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terça-feira, 15 de julho de 2008




Achados e Perdidos

O MALTE DE MAUTNER

“Para Iluminar a Cidade” é o primeiro disco de Jorge Mautner. Gravado ao vivo no Teatro Opinião, nos dias 27 e 30 de abril de 1972 e lançado pela Philips, através de um selo criado por Nelson Mota, que vendia discos pela metade do preço e conseqüentemente pela metade da qualidade técnica, chamado “Pirata”.

A música de Mautner foi lançada tardiamente, nesse período ele já tinha mais de trinta anos, o que contrariava completamente a estirpe mercadológica da juventude, maior nicho de consumo desde a década de 60, a partir do “baby boom” americano. Devido à estética de sua música e ao seu comportamento, logo ele foi relegado ao plano dos marginais malditos, para fazer companhia a Jards Macalé, Luiz Melodia, Odair Cabeça de Poeta, Sérgio Sampaio, entre outros.

Muito antes de ser compositor e tocador de violino, Jorge Mautner já era escritor, também marginal e maldito, com vários e estranhamente interessantes livros lançados tais como “Deus da chuva e da morte”; “Narciso em tarde cinza”; “Kaos”; “Fragmentos de Sabonete” e “O vigarista Jorge”. Embora pareça o porta-voz do nonsense, Mautner tem um discurso definido e consciente, que ridiculariza tanto os ignorantes, reféns do mau gosto, quanto os intelectuais pseudo-acadêmicos, reféns das ilusões teóricas armazenadas em nitrogênio líquido.

A independência discursiva de Jorge Mautner é a sua marca registrada, esteve entre os tropicalistas no exílio, mas nunca foi um deles; vivenciou a efervescência do rock nos Estados Unidos e Inglaterra, mas nunca foi rockeiro; leu avidamente Sartre e Nietzche, mas nunca foi existencialista, criou sua própria teoria, a do Kaos; colaborou com a imprensa nanica, mas nunca fez parte da esquerda festiva e nem da arte de resistência. Mautner está muito mais para o anarquismo cultural de Tristan Tzara do que para o formalismo condecorado de Chico Buarque.

“Para Iluminar a Cidade” veio para desafinar o coro dos des-contentes. Em 72 o vigarista Jorge, sem trocadilhos, não era nem contra ou a favor de nada, muito pelo contrário todavia muito embora. Em 72 ele apresentou a sua ironia ferina, de agente infiltrado no sistema, só para sabotar as jóias da coroa. O disco apresenta o estranhamento discursivo e a eterna carnavalização dos costumes sociais, amargamente sincréticos, da elite brasileira.

Jorge Mautner é desafinado e arranha literalmente as cordas de um violino bastante sofrido na mão dele. Nesse achado do cancioneiro popular brasileiro, a banda é desentrosada e não tem nenhum músico virtuose. Nota-se que o público é pequeno, como ainda hoje é o seu. Algumas músicas parecem trilhas de fim de noite em um boteco de subúrbio. Mas esse é que é o charme desse artista nada inofensivo. A vigarice musical de Jorge Mautner é o antídoto para o estelionato cultural de subprodutos como Jorge Vercilo, Ana Carolina, Adriana Calcanhoto, Quarteto em Si, Mpb 4, Seu Jorge e outros dentrifícios inorgânicos que fazem parte da higiene mental do brasileiro empedernido.

A qualidade técnica do disco é sofrível, mesmo passando por um processo de remasterização do lançamento em cd, que traz três raridades como faixas bônus: as duas marchas de carnaval lançadas em compacto, “Relaxa, meu bem, relaxa” e “Planeta dos macacos”, além da histórica, hilariante e satírica “Rock da barata”, gravada ao vivo no Festival Phono 73, promovido pela Phonogram.

Os destaques mais do que especiais vão para as faixas “Super Mulher”, “Olhar Bestial”, “Sheridan Square” e duas faixas imperdíveis, que resumem magistralmente o que é e o que despropõe Jorge Mautner: “Estrela da Noite” e “Quero Ser Locomotiva”. Essa última, com a sonoridade que está aqui e com a interpretação histórica de Mautner, é um dos maiores achados da marginalia brasileira.

A banda

Jorge Mautner - voz e violino
Carneiro (Nelson Jacobina) - violão
Sérgio Amado - violão
Alexandre - baixo
Tide - percussão
Otoniel percussão

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