Total de visualizações de página

sexta-feira, 31 de julho de 2009



O Barulho do Sol do Meio Dia
Pantico Rocha e Marcus Dias


Eis um disco que traduz com correção o que de mais significativo está sendo feito no pop brasileiro. A parafernália musical de Pantico é mais atual do que qualquer fastfood que sirva a bossa-nova requentada com aparatos eletrônicos. Esse Barulho é independente, nascido às margens do grande esquema circense montado na música popular brasileira. Não é um lançamento, mas é novíssimo, sem invencionice e sem complexo de Mary Shelley.

O caririense Pantico Rocha é um músico de primeira grandeza, com um currículo impecável junto a nomes consagrados da MPB. Hoje ele integra a banda de Lenine, a mesma que está presente em O Barulho do Sol do Meio Dia, com todo o peso da modernidade. A produção do disco ficou ao encargo do inimitável Jr. Tolstoi, o mais antenado guitarrista pop brasileiro, o bruxo dos timbres, o feiticeiro das ambiências, o mágico das colocações econômicas e texturas etéreas. Jr. Tolstoi reinventou o conceito de virtuose.

Marcus Dias é o parceiro das letras, é o poeta, dono das visões inclusivas. Pantico pilota a sua bateria metrônomo com um swing impagável e precisão cirúrgica. Guila é quem fornece o chão, através do seu baixo arquitetado para o time jogar no ataque o tempo todo. Jr. Tolstoi é responsável pelo encantamento acústico e elétrico, além das guitarras ele toca mini-moog. O disco ainda conta com as participações especiais de Lenine, Pedro Luís, Catatau e Silvério Pessoa.

O disco abre em grande estilo com a música título. Pantico não é um grande cantor, mas não compromete em nada, mesmo porque ele canta bem melhor do que muitos por aí, que se dizem do ofício. Os delays de Tolstoi criam a sincronia dos universos derivados da letra levemente fantástica de Marcus Dias. São texturas por cima de texturas, ponteadas por ripinique hipnótico tocado por Pantico. No final da música Tolstoi extrai uns ganidos exóticos de um pedal whammy. Essa faixa é preciosa.

“A visita” é uma faixa de letra inusitada, que lembra de imediato as viagens de Itamar Assumpção. Trêmulos e alavancas leves dão ambientação ao inesperado da letra. “Sambinha de chinela” é um samba bem sincopado, com uma guitarra com delay envolvendo a melodia. Lenine empresta a sua voz e o seu talento especial a esse samba de Pantico. “Resenha” tem letra filosófica e voz modificada de Pantico. Essa faixa tem a marca e a guitarra de Fernando Catatau, guitarrista e líder do Cidadão Instigado, uma das bandas mais originais do universo alternativo brasileiro.

“Conchavo” tem peso e medida. É uma das faixas em que a influência de Lenine se mostra mais forte, alternando distorção e arpejos de guitarra limpa. “Balança” é acústica e deliciosamente de terreiro, malandra e maliciosa. Tem a participação e a pegada peculiar de Pedro Luís, conservado em ironia constante. “Vamos empatar” é climática, cheia de texturas, ambiências e timbres descolados de guitarra, com bateria extremamente econômica, mas fundamental. Esse é um dos grandes trunfos de Pantico: a versatilidade.

“Ilha” tem a orquestração diferente de todas as outras faixas, com acordeon, corn inglês e guitarra. É a mais poética de todas, voltando ao tom fantástico da primeira poesia. Imperdível. “A ceia” é meio caribenha, meio creole, sem ser por inteira, apenas sugerida, com letra intelectualizada, cheia de citações. “Os Lobos” é simplesmente irresistível, com pegada rockeira de primeira linha. A guitarra de Tolstoi é de um swing único nessa faixa. Essa é aquela para ser detonada numa penca de decibéis alucinados. “Côco sabido” fecha o disco em grande estilo, da mesma forma que ele foi aberto em solenidade. Tem a participação de Silvério Pessoa. Essa faixa é descaradamente nordestina e também invocadamente irresistível.

O grande lance de Pantico em seu disco é que ele não é ególatra. A bateria tem o seu lugar de bateria. Pantico não se esforça, de forma nenhuma, em chamar a atenção para o seu instrumento, sendo ele um dos melhores bateristas brasileiros da atualidade. Esse é um disco de composição, é um disco de parceria, de cumplicidade. É um disco sem armações. Feito por quem estava muito à vontade para fazer. E por isso mesmo ele ficará, pois não tem data de vencimento.

Nenhum comentário: