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quinta-feira, 24 de julho de 2008


Ao Vivo

O dono do palco

Um amigo e companheiro de inúmeras trilhas musicais, Aquiles, divide comigo uma mesma opinião: em se tratando de show, o artista tem que ser dono do palco, não pode pedir emprestado a quem quer que seja. Tem que mostrar a certidão de propriedade. Assim foi Cleivan Paiva no show de abertura do III Festival de Música Instrumental do Cariri, promovido pelo essencial, digo essencial, Centro Cultural do BNB.

Não decorei nenhum nome de nenhuma música. Também pouco importa, uma vez que elas são por si inesquecíveis enquanto composição. Fazia tempo que eu não testemunhava esse mago da guitarra em ação. Que força de improviso, em cima de harmonias complexas e andamentos sobrenaturais.

O trio, formado por Cleivan, João Neto e Demontier Delamoni, respectivamente guitarra, baixo e bateria, exibiram técnica e talento. João Neto em noite especialmente inspirada, com trezentas mãos e uma consciência maior do que a Chapada do Araripe, deu um calor a mais. Convenções, harmonias penduradas, improvisos geniais e climas de pura dinâmica fizeram valer a noite.

O som não estava dos melhores, a guitarra muito baixa, inclusive sendo encoberta pela bateria em alguns momentos mais pirados de Delamoni. Agora baixo e bateria estavam bem mixados, sem brechas de timbres. A guitarra de Cleivan, na primeira música, estava muito abafada pelo excesso de grave, logo corrigida, mas permanecendo um pouco abaixo dos outros instrumentos, o que jamais pode acontecer, se o show é exatamente do guitarrista.

Cleivan é um artista único no cenário musical caririense, rápido, criativo, o riginal e preciso, sem deixar notas espalhadas no chão e sem enganações, sem aqueles clichês ridículos de jazz ou da chamada pegada brazuca, meio samba meio bossa, que tanto enche o saco. Só mesmo o solfejo de voz em cima de algumas melodias, que é completamente redundante e perfeitamente dispensável. Cleivan, esqueça o microfone meu velho.

A guitarra limpa, com o som educado do captador do braço engordado pelos registros graves, parece ser a tônica de mil entre novecentos guitarristas de jazz. Da mesma forma que o fraseado rápido e sem bands ou qualquer outro recurso mais sujo. Cleivan apresenta essas características em seu timbre e em seu fraseado, o que eu particularmente acho um verdadeiro desperdício. Nesse ponto eu sinto saudades do som mais agressivo e mais elétrico dos tempos do Ases do Ritmo. Mas nada que possa arranhar o quadro geral, são apenas preferências.

Cleivan abriu com classe e estilo o III Festival de Música Instrumental do Cariri, comprovando o seu grande momento como instrumentista e compositor. A programação promete grandes apresentações, mas com certeza, a de Cleivan será uma das principais.

segunda-feira, 21 de julho de 2008



Vitrine

VIVA LA VIDA EM TOM PASTEL

Depois de percorrerem o mundo, lotarem estádios e embolsarem muito dinheiro, eles se reclusaram, compuseram novo material e lançaram a maior bomba de 2008. Definitivamente a banda Coldplay está configurada como uma banda de um disco só, o primeiro, e algumas faixas esporádicas. “Viva La Vida Or Death and All His Friends ”, segundo o vocalista Chris Martim, faz referência a uma frase de Frida Khalo, que ele achou o “máximo”.

Para esse novo cd, que já vendeu mais de um milhão de cópias, eles convocaram um dos maiores magos da produção do universo pop, Brian Eno, que começou a construir a sua reputação quando ainda era integrante da lendária banda Roxy Music, na década de 70. De lá para cá, Eno tem assinado a sua grife de produção, com o respaldo de parcerias de peso, como Robert Fripp, David Bowie, Carla Blay, John Zorn, entre inúmeros outros, inclusive U2, a matriz sonora do Coldplay.

Eno domina velhas e novas tecnologias, é músico, compositor e arranjador. Mas nada disso adiantou, a estética sonora é a mesma dos tempos de Ken Nelson, em A Rush of Blood to The Head, e em “X&Y”, que é produzido em sua maioria por Danton Supple e algumas faixas por Ken Nelson. Até parece que Eno compareceu apenas com o nome e deixou a sua reputação no hall de entrada do estúdio.

Em “Viva La Vida” o Coldplay não tenta se livrar de forma nenhuma da sombra sonora do U2. Muito pelo contrário, faz questão mesmo de imitar, tal qual uma banda cover. Ao longo de um interminável repertório, a banda desfila o que parece ser uma única composição, com uma mesma melodia e com os mesmos truques vocais. São faixas que não conseguem ser tristes e nem melancólicas, apenas letárgicas. É comum você encontrar nos encartes dos discos da banda, agradecimentos pela compra, pela audição e pela paciência. Nesse deveria vir um pedido formal de desculpas pela completa falta de criatividade.

O som de “Viva La Vida” parece ter vindo diretamente da merdologia dos anos 80, a pior década da produção pop, em que poucas coisas se salvam. “Viva La Vida” é um meio termo entre o pior do Marillion, se é que existe algo bom deles, e uma mistureba de Simple Minds e U2. Acho que Eno chegou antes do que qualquer um dos membros da banda, e gravou uma cama sonora cheia de delays e reverbs digitais, aprontou toda a sua parafernália de processamento digital e esperou a banda.

Até palma tem delay e reverb nesse disco. Existe um exagero de ambiências inexplicável. A bateria foi plastificada em processamentos digitais, aliás, captar baterias nunca foi o forte de Eno. A guitarra é uma chatice pobre de delays, a milhões de distância do leque de timbres de um Jack White, por exemplo. Os teclados eu vou resumir em uma única palavra: merda. Os vocais foram gravados em destaque, anunciando aí uma breve separação.

Alguém precisa dizer para o Coldplay que clima musical não é uma questão de efeitos como chorus, flange, delay, phase e reverb, muitos menos compressores e seqüenciadores; é uma questão de dinâmica, domínio dos tempos musicais, dos andamentos e a da instrumentação. É só pegar qualquer disco de Nick Cave, Tom Waits, Joni Mitchel, Van der Graff ou King Crimson e aprender.

Para os fãs, nada do que foi dito aqui faz diferença. Também não importa. Para quem está de fora, no entanto, esse é um disco completamente descartável. Não existe destaque nenhum nesse disco. Quem conseguir ouvir esse disco de uma sentada só pode ser considerado um ex-combatente do golfo pérsico, cheio de seqüelas auditivas e mentais. Essa é uma bomba com mecanismos sofisticados. Para completar a banda Creaky Boards acusa Chris Martin de ter usado a música “The Songs I Didn’t Write” para fazer a faixa “Viva La Vida”.

domingo, 20 de julho de 2008


Tempestade teria impedido tentativa de assassinato de Mick Jagger em 1969


Essa é uma história que parece tirada de algum livro policial de qualidade duvidosa, mas foi real. Um documentário da rede britânica BBC exibido nesta segunda-feira, 03, contou que integrantes do grupo Hell’s Angels planejavam assassinar o vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger.Segundo o programa da BBC, Jagger teria se desentendido com o grupo Hell’s Angels devido à confusão que o grupo causou no show dos Rolling Stones em Altmont, no dia 06 de dezembro de 1969, quando os Stones contrataram os Hell’s Angels para fazerem a segurança do show.Durante o show Alan Passaro, integrante dos Angels, assassinou um rapaz a facadas. A vítima, Meredith Hunter, morreu aos 18 anos, em frente ao palco dos Stones. Após o show, Jagger teria se desentendido com Passaro e outros integrantes do grupo, já que eles haviam sido contratados para fazer a segurança do espetáculo e não causar tumultos.Os Angels teriam se sentido ofendidos e enganados por Jagger e planejaram matar o cantor quando ele estivesse em sua mansão em Long Island. Os Angels alugaram um barco para chegar até a residência pelo mar, sem ter que passar pelos seguranças. Porém durante a viagem, uma forte tempestade fez o barco naufragar, impedindo que chegassem à casa de Jagger.O caso do assassinato de Hunter está documentado no vídeo “Gimme Shelter”, dos Stones. O assassino se livrou da prisão alegando que agiu em legítima defesa já que Hunter tinha uma faca. Passaro morreu afogado, tempos depois.
Fonte: Rock on line http://territorio.terra.com.br

Pete Best, ex-baterista dos Beatles, lança primeiro álbum solo


O baterista original dos Beatles, Pete Best, vai lançar o primeiro álbum solo com canções próprias. O disco chega às lojas 46 anos após Best ter sido despedido da banda que se tornou um dos maiores fenômenos musicais da história.O álbum recebeu o nome de “Hayman’s Green”, nome de uma rua em Liverpool onde está localizado o Casbah Coffee Club, local que pertence à mãe do baterista e onde os Beatles se apresentaram no início de carreira. “Hayman’s Green” trará 11 faixas e o lançamento está agendado para o dia 16 de setembro.As músicas têm forte acento autobiográfico e trazem a amargura vivida por Best após ter sido despedido do grupo, em 1962, pouco antes do sucesso da banda com “Love Me Do”. Abaixo os títulos das 11 faixas do álbum:01. Come With Me02. Step outside03. Start Again04. Grey River05. Gone06. Dream Me Home07. Everything I Want08. Beat Street09. Broken10. Red Light11. Haymans Green
Fonte: Rock on line http://territorio.terra.com.br/

terça-feira, 15 de julho de 2008



THE MARS VOLTA - AMPUTECHTURE

Os malucos Omar Rodriguez-Lopez e Cedric Bixler-Zavala já lançaram o quarto álbum do seu caldeirão sonoro: “The Bedlam In Goliath”, com a mesma pegada visceral dos seus outros três discos anteriores, provando que o sistema solar inteiro é deles e que eles formam a banda mais interessante do novo milênio. Mas eu não posso falar do novo disco, sem antes pagar uma para o penúltimo disco “Amputechture”, uma porrada no estômago da mesmice.

O que o The Mars Volta faz é tudo aquilo que faltava nessa merda de mercado viciado em reproduções e diluições. Alguns dizem que é progressivo, o que a banda não admite; outros babacas chamam de art rock, coisa que nem existe, é invenção de crítico imbecil, que precisa justificar o salário. Outros dizem que é música alternativa e tal e tal e tal. Na verdade o som é diferente e não tem como rotular. Sem dúvida existe uma dose generosa de rock progressivo, mas misturado a uma série de coisas.

Omar Rodriguez-Lopez é um tremendo guitarrista, na concepção da palavra. Nem é masturbação sonora de escalas, como os debilóides da linha do Dream Theatre e perfumarias semelhantes, nem é aquele minimalismo patético do indie rock, que mistura Clodovil com Bartô Galeno, com linhas de guitarra mais duras do que paralelepípedo. É técnica com talento. Cedric Bixler-Zavala canta por que tem voz e sabe cantar. Colocar a voz no turbilhão sonoro do Mars é só para quem sabe. Se você acha que o som dessa banda tem alguma coisa haver com aquela fantasmagoria indie, com suas miadeiras plasmáticas e voz do tamanho de uma caixa de fósforo, esqueça. É alternativo, mas todos são músicos de verdade. Aqui não existe pose, existe som.

The Mars Volta é oriundo das bandas At The Drive-In e De Facto. Linhas de jazz rock, ambientações progressivas, timbres alucinados, vocais lisérgicos e dissonâncias psicodélicas são comuns na linguagem dos marcianos. Os discos sempre têm participações especiais, principalmente dos pirados do Red Hot Chilli Peppers, Flea, no primeiro disco, uma obra prima, “De-Loused in Comatorium” e Frusciante nesse em questão, “Amputechture”, outra obra prima. A banda não é tão constante com bateristas, mas todos dão o maior gás Nesse disco as baquetas são agitadas por Jon Philip Theodore. O baixo ainda está por conta de Juan Alderete e os teclados nas mãos milagrosas de Isaiah Ikey Owens.

“Amputechture” traz o mesmo clima conceitual das letras, embora nem todas, dos discos anteriores. As faixas são longas, como sempre, e viajantes como sempre. O universo sonoro do Mars é feito de esquisitice e tensão musical. Guitarras agressivas, às vezes com efeitos retrô, às vezes limpas, só com a força dos amplis. O doido toca no talo suas escalas pentatônicas, modais, melódicas, menores, diatônicas e atonais. Cedric tem uns falsetes de entortar, desemprega qualquer cantor de cover. Apesar dos climas criados, com ambiências e texturas diversas, existe um groove delicioso no Mars Volta, típico das grandes bandas.

Omar Rodriguez sabe usar os pedais como poucos. Cria uma cama de fragmentos melódicos e riffs poderosos, através de um intenso trabalho de delays. Sua pegada tem punch e nexo. Baixo e bateria em “Amputechture” dão um verdadeiro show particular de peso, através de muitas mudanças de andamento e convenções de empenar qualquer apresentação ao vivo. A mixagem da bateria é bem na frente, teclados e baixo foram mixados um pouquinho mais baixos. A guitarra também fica na frente, enquanto que os vocais de Cedric estão pouco acima dos instrumentos, formando uma massa sonora de impressionar.

O disco inteiro é duca, com mais de uma hora de delírio musical. A partir da capa, como sempre, o disco é uma experiência sonora difícil de ser esquecida. A primeira audição de qualquer disco do Mars é sempre estranha, para quem não tem esse tipo de informação musical, mas depois que você descobrir os inúmeros caminhos auditivos, você vai realmente conhecer marte. Os meus destaque vão para “Tetragrammaton”, “Vermicide”, a passional “Asilos Magdalena” e a ultra psicodélica “Day of the baphomets”. Esse é um disco que não tem preço. É novo mas não é paia. Eu digo: obrigatório.





LUMPY GRAVY - A PIRAÇÃO

“Lumpy Gravy” é o quarto álbum de Frank Zappa, lançado em 1968, e verdadeiramente o primeiro com o seu nome estampado na capa, pois os três primeiros é como Mothers of Invention. A ironia e o cinismo desse que é o maior gênio da música pop em todos os seus tempos também está estampada já na capa: Franz Vincent Zappa conduz Lumpy Gravy, uma peça curiosamente inconsistente que começou como uma faixa para ballet, mas que certamente não deu certo. O nome da orquestra que ele conduz é muito demais demasiado:Abnunceals Emuukha Eletric Symphony Orchestra & Chorus.

Desde 1966 Zappa, com o lançamento do conceitual “Freak Out!”, não deixou pedra sobre pedra na supremacia americana pública e privada. Ele meteu o dedo no orgulho racista americano, na sede de consumo, no falso moralismo, na insolência e na prepotência bélica, econômica e política. Ele satirizou a sociedade de todas as formas, foi politicamente incorreto, fez humor negro, achincalhou os tabus sexuais, carnavalizou os dogmas de qualquer religião, revirou ao avesso os bons costumes e travestiu os valores supremos da cultura americana, através de uma crítica corrosiva, de uma linguagem abusiva e de uma música simplesmente única.

Depois de abalar as estruturas íntimas da família americana com o satírico e impagável “Absolutely Free”, em 67, e depois de chocar o mundinho pop com a mais completa crítica, lúcida e escatológica dos anos 60, a partir da lendária capa de “We’re Only In It For The Money” (Só Estamos Nisso Pelo Dinheiro), em 68, em que ele satiriza de forma veemente a capa do disco Sargent Pepper... dos Beatles - até então uma unanimidade intocável - com uma montagem genial cheia de citações e intertextualidades bizarras, além da acusação histórica no título de que os pimpolhos de Liverpool eram armação do mercado, Frank Zappa lança esse inquietante e incompreendido disco de vanguarda. No encarte do disco, vestido com fraque e cartola, com ar cínico, através de um balãozinho de quadrinho Zappa afirma que “Lumpy Gravy” é a fase dois de “We’re Only In It For The Money”.

Zappa aliou à sua formação erudita, de maestro, as informações obtidas da música negra americana; do blues; do rock; do gospel; do espiritual; do pop; das trilhas de filmes e desenhos animados; dos jingles; da surf music; do doo-wopping,; do jazz,; da música concreta e da música contemporânea de câmara; e criou o seu vocabulário musical, com orquestrações inusitadas, vocais esquisitos, experimentalismos diversos, diálogos e instrumentações bizarras e composições geniais. Tudo isso está em “Lumpy Gravy”. Em doses concentradas e vários outros aspectos até então nunca tentados no mundo pop.

“Lumpy Gravy” é então uma sinfonia (!?) dividida em duas partes, subdivididas em segmentos intitulados, como se fossem faixas, mas com execução integral, sem espaços, que no vinil correspondem aos lados um e dois. Uma orquestra filarmônica se junta a uma banda com baixo, bateria e guitarra, para tocar uma peça descontínua e fragmentada, cheia de experiências de música concreta com fitas magnéticas e diálogos que misturam cinismo, escatologia e nonsense.

Algumas partes instrumentais têm uma orquestra tocando fragmentos de musak, completamente diatônico, outras têm surf music, rag-time, trilha de desenhos e jingles; já em outros fragmentos a música é atonal e experimental, com ruídos e intervenções diversas. Na primeira parte da peça a melodia e a estrutura harmônica do fragmento que abre a primeira parte: “The way i see it, Harry”, são descontruídas em fragmentos menores, que voltam ao longo da parte como citações aleatórias. Uma verdadeira viagem ao submundo das vanguardas, mais estranhamento do que isso, impossível.

A segunda parte começa com um diálogo bizarro e no meio dos falantes alguém introduz de forma fragmentada a teoria de Zappa sobre a “Big Note”, que segundo ele existe apenas uma única grande nota musical que contém todas as vibrações. Depois do diálogo entra uma orquestração de música clássica contemporânea, com uns compassos lunáticos e fragmentos de melodias em meio a ruídos. A segunda parte é encerrada com “Take your clothes off”, uma espécie de surf music, com uma das melodias zappeiras mais cínicas de todos os tempos, com direito a um vocalzinho simplesmente cretino e por isso mesmo inesquecível.

De fato essa viagem estética já havia sido anunciada em “We’re Only In It For The Money”, nas faixas “Are you hung up”, “Nasal retentive calliope music” e “The chrome plated megaphone of destiny”. Mas é em “Lumpy Gravy” que o bicho pega. Para ouvir esse disco é necessário, como sugere a última música, tirar a roupa dos preconceitos fora e se preparar inteiramente para o estranhamento das vanguardas musicais. Estética é o nome desse disco. Concepção musical a milhões de quilômetros de distância do mercado fonográfico. É um disco para poucos, mas que significa muito para a história da música contemporânea. Escute e verá.

Vitrine

RIVOTRILL
É REMÉDIO INSTRUMENTAL

“Curva de Vento” é o nome do primeiro disco da banda Rivotrill, lançado de forma independente e gravado de forma experimental. A banda levou os vários instrumentos e a parafernália de gravação para uma casa e lá passou uma semana em busca de timbres e texturas diferentes, gravando em banheiro, salas, debaixo de escadas, dentro de caixa d’água e varandas. Além disso a banda contou com participações mais do que especiais. O resultado foi um disco enxuto, coeso e com identidade própria, o que é mais importante nesse mangue de diluições ilusionistas.

A banda é formada por Júnior Crato: flauta, sax e teclados; Rafa Duarte: baixo e efeitos; e Lucas dos Prazeres: percussões diversas. Rivotrill é instrumental sem a conotação de improvisos virtuosos e muito menos os patéticos repertórios de chavões do “som brazuca”. Em “Curva de Vento” você não vai ouvir nenhum babaca cabeça de pulga “estraçalhando” a harmonia de “Asa Branca”, com execuções modais com intenção blues ou qualquer clichês desses de vídeo aulas. Aqui a “Garota de Ipanema” foi pra um museu na caixa-prego e levou todos os estandartes para uma suruba de restauração.

Esse é um disco autoral. É claro que você escuta os ecos do frevo, dos caboclinhos, do coco, do maracatu, das bandas cabaçais, do rock, do jazz e da música contemporânea, mas tudo em doses equilibradas, sem que as influências se transformem em apropriações indébitas. As composições são fechadas em arranjos funcionais, sem aquela velha fórmula cansada e cansativa da execução da seqüência harmônica, ponte e improviso. Elas recebem o tratamento de texturas, de intervenções de diálogos, fragmentos sonoros, experiências com delays, intertextualidades, vozes, timbres, ambientações e climas.

Naná Vasconcelos, dono de uma sensibilidade musical genial, aparece em “A casa” e “Groove Tube”, com sua elegância e sutileza de sempre. “A casa”, faixa que abre o disco, é climática, nela Naná toca congas e efeitos. Essa faixa é a apresentação do leque de timbres recorrentes em todo o disco. “Groove Tube” tem pegada bem nordestina e uma tensão climática muito contemporânea, com vozes, palmas e efeitos muito bem colocados. Nela Naná toca tambor falante, faz vozes e efeitos.

Spok toca sax na faixa “Cangote”, uma composição cheia de mudanças de andamentos e síncopes bem legais. Spok tem uma pronúncia fenomenal no sax, com crescentes precisos e dinâmicos. O diálogo entre o sax e o piano, e depois entre o baixo e o clavinete eletrônico, ficou muito massa. O reverb no sax, a pegada de barítono e os efeitos deram uma textura bem sacada à faixa. Esse é um dos pontos altos do disco. A percussão de Lucas, como em todas as faixas, está muito bem colocada. Segura e cheia de swing.

Fabinho Costa toca trompete na latina “Charo Cubano”, cheia de pontuações e convenções, com uma levada balançada. O solo de Fabinho é rápido como a faixa, mas muito bem colocado. O baixista Rafa tem uma pegada também cheia de swing. Ele e Lucas formam uma dupla muita bem entrosada. E não é pelo fato de que não existem solos de sete léguas que não se pode afirmar que os três são virtuoses em seus instrumentos. Eles são sim, mas naquilo a que se propõem como banda e não naquela concepção de quebrar tudo individualmente. Júnior Crato é um flautista muito afinado. É possível perceber em sua embocadura uma variação timbrística muito legal em que ele passeia de Jean Pierre Rampal a Hubert Lewis, de Ian Anderson aos Irmãos Aniceto. O seu trabalho de sax é também consistente.

Além disso vale a pena salientar algumas captações de percussão de som aberto, como em “Alaursa Quer Farinha”, que ficaram massa demais, sem aquele exagero de compressão e de médios. Sobre essa faixa também vale salientar a homenagem intertextual a Roland Kirk, um dos maiores pirados de todos os tempos, saxofonista e flautista americano, cego e gênio de nascença, um iconoclasta de vanguarda, que tirava uma onda de tocar vários saxs ao mesmo tempo.