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segunda-feira, 22 de setembro de 2008





Clássicos
Blind Faith
Esse rock é de fé


Existem algumas coisas no rock que é preciso ouvir para crer. São histórias esdrúxulas, histriônicas e mitológicas. De tudo já aconteceu no reduto mais afetado do planeta. Muita armação. Muita mentira. Muito bico tocando porra nenhuma, fazendo pose e entrando para a história via mídia, que é a prostituta oficial disso tudo. Muitos têm que dobrar os joelhos para a imprensa para não morrer no anonimato. Com o Blind Faith foi diferente, essa quenga ordinária teve que estender um tapete vermelho para eles, que não estavam nem aí para badalação ou idolatrias.

Sem muitas delongas, a história é a seguinte: Eric Clapton e Steve Winwood começaram a se encontrar furtivamente para levar um som sem pretensões, eles estavam desapontados com o rumo megalomaníaco que a coisa toda estava tomando, com grandes festivais e apresentações para públicos maiores, além de turnês exaustivas, até que Ginger Baker toma conhecimento e insiste em participar também. Desde o Cream que Ginger Baker estava meio desponbalizado, um verdadeiro prego. O receio era esse. Um grande baterista, mas prego. Depois de várias tentativas ele se junta aos dois.

Logo eles resolveram chamar Rick Grech, baixista da banda Family. Os ensaios se tornaram freqüentes, com longas improvisações, bem na linha das apresentações do Cream e do Traffic. Composições foram nascendo naturalmente e a gravação tornou-se inevitável. O lance é que a imprensa soube dos encontros e bradou para tudo que é lado que uma superbanda estava formada e que o disco seria uma das maiores obras-primas do planeta. Claro que ficou todo mundo esperando. Daí o nome da banda, uma fé cega de mercado.

A banda era realmente estratosférica. Eric Clapton estava longe de ser um deus da guitarra, mesmo em sua época de desbunde, mas esbanjava carisma e estilo, que é mais importante do que virtuose. Além disso já havia escrito páginas importantes da história do rock e era pai de uma geração enorme de novos guitarristas. Steve Winwood já era respeitadíssimo pelas suas harmonias sofisticadas ao piano e órgão, suas composições originais, com linhas melódicas irresistíveis e um vocal mágico, capaz de alcançar notas impossíveis e transportar o ouvinte para as terras maravilhosas dos sonhos.

Ginger Baker era um caso a parte. Muitos achavam que ele era um espancador de baterias. Outros se maravilhavam com a pegada pesada dele. O fato é que ele tinha personalidade e caminhava em sentido oposto ao péssimo Ringo Star e ao preciso e balançado som de Charlie Watts, que lideravam uma legião de bateristas educados musicalmente e bem comportados em família. Ginger Baker sentava a mão, sem medo de incomodar os moradores da cidade vizinha e era doido varrido. Fez escola: Carmine Apice, Gorki Laing e o paneleiro Kaith Moon, entre outros.Rick Grech mostrou nesse disco o quanto a banda Family era ruim e bizarra.

O disco foi gravado em sessões esparsas em fevereiro, maio e junho de 1969, no Morgam Studios e Olympic Studios. A capa que saiu na Inglaterra foi vetada nos Estados Unidos. O som é uma mistura de legítimo rock, hard rock, blues, folk e alguns traços de psicodelismo nas faixas “Had to cry today” e “Do what you like”, duas faixas longas, com muito improviso massa. Essas duas faixas são duas referências obrigatórias no rock mundial O disco é pra ser ouvido de uma vez só e com várias repetições e, claro, no volume máximo. O resultado final é difícil de ser igualado nos dias atuais, principalmente por alguns excrementos do indie rock e da merdologia emo.

Eric Clapton viaja nas faixas citadas, mas é em “Presence of the Lord” que ele faz um solo inesquecível, sem firulas e sem fritações debilóides, apenas um sentido musical acima da média. Impossível não se arrepiar com esse solo, melódico e sensível como a composição. Steve Winwood está impagável em todas as faixas, com sua voz inconfundível e inimitável. Mas em “Can’t find my way home” ele dá uma verdadeira aula de canto, com falsetes de tirar o fôlego.

Em “Well all right” a banda toda mostra que tem swing, com destaque para o breve solo de piano de Steve Winwood. Só mesmo a versão de Santana dessa música é mais balançada. O clima Traffic, uma das maiores bandas de todos os tempos, liderada por Steve Winwood, ficou muito mais projetado em “Sea of joy”, composição de harmonia elaborada, cheia de voltas e climas, de vocal difícil e violino de Rick Grech quase chorado.

Se você conhece esse disco, com certeza deve tê-lo como um dos preferidos. Se você não conhece ainda, eu não sei o que você está fazendo da vida. Baixe o arquivo o mais rápido possível ou compre o original importado, se possível em vinil, pois esse é um dos maiores clássicos do legítimo rock. Escute para crer.

Um comentário:

Gustavo Henrique disse...

Olá, Leonel. Enfim encontrei teu blogue musical, que, por sinal, está repleto de alguns dos álbuns que me remetem ao momento em que descobri de que era feito música de verdade, há uns cinco anos, época em que, ferozmente, passei a descobrir muitas bandas: Khan, King Crimson, Banco del Mutuo Soccorso, Captain Beyond, Caravan, Gryphon, Mountain, Gentle Giant etc. Quanto ao álbum Blind Faith, tive a oportunidade de ouvi-lo em novembro de 2006, em uma de minhas descobertas pela Internet. Esse é o tipo maiúsculo do rock sessentista. De atitude despretensiosa, saiu essa masterpiece. Eric Clapton sabe, claro, medir bem quanto de guitarra usar, exemplos disso são as passagens de Presence of The Lord e de Do What You Like. Nesta, além do Hammond, que "prepara" a música, o improviso de guitarra marca a experiência sugerida pelo título da faixa. É, como tu já disseste, Marcos, álbum para se ouvir de cabo a rabo e várias vezes. Um abraço, Leonel, e até outros comentários.