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terça-feira, 15 de julho de 2008


Vitrine

RIVOTRILL
É REMÉDIO INSTRUMENTAL

“Curva de Vento” é o nome do primeiro disco da banda Rivotrill, lançado de forma independente e gravado de forma experimental. A banda levou os vários instrumentos e a parafernália de gravação para uma casa e lá passou uma semana em busca de timbres e texturas diferentes, gravando em banheiro, salas, debaixo de escadas, dentro de caixa d’água e varandas. Além disso a banda contou com participações mais do que especiais. O resultado foi um disco enxuto, coeso e com identidade própria, o que é mais importante nesse mangue de diluições ilusionistas.

A banda é formada por Júnior Crato: flauta, sax e teclados; Rafa Duarte: baixo e efeitos; e Lucas dos Prazeres: percussões diversas. Rivotrill é instrumental sem a conotação de improvisos virtuosos e muito menos os patéticos repertórios de chavões do “som brazuca”. Em “Curva de Vento” você não vai ouvir nenhum babaca cabeça de pulga “estraçalhando” a harmonia de “Asa Branca”, com execuções modais com intenção blues ou qualquer clichês desses de vídeo aulas. Aqui a “Garota de Ipanema” foi pra um museu na caixa-prego e levou todos os estandartes para uma suruba de restauração.

Esse é um disco autoral. É claro que você escuta os ecos do frevo, dos caboclinhos, do coco, do maracatu, das bandas cabaçais, do rock, do jazz e da música contemporânea, mas tudo em doses equilibradas, sem que as influências se transformem em apropriações indébitas. As composições são fechadas em arranjos funcionais, sem aquela velha fórmula cansada e cansativa da execução da seqüência harmônica, ponte e improviso. Elas recebem o tratamento de texturas, de intervenções de diálogos, fragmentos sonoros, experiências com delays, intertextualidades, vozes, timbres, ambientações e climas.

Naná Vasconcelos, dono de uma sensibilidade musical genial, aparece em “A casa” e “Groove Tube”, com sua elegância e sutileza de sempre. “A casa”, faixa que abre o disco, é climática, nela Naná toca congas e efeitos. Essa faixa é a apresentação do leque de timbres recorrentes em todo o disco. “Groove Tube” tem pegada bem nordestina e uma tensão climática muito contemporânea, com vozes, palmas e efeitos muito bem colocados. Nela Naná toca tambor falante, faz vozes e efeitos.

Spok toca sax na faixa “Cangote”, uma composição cheia de mudanças de andamentos e síncopes bem legais. Spok tem uma pronúncia fenomenal no sax, com crescentes precisos e dinâmicos. O diálogo entre o sax e o piano, e depois entre o baixo e o clavinete eletrônico, ficou muito massa. O reverb no sax, a pegada de barítono e os efeitos deram uma textura bem sacada à faixa. Esse é um dos pontos altos do disco. A percussão de Lucas, como em todas as faixas, está muito bem colocada. Segura e cheia de swing.

Fabinho Costa toca trompete na latina “Charo Cubano”, cheia de pontuações e convenções, com uma levada balançada. O solo de Fabinho é rápido como a faixa, mas muito bem colocado. O baixista Rafa tem uma pegada também cheia de swing. Ele e Lucas formam uma dupla muita bem entrosada. E não é pelo fato de que não existem solos de sete léguas que não se pode afirmar que os três são virtuoses em seus instrumentos. Eles são sim, mas naquilo a que se propõem como banda e não naquela concepção de quebrar tudo individualmente. Júnior Crato é um flautista muito afinado. É possível perceber em sua embocadura uma variação timbrística muito legal em que ele passeia de Jean Pierre Rampal a Hubert Lewis, de Ian Anderson aos Irmãos Aniceto. O seu trabalho de sax é também consistente.

Além disso vale a pena salientar algumas captações de percussão de som aberto, como em “Alaursa Quer Farinha”, que ficaram massa demais, sem aquele exagero de compressão e de médios. Sobre essa faixa também vale salientar a homenagem intertextual a Roland Kirk, um dos maiores pirados de todos os tempos, saxofonista e flautista americano, cego e gênio de nascença, um iconoclasta de vanguarda, que tirava uma onda de tocar vários saxs ao mesmo tempo.

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