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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009



Achados e perdidos


Carlos Santana & Buddy Miles! Live!
Um vulcão psicodélico

As bandas do início dos anos 70 tinham uma característica de longas improvisações nas músicas durante os shows. Geralmente o clima de criatividade se alongava por vários e vários minutos. Muitos shows tinham um repertório extremamente reduzido, alguns chegando ao absurdo de quatro músicas, devido aos longos improvisos. Nem sempre o resultado era agradável. O que não é de forma nenhuma o caso desse show de Santana e Miles.

No final dos anos 60 e início dos 70 os festivais eram a grande moda, eventos que reuniam milhares de pessoas e uma gama de atrações. O Summer Festival, acontecido em janeiro de 1972, em Diamond Head, uma cratera de um extinto vulcão, em Honolulu, Havaí, entrou definitivamente para a história após o registro em vinil do show de Santana e Miles, que recebeu o subtítulo de “Energy for the universe from the Center of a volcano”. De fato, a energia desse disco é qualquer coisa do outro mundo. É acachapante.

Santana tinha se projetado para o mundo todo após o festival de Woodstock. A mistura sonora da sua banda, que fazia um rock misturado ao blues, ao funk, ao swing das percussões latinas e aos elementos psicodélicos da cena californiana, tinha o respeito da crítica e vendia milhões de discos. Buddy Miles era figura constante dos movimentos negros e tinha em seu currículo, além dos seus trabalhos solos, a participação na cultuada Eletric Flag e na mais cultuada ainda Band of the Gypses de Jimmy Hendrix. Esse projeto de tocar juntos não tinha a menor chance de dar errado.

A formação da banda tinha duas guitarras, uma com Carlos Santana e outra com Neal Schon; tinha duas baterias, uma com Buddy Miles e a outra com Greg Errico; Ron Johnson no baixo; Robert Hogins no órgão; Luis Gasca no trompete; Hadley Caliman no sax e flauta; e a incendiária trupe da percussão Coke Scovedo nos timbales, Victor Pantoja, James Mingo Lewis e Michael Carabello nas congas e outros instrumentos. Todos os vocais principais ficaram por conta de Buddy Miles e suas interpretações bem particulares.

O disco abre com “Marbles”, uma composição de J. Mclauglin, com um linha de órgão abrindo os trabalhos, mostrando logo de cara o swing da banda. Nessa faixa Santana faz um solo dentro do seu estilo, com muito sentimento, escalas pentatônicas, bends aloprados, texturas inusitadas de wha e volume ensurdecedor. Sem intervalos a banda passa para “Lava”, o swing é mantido e Santana continua solando alucinadamente. O que eu acho incrível em Santana é a capacidade dele mudar de timbre em um mesmo solo, explorando todas as cores do grave e do agudo.

Na seqüência vem “Evil Ways”, clássico de Santana, com direito a levada mais acelerada, vocal inflamado, percussão de palmas, grande solo de órgão, solo modal de sax inspiradíssimo, um solo de trompete virtuoso e naipe de metais. Essa versão acabou se tornando um clássico do clássico. Depois de uma convenção meio embolada das duas baterias, a banda entra em “Faith Interlude”, um clima de percussão e vocal inflamado, preparando para “Then Changes”, sucesso de Buddy Miles, em uma de suas versões mais legais. É impossível alguém ficar apático a esse swing. Simplesmente demais. O solo de Santana nessa música é cheio de fuzz e levadas de wha.

O disco fecha com uma longa improvisação de vinte e quatro minutos na música “Free form funkafide filth”. Essa faixa condensa todo o psicodelismo do período, com sons experimentais e liberdade de criação. Os solos de Santana revelam toda a sua investida na busca espiritual oriental, que tinha como parceiro de viagem Mclaughlin, George Harrison e tantos outros. O solo de sax dessa faixa também é uma viagem e tanto. Essa música é para ser detonada em volume máximo, no 11, sem a menor piedade. Esse disco é um grande achado. Não perca a oportunidade de escutá-lo.


Clássicos



Inner Mouting Flame – Mahavishnu Orchestra
Uma viagem sonora e espiritual

No início dos anos 70 existia uma tendência natural entre a maioria dos jovens de quebrar barreiras, de desencanar fronteiras, de provocar misturas e ridicularizar preconceitos. Também existia uma onda revolucionária na política, marcada por grandes conflitos internacionais. A economia estava em crise, devido à alta do petróleo. Havia também um encanto ingênuo com a indústria pop, viabilizada pelo excesso de exposição facilitado pelo avanço da mídia e pela conquista de mercados através de vendas exorbitantes para o momento. Em contra ponto a essa tensão gerada por esses fenômenos, surgia também uma busca espiritual gerada pelo fascínio das filosofias orientais, além de um fortalecido movimento em defesa e preservação do meio ambiente. A Mahavishnu Orchestra é uma mistura de tudo isso, com uma desconcertante legitimidade.

A formação essencialmente elétrica dessa super banda fazia parte de um processo de radicalização musical frente ao purismo cultural do jazz, que não admitia fusões e nem amplificações, dirá distorções. A Mahavishnu seguia a trilha aberta por artistas como Miles Davis, Weather Report, Frank Zappa, Lifetime, Colosseum e outros, através da fusão do jazz a outros gêneros, como o rock, o blues, o soul, o clássico e a música de vanguarda, além de outros inúmeros elementos estéticos. A ordem era misturar sem constrangimentos ou barreiras. Obviamente a indústria cultural agradecia e apoiava todas as experimentações, o que representava para ela carne fresca no mercado. Tanto é que “Inner Mounting Flame atingiu o décimo primeiro posto da parada da Billboard. Uma verdadeira façanha para a música instrumental. Para os artistas era a fama e a fortuna.

Em meio às experimentações da música de vanguarda clássica, ao free jazz, ao glam rock, ao rock progressivo, aos proto-punks e ao apelo venal da música pop, aparece o jazz fusion da Mahavishnu Orchestra, tocado em volume extremo, através de uma agressividade complexa, cheia de texturas, virtuosismos, improvisações, atitude pop, técnica, estética e muita competência criativa. A própria formação da banda já era a alegoria da quebra de barreiras, todos da formação original, iniciada exatamente nesse disco, são de países diferentes. A idéia era fazer mesmo um som universal, que congregasse inúmeras linguagens, misturando tensão e relaxamento, a partir de uma visão musical sem fronteiras, o que você vai encontrar no primeiro disco da banda "Inner Mouting Flame".

O líder da banda, o impossível e iluminado guitarrista John McLaughlin vinha da Inglaterra. O visceral e pesado baterista Billy Cobham é panamenho. O violinista Jerry Goodmam, ex-membro da lendária banda de jazz-rock The Flock, é americano, dono de um vocabulário que abrange do clássico ao folk, do rock ao experimentalismo. O hiper elétrico e eletrônico tecladista Jan Hammer é theco. O reservado baixista Rick Laird é irlandês. Todos eles com currículos extremamente respeitados. Juntos eles protagonizaram shows lendários e incendiários, como também deixaram um verdadeiro legado musical de originalidade, talento e competência. Um deles é “Inner Mounting Flame”.

O disco foi lançado em 1971, com produção de John McLaughlin e trabalhos de engenharia por Don Puluse. “Inner Mounting Flame” tem som na cara em altíssimo volume, destacando o timbre distorcido de válvulas fritando da guitarra de corpo sólido - double neck SG, da Gibson - de Mclaughlin, contrariando a mesmice cansativa dos timbres limpos de guitarras acústicas jumbo com chorus leve e amplificadores politone da maioria dos guitarristas de jazz tradicional. A mixagem também destaca o som pesado da bateria de Billy Cobham, que tem uma pegada diametralmente oposta àquela dos bateristas de jazz tradicional, que pedem desculpas por tocarem seus instrumentos.

O disco abre em grande estilo com “Meeting of the spirits”, um dos clássicos do jazz-rock, com riff poderoso de guitarra e violino,convenções, mudanças de andamento e passagens climáticas de tirar o fôlego. A improvisação de guitarra dessa faixa é simplesmente espetacular. “Dawn” é uma balada cheia de carisma, conduzida inicialmente pelos acordes invertidos de Jan Hammer e pelo violino melódico de Jerry Goodmam, logo seguido por um solo de timbre abafado de Mclaughlin, que leva a uma mudança de andamento e um instigante improviso de violino, com volta final para o tema.

“Noonward race” começa com um duelo de guitarra e bateria incendiário e delirante, peso total. Depois que a banda entra no tema você se depara com um impressionante solo de violino com mutron. Essa faixa é para detonar os alto-falantes disponíveis e indisponíveis. O solo de piano eletronicamente modificado de Jan Hammer é outra pérola. Os improvisos seguidos assumem um nítido clima de palco, com gravação ao vivo. Essa faixa é arrasadora. “A lótus on irish streams” é uma viagem espiritual, calma, exotérica e acústica, com melodia inspirada.

“Vital transformation” começa com um groove poderoso de bateria, Billy Cobham detonando em sua bateria de peças acrílicas. Depois o tema segue caminhos mágicos, com passagens climáticas. Depois disso é improvisação espetacular de guitarra e mais guitarra. A força de improvisação de Mclaughling é capaz de quebrar as moléculas existentes na sala. “The dance of maya” é um dos maiores clássicos de todos os tempos do jazz-rock. Essa faixa tem um clima épico, com harmonia circular, mudanças de andamentos inusitadas e improvisações históricas e uma arrebatadora levada blues sem precedentes. Faixa obrigatória para qualquer um peduvido esperto.

“You know, you know” também tem o mesmo clima de encantamento da faixa anterior. Começa lentamente, com a exposição do tema, vai ganhando volume e corpo aos poucos. É a mais climática do disco. “Awakening” fecha o disco da mesma forma que ele foi aberto, com um som magistral, com um peso instrumental extremamente visceral, com convenções espetaculares e escalas rápidas, todo mundo tocando junto. Depois abre para os improvisos massacrantes. É também uma faixa para detonar a parede do vizinho. Essa música é rápida o bastante para criar em suspense as expectativas para o próximo disco da banda.

“Inner Mounting Flame” é simplesmente imperdível. Ouvindo esse disco você vai descobrir as inúmeras chupadas descaradas de alguns “virtuoses” contemporâneos. Não vacile. Vá direto para a audição.

http://www.torrentreactor.net/torrents/933136/The-Mahavishnu-Orchestra-with-John-Mclaughlin-The-Inner-Mounting-Flame-(MFSL)-P-1971(Pugz-256k-mp3)

Clássicos

Bone Machine – Tom Waits
O existencialismo surreal de um trovador

Alguns o rotulam como experimentalista, outros o tratam como maldito e alguns fazem referências reservadas à sua relação estreita com o bizarro e o grotesco, como se fora fruto de uma mente atormentada. Muitos dão às costas à sua estética musical, fugindo dela como os cães fogem das entidades soturnas da noite. Já outros percebem o poder das suas letras e das suas composições, que funcionam como toras de madeira que flutuam ofertadas após um naufrágio trágico. No entanto, poucos têm a devoção que eu tenho por Tom Waits e seu universo existencialista e surreal, enquanto que sagrado e profano.

Realmente não é uma experiência comum ouvir Tom Waits. Sua figura em palco também não é menos estranha. Suas letras extrapolam de todas as formas o tradicional e as receitas de flatulências fartas do mundo pop. Sua voz... Sua voz?! Bem, sua voz é simplesmente um instrumento de travessia entre as dimensões da vida e da morte. Ela é rouca, áspera, grave, soturna, contundente, misteriosa, cínica, irônica, confessional, lírica, sentimental, estratosférica e esquisitamente poderosa em seu encantamento de tudo aquilo que respira e vibra, mesmo que de vidro, de aço, de plástico, de carne, sangue e ossos.

O muro para Tom Waits pode representar uma clausura enquanto fechado em seus fetiches pós-modernistas ou uma libertação enquanto destronado pelas alternativas de convivência com o decadente e ilusório, que se tornou o mundo da alta tecnologia, com suas exclusões clássicas, suas mercadorias, seus consumos e seus acúmulos de lucros. Mas nunca representa para ele o lugar ideal para sentar a bunda e ficar apreciando a paisagem de aniquilamento, com a baba descendo pelo canto da boca. Por isso que ele é infinitamente radical. Por isso que a sua alma é habitada por subúrbios, por trilhos de metrô que se cruzam em uma malha subterrânea, por transeuntes maculados pela vida, que desafogam ou afogam suas mágoas em templos, em infernos ou em bares enfumaçados.

Tom Waits nunca gasta por conta. Sua música é minimalista em seu instrumental, mas transborda elementos em seu entrelaçamento estético. É possível escutar em suas composições traços do blues, do gospel, do rock, da música de cabaré, do jazz, da vanguarda, das trilhas de filmes e de teatro, entre outros itens mais exóticos como o tribalismo e os ruídos. Suas letras são existenciais, com traços fortes do surrealismo, além de um vasto rebotalho urbano, em que a vida, a morte, as demências, os assassinatos, as prostitutas, o amor e o esplendor vivenciados nos cantos e recantos das metrópoles são abordados com freqüência. O olhar de Tom Waits é povoado por ruas, avenidas, pontes, viadutos, carros, vitrines, prédios, terrenos baldios, lixos e mais lixos, vez ou outra parques, além do ser humano em suas mais variadas vertentes, com ou sem segredos.

“Bone Machine” é o décimo quarto disco de Tom Waits, realizado em 1992, pela Island Records. Esse é um disco referencial em sua carreira, não só pelos prêmios arrebatados e pelo deslumbramento da crítica especializada do mundo todo, mas também pela preservação da ousadia sonora e pela liberdade de criação. O disco foi gravado em uma sala de cimento cru, provedora de uma rica textura de ecos sutis, do Prairie Sun Recording studios, na California. A instrumentação, orquestração e arranjos são tão bizarros quanto às temáticas das composições, algumas já clássicas do cancioneiro alternativo internacional. A crítica alardeou as participações de Les Claypool, do Primus, e de Keith Richards, dos Stones. No entanto, elas passam apenas a fazer parte de um universo particular do autor, sem a menor chance de roubarem a cena ou qualquer coisa que o valha.

As dissonâncias permanecem, bem como um certo ar teatral das interpretações. As percussões metálicas povoam todo o disco, além de guitarras acústicas, distorcidas e com timbres inusitados, fazendo companhias a pianos e baixos acústicos encharcados de melancolia soturna. Vez ou outra aparece uma bateria pela metade. Esse é o mesmo caso de alguns sopros. A mixagem das músicas também preserva o estranhamento característico desse autor, que é um dos mais inquietos e radicais de todos os tempos. O resultado final é um dos discos mais importantes da cena contemporânea, simplesmente único. Prefiro não falar das faixas e mandá-los diretamente para a audição.

http://www.torrentreactor.net/find/tom-waits-bone-machine

terça-feira, 6 de janeiro de 2009


As Claras - Bá Freire
Música brasileira para brasileiros gringos

Um disco repleto de brasilidade e muito sentimento musical é o que você encontra em “Às Claras”, terceiro disco de Ba Freyre, esse paraibano de coração caririense e voz internacional. Dono de harmonias sofisticadas e melodias que extrapolam em sensibilidade, Ba reaparece em disco com a maturidade própria de quem está há muito tempo na estrada.

Ba tem uma ligação muito forte com o Cariri. Aqui ele fez parte da grande banda “Ases do Ritmo”, com uma formação inesquecível: Cleivan Paiva, Hugo Linard, Demontie de Lamone, Neno Batera, Fanca, Jairo Starkey e Bill Soares, que depois faria parte do “Papa Poluição”, lendária banda de rock-rural. Depois Ba liderou um dos grupos mais promissores da música nordestina daquele período: “Aves de Arribação”, participando com destaque em vários festivais.

O grupo contava então com essa formação: Ba Freyre; Cleivan Paiva; Izanio Santos, que também fez parte do “Ases do Ritmo”,; Demontier de Lamone; e Tapioca (Audizio Gomes), também conhecido como Audizinho, que também fez parte dos Ases do Ritmo e do grupo “Nessa Hora”, que acompanhava Abidoral Jamacaru.Depois de conseguir ganhar prestígio no meio artístico de São Paulo, o grupo acabou se desfazendo e cada um seguiu seu caminho artístico.

Ba lançou seu primeiro disco, “Nação Cariri”, depois de desenvolver uma sólida carreira de shows e parcerias importantes em São Paulo, como Tom Zé e Zeca Bahia. Como todos de sua geração, sofreu na pele a imensa dificuldade para lançar o trabalho em vinil, pois o mercado era extremamente fechado e os custos eram exorbitantes. Mesmo assim lançou esse disco com composições com o seu parceiro maior Rosemberg Cariry.

Depois de muitas andanças Ba viaja para Israel e lá consegue se destacar em diversos festivais de jazz, devido à sua forte formação musical brasileira. Lá ele formou sua banda e fez carreira reconhecida nacionalmente naquele país e lançou seu segundo disco, sendo esse ao vivo. Já com um nome feito e uma reputação de cantor e compositor de latin jazz, Ba Freyre desenvolveu sua carreira pela Europa, participando de vários festivais, chegando a abrir um show de Gal Costa.

“Às Claras” é uma espécie de balanço geral de todas essas experiências. É um disco que tem bossa, samba, xote, bolero, funk e baladas, além da étnica “Bahia Lugar de Amor”, faixa que fecha o disco, apontando para uma mistura de ritmos e culturas. Todas as faixas do disco respiram, inspiram e transpiram a brasilidade musical de Ba Freyre, formado na escola nordestina de Luiz Gonzaga e Hermeto Pascoal, bem como no delírio harmônico da bossa-nova. O disco conta com o apoio dos músicos Ítalo Almeida, teclados e arranjos; Cainã Cavalcante, violões, guitarras, cavaquinhos e violas; e Miguéias de Sousa, baixo.

Os destaques vão para as faixas “Acender”, um sambossa de harmonia elegante e melodia sofisticada; “O canto da volta”, um baião irresistível, cheio de manhas e malandragens de quem conhece esse ritmo com identidade legítima; “Toma lá dá cá”, um sambafunk com groove classudo, cheio de grife brasileira; “Deusa do Oriente”, uma pegada étnica com swuingue policultural, com ecos da África e de Cuba; “Céu da boca”, uma parceria minha e dele, nascida na mansidão do Parque Ibirapuera, de São Paulo, em uma tarde inesquecível: pelas cores, pelos brilhos, pela viagem, e pela amizade selada em grande harmonia.

“Flor da Magia” é uma faixa que merece destaque especial, pela sua harmonia e pela sua melodia, além da interpretação inspirada de Ba Freyre. A letra é de Zeca Bahia, autor de várias músicas inesquecíveis, como “Porto Solidão”. O tratamento acústico dado a essa composição faz dela uma das grandes canções de 2008. Essa é uma grande composição, rara em nosso cenário atual e que confirma o talento nato de compositor desse paraibano de Souza. Além de todo esse talento indiscutível, Ba é um músico extremamente moderno e um cantor de mão-cheia, com uma afinação perfeita e um timbre de voz que recebeu com agrado a generosidade do tempo. É com uma satisfação imensa que eu digo: que bom rever você meu amigo!

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009


Cabelos de Sansão – Tiago Araripe
A força continua presente

Ontem, dia 04 de janeiro de 09, foi o lançamento do cd remasterizado “Cabelos de Sansão”, de Tiago Araripe, editado pelo selo Saravá, de Zeca Baleiro. O palco escolhido foi o do teatro do Sesc em Crato. Foi um dia para rever amigos e relembrar momentos importantes de minha trajetória em São Paulo, na qual vivenciei todo o período de efervescência cultural da Lira Paulistana, em que esse trabalho de Tiago está inserido.

No início dos anos 80 a cidade de São Paulo foi arrebatada por uma cena artística musical revolucionária, com as tendências independentes apresentando suas alternativas de criação e difusão, enquanto que o esquemão apostava suas fichas na rebeldia fake do chamado brock e no pastiche pop da sonoridade plastificada dos Olivetes e Massadas da vida. Eram tempos de crise e de esperança, pois prenunciava no horizonte a concretização do fim da criminosa ditadura militar.

Além dos chavões de praxe, nomes como Ritchie; Itamar Assumpção; Absynto; Grupo Um; Radio Táxi; Aguilar e Banda Performática; Marquinhos Moura; Arrigo Barnabé; Tiago Araripe; Tetê Spíndola; Eliete Negreiros; Pé Ante Pé; Rumo; Premê; Língua de Trapo; RPM; Rosangela; Jessé; e tantos outros tragáveis e intragáveis dividiam inusitadamente o mesmo tanto que extremadamente as atenções e as intenções. Aparentemente havia espaço para todos, no entanto os independentes conquistavam terreno com unhas e dentes.

Para mim foi um momento de grandes descobertas e muito dinamismo. Por minha conta eu misturava, a partir de um radicalismo jamais repetido, Derrida e Lacan com Leonardo Boff e Ariano Suassuna; Zappa e Sun Ra com João do Vale e Elomar; Foucoult e Barthes com Leminsk e Mautner; Husker Dü e Sonic Youth com Medusa e Tiago Araripe; além de outras receitas mais insondáveis envolvendo de Blavatsky a Heisenberg, de Walter Smetack a Terj Rypdal. Tudo isso relembrado em lampejos, ouvindo Tiago Araripe falar mansamente sobre a sua trajetória em São Paulo e a concepção desse grande disco.

O LP foi lançado em 1982 e o cd remasterizado foi lançado no início de 2008. Só agora, no início de 2009 eu tive a oportunidade de colocar as mãos, os ouvidos, a alma e a mente sobre essa sonoridade, agora entendida por mim como transcendental, devido a tantos portais abertos e reabertos por esse autor que sempre esteve para mim tão próximo e tão anonimamente íntimo, seja através do Papa Poluição, que tive a oportunidade de assistir em Fortaleza e Recife, ou seja através das citações carinhosas e inúmeras dos seus companheiros Beto Carrera e Bill Soares, com quem convivi intensamente durante a montagem do show “Notícias Populares”, de Bá Freire.

O tratamento dado ao disco pelo selo de Zeca Baleiro é de uma elegância ímpar. São visíveis o carinho e o respeito ali depositados. Revisitar esse disco depois de tanto tempo, mais de vinte anos, é confirmar que os anos 80 deram frutos saborosos para quem soube enxergar. O disco é absurdamente atual, inclusive em seu senso de humor, como em Meg Magia, por exemplo, uma deliciosa crônica existencial. A musicalidade da banda Sexo dos Anjos permite a longevidade da estética de colagens de Cabelos de Sansão, bem como a lírica epicizante de Tiago garantem um perfeito senso de orientação entre tantas galáxias e nebulosas.

Quando eu ouvi pela primeira vez, no rádio, a música Coração Cometa, anunciada por Maurício Kubrusly, em um programa que ele tinha numa das rádios Fm de São Paulo, – que não lembro qual e nem o nome do programa – em que ele apresentava raridades e novidades, bem como os independentes, eu senti que naquela voz existia uma força criativa sendo trabalhada. Naquele momento eu senti uma grande satisfação e euforia por identificar ali o Crato e o Cariri. Essa sensação eu não havia sentido no show de lançamento e nem nos outros dois shows que eu assisti dele naquele período. O rádio tem essa magia.

Quando eu ouvi ontem Tiago cantando Cabelos de Sansão; Cine Cassino; Fios da Ligth; Estrela do Mar; Redemoinho e Asa Linda; eu senti que aquela força ainda estava ali, agora trabalhada e serena, convivendo equilibradamente entre o passado e o presente. Isso fez com que no palco brotassem novas flores e novos frutos em portais iridescentes, acomodados em uma áurea de sensatez e coerência contagiante. A busca espiritual tem essa magia.