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terça-feira, 9 de setembro de 2008




Achados e Perdidos

Qualquer Coisa
É raro e é Jóia

Caetano Veloso divide unanimidades. Com suas teses mirabolantes ele refaz os conceitos de gostar. Nem sempre é coerente em suas opiniões e nem sempre é coerente em suas composições, mas a sua obra como um todo é mais do que coerente, é sutilmente genial. É preciso aprender a gostar de Caetano Veloso. Um bom começo é ouvir e pesquisar “Qualquer Coisa”.

O ano de lançamento desse disco é 1975, em plena ditadura militar, em plena resistência cultural. Mas esse não é um disco de confronto aos anos de chumbo, muito pelo contrário, é um disco cheio de referências estrangeiras. Por isso ele logo foi taxado de alienação pura. O disco faz parte de um projeto maior. Foi lançado junto com o disco “Jóia”, sendo os dois lançados ao mesmo tempo.

O que liga esses dois trabalhos é a homenagem direta aos Beatles, através da releitura de quatro músicas do quarteto: "Help” em "Jóia”, Eleanor Rigby", "For No One" e "Lady Madonna" em "Qualquer Coisa". As capas fazem uma intertextualidade toda especial. A capa de “Jóia” é um diálogo com a capa do disco “Two Virgins”, de John Lennon e Yoko Ono, ambas censuradas pela nudez dos artistas. Já a capa de “Qualquer Coisa” é um diálogo com a famosa capa do disco “Let it Be”, dos Beatles, o último lançamento do quarteto inglês.

Se no cenário internacional o rock começava a demonstrar cansaço pelas tendências progressivas e pela canastrice do rock de arena, bem como o punk e a disco music prometiam muita barulheira de protesto e diversão imbecilizada, respectivamente, Caetano Veloso apresentava um intimismo minimalista que quebrava o clima geral, com suas canções sobre amor e suas homenagens nada póstumas a quem ajudou a mudar o comportamento social daquela juventude.

“Qualquer Coisa” é denso em sua poesia e leve em seus arranjos. Tudo na medida certa, sem tirar nem pôr. Verdadeiras pérolas foram lançadas aos porcos fardados. “Qualquer Coisa”, “Da Maior Importância” e “A Tua Presença Morena” são fenômenos poéticos raros, que não perdem força com a retirada da música. As releituras dos Beatles são singulares. Nunca ninguém fez nada parecido com o que Caetano e banda fizeram com “For no One”. João Donato e Perinho Albuquerque deram um toque universal ao individualismo do fã diante dos seus ídolos.

Já a versão de “Drume Negrita” caberia muito mais em boa parte do repertório de “Jóia”, por ser descartável e sem nenhuma espécie de junção estética, apenas uma versão com reservas. Ainda no campo das versões, Caetano Veloso acerta no alvo em sua releitura de “Jorge de Capadócia”, de Jorge Ben, uma faixa enigmática e cheia de força esotérica, rápida e rasteira como um raio vingador. Em “Samba e Amor”, de Chico Buarque, Caetano faz música proletária sem ser panfletário.

“Qualquer Coisa”, a música, ainda tocou no rádio. Era um tempo em que o rádio tinha representatividade na construção do imaginário popular e a distância era algo doce, que transformava ansiedade em magia. O estranhamento da poesia, com aquele papo todo torto, aproximava o poeta do concretismo paulista ao mesmo tempo em que afastava o compromisso irrefutável de se fazer guerrilha com a arte. Hoje eu compreendo isso, naquele tempo não. Mas o tempo também não tem coerência.

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