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segunda-feira, 3 de novembro de 2008


Aos Vivos

O furacão Elis em Montreux

Esse é um daqueles discos essenciais, que você deve ter em casa como remédio para os inúmeros males da civilização. Elis Regina Montreux Jazz Festival, remasterizado e com gravações inéditas, faz um extenso trabalho de magia em seu espírito, em sua libido, em sua autoestima, em sua suprema condição humana. Não há como, entre outras inúmeras coisas, não se rebelar contra as manobras do destino, ao ouvir esse show fenomenal.

O disco faz parte do projeto Warner Arquivos, supervisionado por Charles Gavin. Existe uma outra edição, que é a edição em cd, do disco lançado originalmente em 1982, bem diferente desse. Essa edição é remasterizada e tem a inclusão de quase todas as músicas que compõem a fita original com as duas apresentações da inesquecível cantora brasileira em terras suiças. Além disso, o cd contém uma extensa nota de apresentação assinada por Nelson Mota, que acompanhou tudo de perto.

Na realidade Elis se apresentou no festival na mesma noite em que tocou Hermeto Pascoal e banda, lendário show também registrado em disco e relançado pelo mesmo projeto da Warner. Em uma noite furtiva de julho de 1979, Elis era a atração principal de uma noite que entrou para a história da música universal. Hermeto e Elis, duas iluminações integrais, dois shows seminais, no caso três, pois Elis fez antes, no mesmo dia, uma matinê, lotada de fãs enebriados pela sua arte maior. Estou escrevendo ouvindo o disco dela, depois de ter escutado integralmente o de Hermeto, a emoção me toma e as lágrimas são inevitáveis. Pausa.

Existe uma história contada por Nelson Mota, que diz da necessidade de uma matinê, quando Claud Nobs, organizador e apresentador do festival, se deparou com uma multidão querendo ver Elis, já com os ingressos esgotados. Ela foi convencida e fez esse show extra. De acordo com Nelson Mota, a apresentação foi impecável, fez com que a casa viesse abaixo, o público delirou com a força daquela estrela no palco. Já a apresentação de gala, que seria para fechar a noite, empolgou menos, talvez pelo desgaste do primeiro show.

Elis estava de contrato novo em uma nova gravadora, a Warner, depois de quinze anos integrando o elenco da Polygram. Uma das exigências de contrado era o lançamento desse show, para a projeção internacional da cantora. Para Elis, sua segunda apresentação foi um fiasco, justamente aquela que seria motivo de lançamento. Ela pediu ao produtor Midani que não lançasse esse disco de forma nenhuma, nem depois da sua morte. Daí a gravação só ter aparecido em 1982, já como lançamento póstumo.

Há quem diga que o show de Hermeto Pascoal abalou a cantora, que era sempre competitiva. De fato, Hermeto, que se apresentou antes dela, teve de voltar várias vezes, teve seu nome ovacionado pelo público, que enlouquecido não queria que ele saísse do palco. Hermeto Passava por um grande momento internacional, gravando com grandes nomes e fazendo shows internacionais que eram capas das revistas mais importantes de jazz. Não acredito que a apresentação de Elis não tenha sido melhor por causa de uma possível intimidação, isso é lenda. O fato é que ela estava cansada devido ao show das três da tarde, com intenso desgaste físico e emocional, em que ela foi ovacionada da mesma forma que Hermeto foi.

Quando terminou o show de Elis, Claud Nobs chama inesperadamente Hermeto Pascoal ao palco, logo em seguida ele chama Elis Regina e eles entram para a história com três interpretações fenomenais: “Corcovado”, “Garota de Ipanema” e “Asa Branca”. Esse é um dueto que espantou a crítica musical, surpreendida pela extensão insondável de talento, técnica, sensibilidade e senso de improvisação incalculáveis. Esse é um momento mágico desse disco, necessário para qualquer ser vivo, pensante e emotivo.
A banda que Elis levou para Montreux é qualquer coisa de genial. César Camargo, no piano e arranjos; Hélio Delmiro, na guitarra; Paulinho Braga, na bateria; e Chico Batera, na percussão. Para acompanhar o talento de Elis, tinha que ser desse naípe para lá. O repertório foi escolhido visando o mercado internacional e continha algumas bossas que Elis detestava e outras velharias doseu repertório de carreira, que ela ficava contrariada em ter que interpretar novamente. Mas ela adicionou alguns dos seus preferidos, como Djavan, sendo praticamente lançado, Fátimas Guedes, Tunai, Milton Nascimento, Gilberto Gil, João Bosco e Ivan Lins.

Não há o que comentar sobre as músicas e as interpretações, a não ser que são de outro mundo. Só ressalto que o que é uma apresentação comprometedora para Elis Regina, é infinitamente superior a qualquer apresentação de qualquer uma dessas cantoras de meia-tigela que aparecem berrando feito cabra no cio, tais como a animadora de trio elétrico Ivete Sangalo, a breguíssima Ana Carolina, e o pastiche pop Cláudia Leite. Peço desculpas pelas citações, mas foram inevitáveis.

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