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sábado, 6 de setembro de 2008


Aos Vivos

Pepeu Mais Vivo do Que Nunca

Falar de Pepeu é praticamente falar da música brasileira em toda a sua extensão, com suas peculiaridades próprias e assimilações diversas. São poucos os guitarristas que têm a musicalidade de Pepeu, um dos maiores do mundo. Nesse registro ao vivo, no 14º. Festival de Montreaux, ele avessa a guitarra, a guitarra baiana, o cavaquinho e o bandolin, com uma capacidade monstruosa.

Os shows de Montreaux já são manjados, uma mistura esquisita em que pesa mais o mercado do que o jazz em si. Vários artistas brasileiros já se apresentaram lá e ainda se apresentam. Existem várias armações, frutos de contratos de grandes gravadoras, que têm no evento o palco ideal para projeções maiores dos seus artistas. Essa apresentação de Pepeu não tem nada disso, é arte pura.

Pepeu estava no seu segundo disco solo, “Na Terra a Mais de Mil”, já com o respaldo da crítica do primeiro disco, “Geração de Som”. A fórmula era instrumental brasileiro misturado com uma pegada rockeira de primeira linha. O primeirão já foi uma porrada sonora, puxada pelo relativo sucesso de “Malacaxeta”, então na versão instrumental. O segundo teve mais percussão e mais repercussão, devido à balada “Meu coração”, que tocou bastante nos rádios, e a versão cantada de “Malacaxeta”, com letra de Caetano Veloso.

Muitos criticaram a decisão de Pepeu cantar, que tinha se vendido e tal. Não importa quanto ele cante e o que ele cante, o que vale é ouvir a sua guitarra, com seus timbres peculiares e suas afinações bizarras. Ele é que enrola os seus próprios captadores e faz as partes elétricas dos seus instrumentos, daí vem parte do seu som, sendo a outra parte talento puro e estilo próprio, sem caralho de vídeo aula ou babaquice de “intenção blues” nos modos mixolídio ou qualquer outra porcaria que o valha. Pepeu é intuição e inventividade, swingue no sangue, é malandragem de autodidata, que não precisa de afinador eletrônico.

Quando ele esteve pela primeira vez no palco de Montreaux foi com Gilberto Gil. Ele quebrou tudo, com solos memoráveis e uma energia contagiante, integrando uma das maiores formações da mpb naquela ocasião, uma superbanda. Ele voltou com a sua própria banda – e que banda velho!!! - , sendo a atração principal da noite. Não deixou por menos. Mostrou com classe o que é que um verdadeiro músico brasileiro é capaz de fazer com uma guitarra na mão. Só o disco, o produto em si, é que ficou mal pra caramba, cortaram grande parte do show e montaram um disco simples, sem muita qualidade sonora. Mas dá para viajar, e muito.

Depois da tradicional apresentação de Claude Nobs, o pau comeu redondo e sonoro. A primeira é um medley de chorinhos puxadas por um clássico do mestre dos mestres, Pixinguinha, “Lamento”. Parte da platéia gringa ficou calada, procurando entender, a outra parte, que era brasileira, já sambou. Foi o cartão de visita de Pepeu. Depois vieram “Noites Cariocas”, “Chuvisco no Samba” e “Riroca Swingue Branco”, todas com arranjo de regional no mesmo medley, com direito a cavaquinho, bandolin e outras bossas.

“Luz de Guadalupe” é um blues. Mas um blues fusion, misturado com o sotaque brasileiro. Né careta não. Uma aula de como não soar igual aos iguais, em um estilo cheio de cópias baratas, de paninho passado e tudo mais. Depois Pepeu abre a boca para cantar “O Mal é o que sai da boca do homem”, uma visão anarquista sobre a censura brasileira e uma escrachada apologia da liberdade. Argumentado sobre a inclusão dessa música no repertório ele riu e disse que era devido à censura ter vetado a execução da música no Brasil.

Em “América Tropical” e “Todo Amor ao Jimi”, Pepeu solta os dedos em dois improvisos inspiradíssimos, lisérgicos. A primeira tem uma harmonia complicada, cheia de acidentes e convenções, ele senta a mão, sem medo de errar. Na segunda Pepeu é sentimento puro, é de arrepiar, é pra ouvir no talo, encobrindo aquela merda de forró eletrônico que o seu vizinho escuta todo dia e toda hora. Essa é aquela balada pra ouvir depois da meia noite, sentado no batente, (lembra?), vendo o Cariri todo piscando suas luzes.

“Afoxé do Garcia” e “Rei do Baião” têm um balanço irresistível, você balança nem que seja a sombra. Jorginho Gomes é um dos maiores bateristas do mundo, toca sem pena, toca forte e de forma educada, isso se chama peso. Luciano Alves é quem pilota os teclados, um verdadeiro maestro, com grande senso de improvisação, sem cair no mecanismo da prática de estudos. O baixo fica por conta de Didi Gomes, outro irmão de Pepeu, cheio de Grooves e escalas descomunais. A percussão foi tocada por Charlie Negrita e Baixinho, sem comentários, é muito swingue. “Rei do Baião” é a faixa em que a sanfona mais do que especial de Oswaldinho aparece mais, pense numa levada doida.

“Blue Wind“, de Jean Hammer, imortalizada por Jeff Beck, encerra o disco de forma magistral, com pegada muito mais rockeira do que o arranjo original, além do molho todo especial da cozinha. Uma verdadeira aula de guitarra. O dueto de guitarra e teclado é justo, seguido de um solo alucinado de Luciano Alves. Pepeu sola com um timbre duplicado em oitavas. É curta. É pesada. É massa. Esse disco é obrigatório.

Um comentário:

Marcos Vinícius Leonel disse...

Leia-se Jan Hammer, e mesmo assim não sei se está certo, ahahahah