que fez com que o seu Lp de estréia tenha sido registrado com uma sonoridade peculiar, com a bateria na frente, com pegada seca, sem compressão adicional. Tim assinou contrato por indicação dos Mutantes e de Erasmo Carlos, velho parceiro de baladas.



O disco teve a sustentação do grupo vocal “Os Diagonais”, que tinha como um dos integrantes o músico e compositor Cassiano, amigo particular de Tim Maia. O repertório e a produção foram encabeçados por Tim Maia. A música “Padre Cícero” já era conhecida do público antes do lançamento do disco, em junho de 1970. Ela era tema da novela “Irmãos Coragem”, da TV Globo. A crítica, mais uma vez, torceu o nariz, incapaz de reconhecer uma obra seminal, mas o público aplaudiu e consumiu em larga escala, deixando Tim Maia no topo da onda.

“Coroné Antônio Bento”; “Cristina”; “Padre Cícero”; “Eu amo você”; “Primavera”; e “Azul da cor do mar” são verdadeiras fundamentações da qualificação suprema da música brasileira. Não pela harmonia complicada e nem pelo virtuosismo instrumental, mas sim pela capacidade singular de dialogar com o simples, com o sentimental, com o abismo insondável da alma humana, como também pelo talento exuberante do cantor Tim Maia, versado na arte de encantar pela voz. O Brasil não tem nenhum cantor com o mesmo sentimento e a mesma técnica vocal de Tim Maia, a não ser Cauby Peixoto, outro fenômeno inexplicável.

Baladas e fusões do soul, do baião, do blues e do rock predominam no repertório do primeiro disco dessa figuraça. É impossível não viajar com a pegada soul de “Cristina” e “Azul da cor do Mar”. Tim Maia é irresistível. É música para sentir, pra dar umas pescoçadas, balançando o cabeção. Escute “Cristina” no volume máximo, no talo, fazendo os falantes espumarem e você vai sentir a magia desse mago da voz.

Tim Maia, além de tudo isso era um frasista nato. Algumas pérolas do universo Maia:

“O Brasil é o único Pais em que além de puta gozar, cafetão sentir ciúmes e traficante ser viciado, o pobre é de direita”

“Eu gosto de Rollings Stones, Stevie Wonder... Pra mim é o seguinte: primeiramente são os pretos cegos, depois os cegos, depois os pretos, depois os brancos”

Quando lhe perguntaram se não daria 1 milhão de dólares para transar com estrelas como Xuxa ou Vera Fischer, ele respondeu: “ Adoro todas elas, mas não pago mais que a tabela.”

“Não fumo, não bebo e não cheiro. Só minto um pouco.”

“Evite acidentes, faça tudo de propósito.”





terça-feira, 5 de junho de 2012






HISTÓRICOS


Samba Esquema Novo – Jorge Ben


Essa obra seminal da música brasileira foi lançada em 1963, um ano depois do meu nascimento e um ano antes do golpe militar brasileiro. Nesse mesmo ano a sociedade brasileira rejeitou o parlamentarismo em um plebiscito. O nefasto massacre da Usiminas, em Ipatinga, aconteceu também em 1963, com mais de 30 operários mortos e mais de 3 mil feridos, humilhados, aviltados e torturados, introduzindo assim as barbaridades maiores que viriam com a ditadura militar.

Jorge Ben lançava o seu primeiro disco, esse sim, verdadeiramente revolucionário. Não era fácil ser brasileiro nesse período, bem menos ainda ser artista brasileiro. Ser o autor de “Samba Esquema Novo” também não era qualquer um que encarava essa parada não, principalmente com as patrulhas ideológicas instaladas na imprensa brasileira, preconceituosa e arbitrária. O Brasil pertencia à bossa nova. A bossa nova pertencia à burguesia.

Mesmo com 100 mil cópias vendidas em poucos meses de lançamento, “Samba Esquema Novo” recebia críticas acirradas e patéticas, como sempre, a imprensa especializada não sabe de porra nenhuma. Nunca soube. Para eles Jorge Ben era um engodo: não sabia tocar violão, não sabia cantar, tinha harmonias pobres e escrevia letras babaquinhas. Jorge Ben apresentou outra batida, que João Gilberto desconhecia e que Chico Buarque jamais preferiria.

Vender mais de 100 mil cópias era simplesmente excepcional para os padrões da época. Jorge Ben não só fez isso como fez muito mais, tornou o samba mais negro ainda, com suas influências africanas, desde a religiosidade afro até o suingue mbira da Rodésia em seu balançado malandro. Foi em 1963, também, que Martin Luther King Jr. proferiu o seu famoso discurso em frente ao Memorial Lincoln durante a marcha pelo o emprego e pela liberdade. Jorge Ben estava antenado e utilizou o discurso da consciência negra em seu primeiro disco e em vários outros.

A banda que acompanhou Jorge Ben nesse disco de estreia, na maioria das músicas, era o Copa 5, formada por Meireles: Sax; Pedro Paulo: Trompete;Toninho: Piano; Dom Um Romão: Bateria; e Manuel Gusmão: Baixo. Vale ressaltar aqui a participação do legendário baterista Dom Um Romão, que fez carreira nos Estados Unidos, tocando com feras do jazz, inclusive participando do Weather Report, uma das mais importantes bandas do jazz fusion.

Outras curiosidades desse disco histórico ficam por conta da timbragem da bateria, da sonoridade dos metais e da colocação do violão de Jorge Maravilha. A linguagem analógica e valvulada supera, e muito, milhares de gravações feitas com aparelhagens de alta resolução. Além disso, o maestro Gaya resolveu não colocar o baixo em algumas faixas, por achar que a pegada de Jorge Ben já seria suficiente. Algumas faixas foram arranjadas Carlos Monteiro e algumas arranjadas e tocadas pelo Luiz Carlos Vinhas Trio.

“Mas que nada”, “Chove chuva”, “Por causa de você” e “Balança Pema” são pérolas não só desse disco primordial, mas sim da verdadeira música brasileira. Como todas as grandes músicas, essas não escaparam dos predadores cantores de barzinhos e nem da famigerada versão cretina de outros artistas. No entanto, escute esse disco, em seu estado original, de preferência o vinil, e você entenderá a importância dele.