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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009



Clássicos



Inner Mouting Flame – Mahavishnu Orchestra
Uma viagem sonora e espiritual

No início dos anos 70 existia uma tendência natural entre a maioria dos jovens de quebrar barreiras, de desencanar fronteiras, de provocar misturas e ridicularizar preconceitos. Também existia uma onda revolucionária na política, marcada por grandes conflitos internacionais. A economia estava em crise, devido à alta do petróleo. Havia também um encanto ingênuo com a indústria pop, viabilizada pelo excesso de exposição facilitado pelo avanço da mídia e pela conquista de mercados através de vendas exorbitantes para o momento. Em contra ponto a essa tensão gerada por esses fenômenos, surgia também uma busca espiritual gerada pelo fascínio das filosofias orientais, além de um fortalecido movimento em defesa e preservação do meio ambiente. A Mahavishnu Orchestra é uma mistura de tudo isso, com uma desconcertante legitimidade.

A formação essencialmente elétrica dessa super banda fazia parte de um processo de radicalização musical frente ao purismo cultural do jazz, que não admitia fusões e nem amplificações, dirá distorções. A Mahavishnu seguia a trilha aberta por artistas como Miles Davis, Weather Report, Frank Zappa, Lifetime, Colosseum e outros, através da fusão do jazz a outros gêneros, como o rock, o blues, o soul, o clássico e a música de vanguarda, além de outros inúmeros elementos estéticos. A ordem era misturar sem constrangimentos ou barreiras. Obviamente a indústria cultural agradecia e apoiava todas as experimentações, o que representava para ela carne fresca no mercado. Tanto é que “Inner Mounting Flame atingiu o décimo primeiro posto da parada da Billboard. Uma verdadeira façanha para a música instrumental. Para os artistas era a fama e a fortuna.

Em meio às experimentações da música de vanguarda clássica, ao free jazz, ao glam rock, ao rock progressivo, aos proto-punks e ao apelo venal da música pop, aparece o jazz fusion da Mahavishnu Orchestra, tocado em volume extremo, através de uma agressividade complexa, cheia de texturas, virtuosismos, improvisações, atitude pop, técnica, estética e muita competência criativa. A própria formação da banda já era a alegoria da quebra de barreiras, todos da formação original, iniciada exatamente nesse disco, são de países diferentes. A idéia era fazer mesmo um som universal, que congregasse inúmeras linguagens, misturando tensão e relaxamento, a partir de uma visão musical sem fronteiras, o que você vai encontrar no primeiro disco da banda "Inner Mouting Flame".

O líder da banda, o impossível e iluminado guitarrista John McLaughlin vinha da Inglaterra. O visceral e pesado baterista Billy Cobham é panamenho. O violinista Jerry Goodmam, ex-membro da lendária banda de jazz-rock The Flock, é americano, dono de um vocabulário que abrange do clássico ao folk, do rock ao experimentalismo. O hiper elétrico e eletrônico tecladista Jan Hammer é theco. O reservado baixista Rick Laird é irlandês. Todos eles com currículos extremamente respeitados. Juntos eles protagonizaram shows lendários e incendiários, como também deixaram um verdadeiro legado musical de originalidade, talento e competência. Um deles é “Inner Mounting Flame”.

O disco foi lançado em 1971, com produção de John McLaughlin e trabalhos de engenharia por Don Puluse. “Inner Mounting Flame” tem som na cara em altíssimo volume, destacando o timbre distorcido de válvulas fritando da guitarra de corpo sólido - double neck SG, da Gibson - de Mclaughlin, contrariando a mesmice cansativa dos timbres limpos de guitarras acústicas jumbo com chorus leve e amplificadores politone da maioria dos guitarristas de jazz tradicional. A mixagem também destaca o som pesado da bateria de Billy Cobham, que tem uma pegada diametralmente oposta àquela dos bateristas de jazz tradicional, que pedem desculpas por tocarem seus instrumentos.

O disco abre em grande estilo com “Meeting of the spirits”, um dos clássicos do jazz-rock, com riff poderoso de guitarra e violino,convenções, mudanças de andamento e passagens climáticas de tirar o fôlego. A improvisação de guitarra dessa faixa é simplesmente espetacular. “Dawn” é uma balada cheia de carisma, conduzida inicialmente pelos acordes invertidos de Jan Hammer e pelo violino melódico de Jerry Goodmam, logo seguido por um solo de timbre abafado de Mclaughlin, que leva a uma mudança de andamento e um instigante improviso de violino, com volta final para o tema.

“Noonward race” começa com um duelo de guitarra e bateria incendiário e delirante, peso total. Depois que a banda entra no tema você se depara com um impressionante solo de violino com mutron. Essa faixa é para detonar os alto-falantes disponíveis e indisponíveis. O solo de piano eletronicamente modificado de Jan Hammer é outra pérola. Os improvisos seguidos assumem um nítido clima de palco, com gravação ao vivo. Essa faixa é arrasadora. “A lótus on irish streams” é uma viagem espiritual, calma, exotérica e acústica, com melodia inspirada.

“Vital transformation” começa com um groove poderoso de bateria, Billy Cobham detonando em sua bateria de peças acrílicas. Depois o tema segue caminhos mágicos, com passagens climáticas. Depois disso é improvisação espetacular de guitarra e mais guitarra. A força de improvisação de Mclaughling é capaz de quebrar as moléculas existentes na sala. “The dance of maya” é um dos maiores clássicos de todos os tempos do jazz-rock. Essa faixa tem um clima épico, com harmonia circular, mudanças de andamentos inusitadas e improvisações históricas e uma arrebatadora levada blues sem precedentes. Faixa obrigatória para qualquer um peduvido esperto.

“You know, you know” também tem o mesmo clima de encantamento da faixa anterior. Começa lentamente, com a exposição do tema, vai ganhando volume e corpo aos poucos. É a mais climática do disco. “Awakening” fecha o disco da mesma forma que ele foi aberto, com um som magistral, com um peso instrumental extremamente visceral, com convenções espetaculares e escalas rápidas, todo mundo tocando junto. Depois abre para os improvisos massacrantes. É também uma faixa para detonar a parede do vizinho. Essa música é rápida o bastante para criar em suspense as expectativas para o próximo disco da banda.

“Inner Mounting Flame” é simplesmente imperdível. Ouvindo esse disco você vai descobrir as inúmeras chupadas descaradas de alguns “virtuoses” contemporâneos. Não vacile. Vá direto para a audição.

http://www.torrentreactor.net/torrents/933136/The-Mahavishnu-Orchestra-with-John-Mclaughlin-The-Inner-Mounting-Flame-(MFSL)-P-1971(Pugz-256k-mp3)

Um comentário:

Gustavo Henrique disse...

John McLaughlin foi considerado, várias vezes, o guitarrista mais rápido do mundo. O músico tem muitas cartas na manga e sabe, como ninguém, brincar de equilibrista: de um lado, a velocidade agressiva de alguns de seus solos (mas, atenção!, esse guitarrista está longe de ser o tipo firuleiro que, hodierno, realiza solos megalomaníacos, que mais lembram o pupilar de um pavão moribundo) e, de outro, a doçura com que leve exibe algumas de suas peças. Essas características, obviamente, não são excludentes; escutem-se Dawn, The Dance of Maya, Hymn to him, A Lotus on Irish Streams, Awakening etc. Dou os parabéns a Marcos Leonel por fazer a bondade de mostrar aos que não a conhecem essa obra fantástica de sincretismo musical.

Um abraço.