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quarta-feira, 5 de agosto de 2009





Clássicos

Joelho de Porco 1978
Anarquia, pauleira e atitude

Esse é aquele tipo de disco que quanto mais obscuro fica, maior é a surpresa que você sente ao ouvir. Há quem diga que foi uma regressão da banda, depois do clássico São Paulo 1554/Hoje. Isso é pura frescura. É coisa de quem procura delimitar simetrias no rock, que já nasceu totalmente assimétrico. Esse disco é conhecido como o do paletó, como o engomado, ou como o da rosa, ou simplesmente desconhecido pela maioria, ou mais ainda, não reconhecido por muitos, o que é pior.

A banda começou em 1972, formada por Tico Terpins, lançou um compacto, em 1973, e quatro lps, respectivamente em 1976, 1978, 1983 e 1988. A banda teve várias formações desde a primeira móia: Tico Terpins: violão, guitarra base e voz; Walter Baillot: guitarra solo; Próspero Albanese: bateria e voz; Conrado Assis: guitarra, piano e voz; e Rodolfo Ayres: baixo e voz. As substituições foram acontecendo, saídas, entradas e retornos, mas o estilo se manteve fiel às influências do hard rock, da contracultura e do anarquismo punk, sem militâncias ou amarras a rótulos.

Muitos falam que o disco mais importante da banda, a melhor pegada e o mais pauleira de todos é o “São Paulo 1554/hoje”, primeira bolacha do bando, realmente um grande disco, histórico. Eu prefiro o ambíguo “Joelho de Porco”, lançado em 1978, não só pela presença de Wander Taffo pilotando as guitarras, mas também pela presença inesquecível de Billy Bond. Esse disco traz algumas regravações de clássicos do primeiro disco e um breve repertório de inéditas. Os arranjos revelam a maneira brasileira de fazer rock’n’roll. Escutar essas faixas hoje é um misto de enciclopedismo e exercício de fugas, diante de um macabro perfil roqueiro tupiniquim.

Billy Bond já era um experimentado homem de frente no universo roqueiro. Giuliano Canterine é o verdadeiro nome desse italiano naturalizado argentino, que atormentava as boas famílias hermanos no final da década de 60 com a banda de rock pesado Billy Bond y La Pesada. Nessa época ele já era produtor de polêmicos shows, e já era persona não grata aos macacos da ditadura argentina. Essa sua bagagem artística foi responsável por alguns dos shows mais bizarros do rock setentista brasileiro. A ironia corrosiva já fazia parte da verve anarquista do Joelho de Porco, quando ele chegou para empunhar o microfone principal. Mas com ele a coisa tomou um ar satírico, cínico, canastrão, meio cafajeste, meio pervertido.

A formação da banda nesse disco é Tico Terpins, extremamente carismático e inteligente, no baixo e vocais; Wander Taffo nas guitarras elétricas e acústicas; Juba na bateria, Paulo Stevez nos teclados e Billy Bond nos vocais e na putaria. O som é paulada do começo ao fim. Quando digo paulada eu não digo heavy, eu digo pegada, eu digo atitude, eu digo estética, propósito, meta. A primeira música dessa obra rara é “O Rapé”, de linguagem cifrada, uma crônica sobre a vida marginal dos anos setenta e as ligações psicodélicas. Logo nessa faixa Wander Taffo mostra suas armas. Timbre valvulado, com solo turbinado por um phase de leve. A pegada é hard, mas tem um leve toque progressivo.

“São Paulo By Day” é a primeira regravação do primeiro LP. Mudanças de andamento e interpretação irônica pontuam essa outra crônica paulistana. O final dessa música é hilariante, a fusão de um hino religioso com a rude realidade da metrópole provoca um contraste no mínimo tosco. É para ouvir no talo, com os falantes berrando. “Paulete Mon Amour” é uma espécie de country-folk, acústica, cínica e simpática. É mais uma crônica da marginalia paulista. Na voz andrógina de Billy Bond ficou muito massa. A quarta faixa do disco é a incendiária “Rio de Janeiro City”, que começa com Wander Taffo torrando a escala da guitarra em um solo insano. Essa é para ser tocada em P.A., coloque no repete e balance o cabeção que você viaja. Stevez também faz um puta solo de órgão.

“Feijão com Arroz” lembra algumas coisas obscuras de David Bowie. É outra crônica dos esquecidos em forma de rock’n’roll, com direito à citação de Maysa e autoflagelação de Billy. “Aeroporto de Congonhas” é outra regravação do primeirão. É um verdadeiro clássico do rock brasileiro. Imperdível. Crônica corrosiva do processo de aniquilação urbana de São Paulo. Porrada na cara dos que não fazem nada. “Golden Acapulco” é sátira pura ao chamado espírito purista do rock, com direito a citação dos Beatles e Mexico Lindo, deles mesmos.

“Boeing 723897” é outra regravação, como também é outro clássico do cancioneiro rebelde da república dos abandonados. Essa é para ser ouvido no volume mais alto possível. Várias citações aparecem nesse arranjo. Wander Taffo faz um impagável e verdadeiro solo alucinado em 6/8. “Mandrake” é a faixa que fecha o álbum num carnaval satírico, com a concessão cínica de Nelson Rodrigues e Chacrinha. Essa faixa enterra de vez qualquer aspiração heróica da música popular brasileira. Existem discos essenciais para se compreender que nada deve ser essencial ou supremo, que tudo não passa de uma grande farsa. Esse disco é um deles.

Um comentário:

Carlos Rafael Dias disse...

Alô Alô Marcos Leonel,

Estou querendo agendar uma participação sua no programa Cariri Encantado agora em setembro.
Entre em contato comigo, please.