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sábado, 27 de dezembro de 2008


Vitrine

O Coração do Homem Bomba Vol. 1– Zeca Baleiro
A volta dos que nunca se foram

Zeca Baleiro volta em dose dupla, depois de três anos sem lançar um cd de inéditas. Depois do morno Baladas do Asfalto e Outros Blues, os dois volumes intitulados como O Coração do Homem Bomba, fincam definitivamente as raízes do Baleiro entre os autores referenciais da musica popular brasileira contemporânea, que atravessa uma das suas piores crises autorais depois da ditadura militar.

Muita baboseira tem sido escrita para desmistificar a sofisticação da criação musical, na tentativa de legitimar uma pretensa simplicidade estética das novas composições de Zeca Baleiro nesse projeto. Pura perca de tempo, pura futilidade. Ele não se reinventa, ele não se recicla, nem se debruça sobre o descompromisso, nem se volta para o brega-chic, nem nega as tendências radicais de vanguarda, nem a quilo, nem a metro e nem a litro.

Zeca continua sendo apenas o mesmo, aparando as afetações e depurando suas influências, ele apenas está construindo sua carreira com coerência e honestidade. Seu sotaque maranhense permanece nítido, seus decibéis tropicalistas continuam audíveis e sua universalidade não precisa mais de legenda, bem como o seu humor mantém o charme especial de sua obra.

Além de toda uma musicalidade permanente, que não perde o prumo e se expande facilmente a cada novo trabalho, o Baleiro tem se revelado um pesquisador das sonoridades coloquiais de nossa linguagem popular. Além disso, a banca de bombons de Zeca ainda oferece drops de versões especiais, com edições limitadas, só para colecionadores. Isso tudo em um só caldeirão não pode ser simples nunca. Pode até parecer simples, mas não é. Existe uma diferença sutil, mas fundamental, entre o imediato e o imediatismo.

Rock, ska, samba, samba-rock, forró, balada, e revisitações diversas fazem parte do cardápio do O Coração do Homem Bomba, e tudo misturado, com muito humor e certa dose de cinismo indispensável. A produção enxuta de Zeca Baleiro e Evaldo Luna deixa tudo em seu devido lugar, sem exageros e sem economias retrós. A climática “Geraldo Vandré”, faixa que encerra o Vol. 1, resume em grande estilo a assinatura dessa produção.

O disco abre com uma vinheta que anuncia o que se pretende: trabalhar a dualidade do cotidiano imperativo. Tratado aqui na sonoridade dos instrumentos, na sonoridade das palavras, no significado das letras e nas versões das músicas de outros autores. O coração do homem bomba é uma mistura de sentimento e pragmatismo. Tum Tum e bum é a própria distensão dual entre o imaterial e o material, entre o bem e o mal, entre a vida e a morte.

Essa dualidade está presente em todas as músicas e vinhetas, em desdobramentos plurais e singulares. Fruto de uma visão poética desnudada da pretensão da tese, munida da observação e da linguagem trabalhada. A sonoridade e a significação de má, na faixa “Você é má”, é o retrato fiel dessa busca lúdica do poeta, que mergulha no maniqueísmo existencial dos anos dois mil, com um humor corrosivo o tanto que simpático, traduzido em neologismos, trocadilhos e assonâncias inesperadas.

Os destaques são especiais dentre as músicas especiais de um repertório que acerta o alvo por completo, sem terrorismos e horrores. “Você não liga pra mim” é incrivelmente irresistível, um ska sem fronteiras. “Alma não tem cor” é um clássico do Karnak que virou um clássico do Baleiro, imperdível e pronto para repetições exaustivas.

“Aquela prainha” é uma abordagem irônica da ocupação interventora dos gringos no litoral nordestino. “Você é má” é sem explicação, uma obra prima bissexta. “Bola dividida” é um clássico dos anos 70, de Luiz Ayrão, que recebe a etiqueta da grife Baleiro de versões. “Toca Raul” é uma crônica viva de turnês, deliciosamente mitológica. “Geraldo Vandré” é aquela música que faz com que você compre um disco.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


Vitrine

Labiata
A permanência de Lenine


Todo o espaço conquistado pelo compositor pernambucano, Lenine, está confirmado com o lançamento do seu novo disco, “Labiata”. Está confirmado com estilo, com elegância, com a apologia certeira de que o menos é muito mais e de que nada vale o virtuosismo se a criatividade e a originalidade não são suas guias. “Labiata” não é coisa que se finda, é coisa que se ilumina lentamente, ao sabor do devaneio, com ou sem trocadilhos.

Diz Lenine que o nome é de uma orquídea, em entrevista para Anderson Dezan, do site de notícias Ultimosegundo, ele afirma: “Três coisas me impressionam neste tipo de orquídea. Em primeiro lugar, a beleza da flor, sua exuberância. Depois, a diversidade da ocorrência dela. São mais de 40 mil espécies espalhadas pelo mundo e é possível encontrá-la no meio do deserto da Austrália, como no Tibete. Em terceiro lugar, a resistência. Ela tem essa capacidade de ser uma flor delicada e robusta. Esses três significantes permeiam o que é a música popular brasileira: a beleza, a diversidade e a resistência”.

“Labiata” é o oitavo disco de Lenine e o primeiro de estúdio, depois de dois discos ao vivo: MTV acústico e InCité; e de uma trilha para balé Breu, encomendada pelo Grupo Corpo. Duas peculiaridades acompanham esse novo trabalho, o lançamento simultâneo em vinil e a composição integral das músicas feita em estúdio, em pleno período de gravação. Além disso, vale ressaltar a produção requintadamente equilibrada de Jr. Tolstoi e a manutenção da banda base do último disco, com o caririense Pantico, na bateria e Jr. Tolstoi, nas guitarras, efeitos e intervenções; mais o baixo de Guila.

O disco tem as participações super especiais do Quinteto da Paraíba; de Pedro Luís e A Parede; Arnaldo Antunes, em uma expressão sonora e parcerias; Carlos Muñez; e China. Além disso, os três filhos de Lenine fazem vocais na faixa que fecha o disco, “Continuação”, uma das duas músicas de autoria total de Lenine, a outra música é “Martelo Bigorna”, que abre o disco. As outras composições, todas inéditas, Lenine divide com velhos parceiros, como Lula Queiroga, Bráulio Tavares, Dudu Falcão e Paulo César Pinheiro. Dentre essas parcerias existe uma póstuma, com Chico Science, “Samba e Leveza”, dedicada a Goretti, irmã de Chico, que viabilizou a parceria.

O estilo é o mesmo, harmonias dissonantes e levada sincopada, com melodias simples em cima de letras espertas, distantes dos imediatismos de mercado que empesteiam a crise institucionalizada da música popular brasileira. Os traços rockeiros de Jr. Tolstoi permanecem em sua pegada visceral e extremamente contemporânea. Aliás, Jr. Tolstoi é o sideman que qualquer cantor ativo e renovado precisa. Ele é senhor de sua parafernália de efeitos e sabe como poucos guitarristas da nova geração, fazer uma cama de texturas para que a base flua, com peso e delicadeza ao mesmo tempo. O trabalho desse guitarrista esperto, com pedal whammi, na faixa “O céu é muito”, parceria com Arnaldo Antunes, é eficiente, técnico e criativo.

Em seu trabalho de produção, Tolstoi deu a medida exata ao violão de Lenine e fez com que o cantor pernambucano também tocasse guitarra, com timbres limpos descolados. Mesmo nas faixas mais acústicas, que tiram o sono de qualquer produtor, Tolstoi manda bem nas captações e mixagens. As levadas funk das composições de Lenine, também foram bem tratadas, com a cozinha recebendo o devido destaque. Ao longo do disco, Tolstoi utiliza-se de filtros diversos, delays, compressores e reverbs bem dosados, sem a crueza patética de alguns discos indies e sem a plastificação de magazine de alguns discos atuais da MPB.

Os destaque ficam por conta das faixas “Martelo Bigorna”; “A Mancha”, com excelente letra de Lula Queiroga; “O céu é muito”, “É fogo”, tremenda levada; “Ciranda praieira”, extremamente climática, com intervenções, ruídos e efeitos de whammi na guitarra de Jr. Tolstoi; e a excelente “Excesso exceto” , o casamento perfeito entre o peso e a leveza, uma das poucas letras em que Arnaldo Antunes se livra do marasmo eterno do seu eterno nominalismo. Esse é um disco raro em meio a tanta porcaria lançada no mercado, visando as vendas de fim de ano.

sábado, 13 de dezembro de 2008



Achados e Perdidos
Sambrasa Trio
Em som maior

Esse é um disco único por vários motivos. É o único disco do trio. É o primeiro registro sonoro de Hermeto Pascoal como band lead. Esse disco é único por que tem um registro todo especial, que é uma música de Hermeto Pascoal e outra de José Neto, seu irmão. Além disso, esse é o disco em que é possível perceber o ponto exato em que Hermeto Pascoal começa a abrir as asas para vôos mais altos, dentro de um estilo próprio.

Sambrasa Trio faz parte da chamada onda jazz samba, uma fusão sonora dos fins da década de 50 e inícios da década de 60 do século XX. Tendo a bossa nova como referência e o predomínio do piano, com harmonias e improvisos jazzísticos sobre uma base rítmica brasileira, o jazz samba sofria influências diretas do be bop, do hard bop, do cool jazz e alguns lampejos da música modal. Além, é claro, do chorinho e do samba.

Dentro de um panorama contemporâneo o samba jazz estava além do tradicional, que eram aqueles arranjos orquestrais ainda dentro dos parâmetros estéticos do swing, pois já apresentava encadeamentos harmônicos dissonantes e linhas de improvisação mais complexas. No entanto, o samba jazz estava aquém das experiências de vanguardas da música concreta, do minimalismo, do abstracionismo e do free jazz, que exploravam a atonalidade, os fragmentos harmônicos, os ruídos e as intervenções diversas.

O disco “Em Som Maior” foi gravado em 1965, mas ainda sofria o clima de efervescência cultural brasileira da era JK, com as projeções do cinema novo, o respaldo literário de Guimarães Rosa e a quebra de fronteiras da bossa nova. São os últimos resquícios desse clima de festa e realização, pois já era o governo de Castelo Branco e os horrores da ditadura militar já maquinavam os seus aniquilamentos materiais e imateriais, logo em breve a repressão criminosa estaria nas ruas, nos corações e nas cabeças.

Como Hermeto Pascoal, Airton Moreira e Humberto Cleyber, existiam inúmeros músicos brasileiros de altíssimo nível que tinham as casas noturnas de São Paulo e Rio de Janeiro como o espaço sagrado para o desenvolvimento da música instrumental brasileira. Artistas como Eumir Deodato, César Camargo Mariano, Amilton Godoy, Sérgio Mendes, Paulinho da Costa, Raul de Sousa, João Donato, Heraldo do Monte, Théo de Barros, e tantos outros, sobreviviam de pequenos cachês das casas noturnas, nutrindo a esperança de um lugar ao sol, ou à lua, o que era mais coerente. Quase todos foram embora do país e retornaram com nome internacional.

A fórmula do trio já era bem experimentada, entre os mais famosos estão o Zimbo Trio e o Tamba Trio. Airton Moreira e Humberto Cleyber já haviam formado o Sambalanço Trio, com César Camargo Mariano ao piano. Mas foi com essa formação, com Hermeto, que o som ficou mais diferente do que o usual nessas formações. Além de piano, Hermeto tocou flauta, já com uma embocadura fora dos padrões brasileiros. Cleyber, além de baixo acústico, tocou também harmônica, fazendo dueto com Hermeto na música “Lamento Sertanejo”. Airton Moreira tocou bateria com uma pegada bem distante do normal dessas formações, ele tocou com força e peso, usando aros, ferragens e o corpo da bateria para tirar sons.

O destaque do disco é a pegada do trio, nada conservadora, nem nos improvisos e nem no volume. A música mais parecida com a estética típica dessas formações é “Duas Contas”, com arranjo bem cool jazz. Fora isso, o que se escuta é uma pegada visceral, malandra, noturna, com um peso bem próximo das incursões fusion do jazz de vanguarda. A concepção harmônica de Hermeto Pascoal já está aqui, de forma embrionária. As melhores músicas são as de autoria dos integrantes do trio. Esse é um disco que não envelheceu, tronou-se uma referência obrigatória.

Victor Jara

Quantas paixões as asas negras da morte simularam transportar. Mas não era nada, não era paixão, não eram revoluções sobre o solo da América Latina. Apenas o sangue derramado, o ar sufocado, o corpo destroçado. Não eram sonhos e desejos, era a violenta extração dos campos rumando em estradas cangaceiras indo às margens das valas negras que escorrem a miséria contínua da vida urbana.

Victor Jara era filho de camponeses chilenos. O pai no eito da labuta sem progresso e a mãe uma artista que elevava as almas em velórios. Seu pai Manuel bebia cada vez mais e sua mãe Amanda no conflito para criar sete filhos. Amanda vai com os filhos para a capital. Victor começa estudar no Liceu Católico e aí o mais fantástico das asas negras da América Latina.

Victor Jara, por incrível que parece se politiza no movimento Ação Católica, seguindo as diretrizes de Pio XI que pensava ampliar a influência católica. Victor era um artista sensível ao cruento mundo dos latifundiários chilenos. Excelente compositor e cantor, ator, diretor de teatro. Morre Amanda de um infarto agudo do miocárdio e Victor se enclausura no Seminario Redentorista San Bernardo. Segue a disciplina, abandona a vida monástica, mas serve ao exército chileno.

Eis um homem de seu país, de sua pátria de suas crenças e de suas raízes. E, no entanto, pela sua sensibilidade social, pela sua música de protesto ao estabelecimento do que se julga inamovível. Victor é uma personagem mundial. O mais importante de todas as coisas para a juventude.

A qualidade não é uma forma. A estética não é uma moda. A qualidade da arte é o que ela diz das grandes questões do surgir, do permanecer, do ir-se e do voltar-se da humanidade. Diz deste movimento que tem conteúdo e o conteúdo, não se enganem, é a voz do povo, o folclore, os hábitos, suas construções entranhadas na trajetória mais ampla do movimento da história.
E foi nas raízes do povo chileno e não no Americano ou Europeu, nem na grande indústria cultural que a juventude chilena fez de sua música uma das maiores expressões dos anos 60 e 70. Violeta Parra, Victor Jara, Los Jaivas e tendo o fluir telúrico do poeta maior: Pablo Neruda.

Por isso é que a morte não pode retornar-se camuflada, com seus dentes envenenados, sob a forma de um preconceito doentio, de um pedantismo cultural, de um ódio contra os efeitos da pobreza como se nela estivesse a causa. Victor Jara perdeu o emprego na universidade, foi perseguido, e o foi por este mesmo ódio contra as formas emanentes e remanescentes de nossa alma: os Aimarás da Bolívia, os Quéchuas do Peru, do canto Mapuche. O ódio à demarcação das reservas indígenas brasileiras.

Não meu coração. A resistência não se encontra nestes fedegosos na alma, que habitam os bares das “calles mojadas”, nalguma Aldeota, uma esquina do Leblon com Ipanema. As cascas de uma alma vazia. Falam inglês, se assustam com a crise, pois não podem se usufruir do “sale” e “off price” das ruas de Nova Iorque. Numa recepção vip do show de Madona. Era Victor, o cantor se engajou na campanha de Salvador Allende. No dia do golpe militar, Victor Jara seguiu para a Universidade. Enquanto o palácio de La Moneda era bombardeado, os estudantes resistiam entre os prédios das faculdades. Todos foram aprisionados e levado para o Estádio Nacional.

Victor Jara, foi torturado por quatro dias. Um oficial que assomou o ódio de seu fascismo pediu a primazia da tortura ao artista e gritou: canta agora seu filho da puta! Ele cantou, no limites de sua força, o hino da Unidade Popular e em seguida foi morto. Seu corpo foi achado com ajuda de um jovem do partido comunista entre tantos outros no necrotério de Santiago.

Por José do Vale Pinheiro

Discografia

Discos de estúdio

1967: Víctor Jara

1967: Víctor Jara

1968: Canciones Folclóricas de América

1969: Pongo en Tus Manos Abiertas

1970: Canto Libre

1971: El Derecho de Vivir en Paz

1972: La Población

1973: Canto por Travesura

Discos ao vivo

1978: El Recital

1996: Víctor Jara en México

1996: Víctor Jara Habla y Canta

Edições póstumas

1974: Víctor Jara / Manifiesto

1975: Víctor Jara. Presente

1975: Víctor Jara. últimas Canciones

1979: Víctor Jara

1984: An Unfinished Song

1992: Todo Víctor Jara

1997: Víctor Jara Presente. colección “Haciendo Historia”

2001: Víctor Jara

2001: Pongo en tus manos abiertas

2001: El derecho de vivir en paz

2001: Víctor Jara habla y canta

2001: La Población

2001: Canto por travesura

2001: Manifiesto

2001: Antología musical

2001: 1959-1969

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


Madonna no Brasil
A Volta do Simulacro

A cultura pop é uma imensa rede de esgotos que retroalimenta, através da reificação do inútil e do efêmero, o panteão das imbecilidades do mundo contemporâneo. Um dos maiores ícones dessa putrefação ence-fálica a céu aberto é Madonna, que volta ao Brasil depois de quinze anos, com a bunda sentada em uma lista patética de exigências e a vagina aberta por sobre um circo tecnológico capaz de fornicar a idiotice de sua platéia por cerca de duas horas e parir milhões de dólares em poucos segundos.

Alguns a chamam de diva. Outros dizem que ela é a musa do pop. Mas de fato o que ela é na realidade é uma cantora de quinta categoria com embalagem midiática típica das propagandas de quinquilharias eletrônicas japonesas, sempre prontas e predestinadas a serem falsificadas na China, sem dúvidas. Mas essa parte ela segue como um sacramento, com postura de um fanático, desses que se encontra em qualquer templo. Madonna se falsifica a cada disco lançado, a cada show estrelado. Ela é o simulacro do simulacro, em plena propriedade do pastiche, desde seu primeiro ganido entendido como canto.

Mas ela não está só, a sua espécie se reproduz assustadoramente. Com ingressos que vão de 180 a 600 reais, fora da indústria dos cambistas, existem pessoas acampadas para comprá-los. O que é natural em um país em que Caetano Veloso, um dos monumentos culturais brasileiros, após ter excursionado ao lado de Roberto Carlos Brega, afirmar categoricamente, em um ciclo de palestras sobre a cultura brasileira promovida pela Folha de São Paulo, que a banda Calypso revolucionou o pop brasileiro.

De fato, esse é o momento do monumento, tão sólido quanto dolente, tão duradouro quanto uma pedra de crack. Essa é a retroalimentação da barbárie cultural high-tech. Monumentos copulam monumentos e procriam monumentozinhos tarados, pervertidos, esquizofrênicos, com transtornos de personalidades, deslumbrados com o número de acessos e comentários ou preocupados com a pirataria cultural. Em sua lista de exigências, Madonna dá o ar inequívoco de sua religiosidade contemporânea ao colocar em um pedestal existencial o assento do aparelho sanitário. Esse é, sem dúvidas, o maior monumento contemporâneo.

Ela exige que todos os assentos sejam novos e avisa que, depois de usados, eles serão levados por sua equipe. Isso é o que se chama de bagagem cultural do mundo pop, a cagada monumental. O assento do vaso sanitário deixa vestígios da nossa reles condição humana. Mitografando então o assento, o cu passa a ser, apenas, uma possibilidade do plausível, o que transforma de imediato a bosta em objeto de tese das linhagens científicas, religiosas e sentimentais, conservadoras ou progressistas. Eis Madonna em seu sagrado quarto de despejo, elaborando artísticas conjecturas de esterco.

Até nisso Madonna é perfeita. Ao mesmo tempo em que ela não quer deixar vestígios de sua verdadeira obra, levando consigo os assentos sanitários e derivados, ela exige que em sua passagem pelo Brasil, apenas 13 pessoas podem dirigir palavras a ela, ou seja, só ela tem o direito de falar suas merdas monumentais em terras brasileiras, com direito a deixar vestígios nas paredes e no ventilador. O público adora, pois isso é o que o retroalimenta, uma vez que não existe continência maior em consumir simulacros do que venerar o próprio excremento.

A produção anunciou a mais perfeita parafernália tecnológica, com luz e palco cinematográficos. Um luxo! Um arraso de espetáculo! Tudo perfeito para ser consumido e esquecido na primeira ida ao trono maior. Enquanto isso a água de Madonna vem de Israel e as carnes de ruminantes que irão produzir gases pop em suas entranhas virão de New York e Londres. Os carros que irão transportar a velha rainha do brega, vêm da Alemanha, são todos da montadora Audi. Já a demência que irá pular e gritar nos shows é toda daqui mesmo. Literalmente brasileira, monumentalmente cagada e cuspida.