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sábado, 13 de dezembro de 2008



Achados e Perdidos
Sambrasa Trio
Em som maior

Esse é um disco único por vários motivos. É o único disco do trio. É o primeiro registro sonoro de Hermeto Pascoal como band lead. Esse disco é único por que tem um registro todo especial, que é uma música de Hermeto Pascoal e outra de José Neto, seu irmão. Além disso, esse é o disco em que é possível perceber o ponto exato em que Hermeto Pascoal começa a abrir as asas para vôos mais altos, dentro de um estilo próprio.

Sambrasa Trio faz parte da chamada onda jazz samba, uma fusão sonora dos fins da década de 50 e inícios da década de 60 do século XX. Tendo a bossa nova como referência e o predomínio do piano, com harmonias e improvisos jazzísticos sobre uma base rítmica brasileira, o jazz samba sofria influências diretas do be bop, do hard bop, do cool jazz e alguns lampejos da música modal. Além, é claro, do chorinho e do samba.

Dentro de um panorama contemporâneo o samba jazz estava além do tradicional, que eram aqueles arranjos orquestrais ainda dentro dos parâmetros estéticos do swing, pois já apresentava encadeamentos harmônicos dissonantes e linhas de improvisação mais complexas. No entanto, o samba jazz estava aquém das experiências de vanguardas da música concreta, do minimalismo, do abstracionismo e do free jazz, que exploravam a atonalidade, os fragmentos harmônicos, os ruídos e as intervenções diversas.

O disco “Em Som Maior” foi gravado em 1965, mas ainda sofria o clima de efervescência cultural brasileira da era JK, com as projeções do cinema novo, o respaldo literário de Guimarães Rosa e a quebra de fronteiras da bossa nova. São os últimos resquícios desse clima de festa e realização, pois já era o governo de Castelo Branco e os horrores da ditadura militar já maquinavam os seus aniquilamentos materiais e imateriais, logo em breve a repressão criminosa estaria nas ruas, nos corações e nas cabeças.

Como Hermeto Pascoal, Airton Moreira e Humberto Cleyber, existiam inúmeros músicos brasileiros de altíssimo nível que tinham as casas noturnas de São Paulo e Rio de Janeiro como o espaço sagrado para o desenvolvimento da música instrumental brasileira. Artistas como Eumir Deodato, César Camargo Mariano, Amilton Godoy, Sérgio Mendes, Paulinho da Costa, Raul de Sousa, João Donato, Heraldo do Monte, Théo de Barros, e tantos outros, sobreviviam de pequenos cachês das casas noturnas, nutrindo a esperança de um lugar ao sol, ou à lua, o que era mais coerente. Quase todos foram embora do país e retornaram com nome internacional.

A fórmula do trio já era bem experimentada, entre os mais famosos estão o Zimbo Trio e o Tamba Trio. Airton Moreira e Humberto Cleyber já haviam formado o Sambalanço Trio, com César Camargo Mariano ao piano. Mas foi com essa formação, com Hermeto, que o som ficou mais diferente do que o usual nessas formações. Além de piano, Hermeto tocou flauta, já com uma embocadura fora dos padrões brasileiros. Cleyber, além de baixo acústico, tocou também harmônica, fazendo dueto com Hermeto na música “Lamento Sertanejo”. Airton Moreira tocou bateria com uma pegada bem distante do normal dessas formações, ele tocou com força e peso, usando aros, ferragens e o corpo da bateria para tirar sons.

O destaque do disco é a pegada do trio, nada conservadora, nem nos improvisos e nem no volume. A música mais parecida com a estética típica dessas formações é “Duas Contas”, com arranjo bem cool jazz. Fora isso, o que se escuta é uma pegada visceral, malandra, noturna, com um peso bem próximo das incursões fusion do jazz de vanguarda. A concepção harmônica de Hermeto Pascoal já está aqui, de forma embrionária. As melhores músicas são as de autoria dos integrantes do trio. Esse é um disco que não envelheceu, tronou-se uma referência obrigatória.

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