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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


Vitrine

Labiata
A permanência de Lenine


Todo o espaço conquistado pelo compositor pernambucano, Lenine, está confirmado com o lançamento do seu novo disco, “Labiata”. Está confirmado com estilo, com elegância, com a apologia certeira de que o menos é muito mais e de que nada vale o virtuosismo se a criatividade e a originalidade não são suas guias. “Labiata” não é coisa que se finda, é coisa que se ilumina lentamente, ao sabor do devaneio, com ou sem trocadilhos.

Diz Lenine que o nome é de uma orquídea, em entrevista para Anderson Dezan, do site de notícias Ultimosegundo, ele afirma: “Três coisas me impressionam neste tipo de orquídea. Em primeiro lugar, a beleza da flor, sua exuberância. Depois, a diversidade da ocorrência dela. São mais de 40 mil espécies espalhadas pelo mundo e é possível encontrá-la no meio do deserto da Austrália, como no Tibete. Em terceiro lugar, a resistência. Ela tem essa capacidade de ser uma flor delicada e robusta. Esses três significantes permeiam o que é a música popular brasileira: a beleza, a diversidade e a resistência”.

“Labiata” é o oitavo disco de Lenine e o primeiro de estúdio, depois de dois discos ao vivo: MTV acústico e InCité; e de uma trilha para balé Breu, encomendada pelo Grupo Corpo. Duas peculiaridades acompanham esse novo trabalho, o lançamento simultâneo em vinil e a composição integral das músicas feita em estúdio, em pleno período de gravação. Além disso, vale ressaltar a produção requintadamente equilibrada de Jr. Tolstoi e a manutenção da banda base do último disco, com o caririense Pantico, na bateria e Jr. Tolstoi, nas guitarras, efeitos e intervenções; mais o baixo de Guila.

O disco tem as participações super especiais do Quinteto da Paraíba; de Pedro Luís e A Parede; Arnaldo Antunes, em uma expressão sonora e parcerias; Carlos Muñez; e China. Além disso, os três filhos de Lenine fazem vocais na faixa que fecha o disco, “Continuação”, uma das duas músicas de autoria total de Lenine, a outra música é “Martelo Bigorna”, que abre o disco. As outras composições, todas inéditas, Lenine divide com velhos parceiros, como Lula Queiroga, Bráulio Tavares, Dudu Falcão e Paulo César Pinheiro. Dentre essas parcerias existe uma póstuma, com Chico Science, “Samba e Leveza”, dedicada a Goretti, irmã de Chico, que viabilizou a parceria.

O estilo é o mesmo, harmonias dissonantes e levada sincopada, com melodias simples em cima de letras espertas, distantes dos imediatismos de mercado que empesteiam a crise institucionalizada da música popular brasileira. Os traços rockeiros de Jr. Tolstoi permanecem em sua pegada visceral e extremamente contemporânea. Aliás, Jr. Tolstoi é o sideman que qualquer cantor ativo e renovado precisa. Ele é senhor de sua parafernália de efeitos e sabe como poucos guitarristas da nova geração, fazer uma cama de texturas para que a base flua, com peso e delicadeza ao mesmo tempo. O trabalho desse guitarrista esperto, com pedal whammi, na faixa “O céu é muito”, parceria com Arnaldo Antunes, é eficiente, técnico e criativo.

Em seu trabalho de produção, Tolstoi deu a medida exata ao violão de Lenine e fez com que o cantor pernambucano também tocasse guitarra, com timbres limpos descolados. Mesmo nas faixas mais acústicas, que tiram o sono de qualquer produtor, Tolstoi manda bem nas captações e mixagens. As levadas funk das composições de Lenine, também foram bem tratadas, com a cozinha recebendo o devido destaque. Ao longo do disco, Tolstoi utiliza-se de filtros diversos, delays, compressores e reverbs bem dosados, sem a crueza patética de alguns discos indies e sem a plastificação de magazine de alguns discos atuais da MPB.

Os destaque ficam por conta das faixas “Martelo Bigorna”; “A Mancha”, com excelente letra de Lula Queiroga; “O céu é muito”, “É fogo”, tremenda levada; “Ciranda praieira”, extremamente climática, com intervenções, ruídos e efeitos de whammi na guitarra de Jr. Tolstoi; e a excelente “Excesso exceto” , o casamento perfeito entre o peso e a leveza, uma das poucas letras em que Arnaldo Antunes se livra do marasmo eterno do seu eterno nominalismo. Esse é um disco raro em meio a tanta porcaria lançada no mercado, visando as vendas de fim de ano.

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