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terça-feira, 12 de maio de 2009



Esqueça


Orquestra Imperial - Carnaval só ano que vem
Nem tudo o que balança é swing

O mercado fonográfico brasileiro é muito peculiar, às vezes brinca amadoristicamente de ser profissional e outras profissionalmente leva a sério ser amador. Esse é o caso da numerosa banda Cult Orquestra Imperial, que tem um magote de músicos da cena carioca, que nasceu com o intuito de “resgatar” a verdadeira essência cultural da gafieira e adjacências, mas que não passa de uma banda extrapolada demograficamente, que resolveu compor o seu próprio material, saindo do barzinho sem o barzinho sair dela.
Ao vivo e tocando o repertório dos outros essa banda é perfeita e com pouquíssimas cenas de canastrice musical. Em estúdio e tocando o próprio repertório a banda parece encenar um decadente teatro de revista, sem pique e sem a menor criatividade e isso é o que mais surpreende do que espanta, tendo como referência os inúmeros talentos envolvidos no projeto, que de início parecia despretensioso e que gora resolve entrar para o campo autoral. O disco “Carnaval só ano que vem”, é bem gravado, bem executado, mas é morno, extremamente morno. Sendo que em alguns momentos o disco se torna radicalmente careta.
A escolha da faixa de abertura, “O mar e o ar”, não poderia ter sido pior, com o desafinado Rodrigo Amarante cantando um samba canção sem a menor convicção de que um cantor não vive sem ser um ator musical. O xilofone e a guitarra havaiana ainda tentam dar um ar mágico às coisas do mar, sem que as ondas sirvam para surfar. A faixa dois, “Não foi em vão”, é um samba com um dos arranjos mais quadrados de metais da música popular brasileira, tão careta que chega a dar saudade de Lincon Olivetti. A faixa seguinte, “Ereção”, celebra o ambiente sensual dos bailes de gafieira e trata da ereção, tão comum nas danças coladas. A mídia amiga afirma que esse é o lado bem humorado da banda, mas que na realidade é a baba do babaca.

A faixa “Jardim de Alah” é um lenga lenga sem fim, é o jeito Rodrigo Amarante de cantar fazendo escola. A caretice dos metais prossegue em rota épica, ganhando os mares e os bares, com ar de fim de festa. A faixa seguinte, “Rui de mes souvenirs”, é uma espécie de bolero-bossa-samba cantado em francês, pense numa porcaria que não deveria ter entrado no repertório nem como faixa bônus. A saga dos metais argonautas continua, com notas alongadas e naufrágios aprofundados. A Orquestra tem inúmeros cantores e colocam logo Rodrigo Amarante para cantar uma rumba, que acabou transformando a música, “Yarusha Djaruba”, em um sonrisal dissolvido em uma cuba-libre, com rum do Paraguai.


A faixa seguinte, “Era bom”, é um sambão quadrado, pé-duro, guarda roupa de quitinete, com direito a todos os laraialás possíveis e imagináveis, bem como uma letra que mistura metalinguagem sobre as próprias raízes sambistas e sexo de quinta categoria. Os metais continuam reféns de arranjos dignos de Roberto Carlos se apresentado em um cassino do Panamá. A outra faixa, “Salamaleque”, é outro sambão quadrado, pé-duro, guarda roupa de quitinete, com direito à rima esperta de pileque com salamaleque, essa é dose de fubuia de renovação. Mas em se falando em letra tenebrosa, nada supera a poética ginasial de “Ela rebola”: “Ela rebola pra lá / ela rebola pra cá / mas pra mim bola ela não dá / ela rebola pra cá / ela rebola pra lá / mas bola pra mim eu sei que ela lalalah...” Essa babaquice monumental é de autoria de Jorge Mautner, que participa da última faixa do disco.

O disco se encaminha para o final com, “De um amor em paz”, outra música que deveria ter ficado de fora do repertório, outro lenga lenga sobre o amor, com os metais enchendo o saco com um arranjo de sinfonia para velório. Nina Becker não cante essa música mais nunca, pelo amor aos seus fãs. Só na última faixa, “Supermercado do amor”, é que a verdadeira Orquestra Imperial dá as caras, mas aí já é tarde e o baile está acabando e só resta pegar duas conduções de volta para casa, arrependido.

Provável formação:

THALMA DE FREITAS (voz) - NINA BECKER (voz) - MORENO VELOSO (percussão e voz) - RODRIGO AMARANTE (voz) - WILSON DAS NEVES (voz e percussões) - NELSON JACOBINA (guitarra e violão) - BARTOLO (guitarra) - PEDRO SÁ (guitarra) - RUBINHO JACOBINA (teclado) - BERNA CEPPAS (sintetizadores e percussão) & KASSIN (baixo) -.DOMENICO LACELOTTI (bateria) - STEPHANE SAN JUAN (percussão) - BODÃO (percussão) -.LEO MONTEIRO (percussão eletrônica) - FELIPE PINAUD (flauta) - MAX SETTE (trompete e flugelhorn) - BIDU CORDEIRO (trombone) - MAURO ZACHARIAS (trombonista)

segunda-feira, 11 de maio de 2009


Esqueça

Little Joy
Sonífero para cavalo

Através das esquinas que norteiam o chamado rock alternativo brasileiro é possível perceber que o pastiche e o simulacro dominam o que praticamente já nasceu dominado, com raríssimas exceções. Além da falta de originalidade e de talento, o que pesa ainda mais é a cara de pau de posar para imprensa como novidade. Esse é o caso do embrulho no estômago chamado Little Joy, liderado por Rodrigo Amarante, ex-Los Hermanos e Fabrizio Moretti, do The Strokes, que já nasceu possuído, com cara de ressaca e com o barulho de moedas velhas no bolso da calça.

Desde o último (?) lançamento do Jumbo Electro e de outras porcarias do gênero, eu não tinha escutado um disco tão ruim. Até parece que faz parte da estética indie não saber cantar e não saber tocar porra nenhuma. Mas a imprensa especializada em mercado adora esse ar blasé, essa melancolia de corno de balcão de bodega, essa sonolência de lombra de chá de zabumba, esse cheiro constante de merda sonora. O disco do Little Joy reinaugura a estética do entulho: só ocupa espaço e não serve para nada, nem mesmo para promoção dos dias dos namorados arrependidos de ter transformado um fica num problema.

Mas o último disco de estúdio dos Los Hermanos já anunciava o cansaço, o marasmo, a falta de criatividade da dupla de compositores da banda. É tanto que a ele se seguiram o horripilante ululante “Nós”, de Marcelo Camelo, e depois esse glorioso barbeador enferrujado, prostrado na margem direita do rio Tietê, que atende pelo singelo nome Little Joy (um trocadilho para pequeno prazer) engendrado nas entranhas da frieira mais macabra do dedo mínimo do pé esquerdo de Rodrigo Amarante e Fabrizio Moretti. Sem que a ficha tenha dado o ar da graça, eles, ainda como Los Hermanos, lançaram o pastelão da impostura, ao vivo, na Fundição Progresso.

O disco abre até com vontade de enganar o mais incauto dos desconfiados com a faixa “The next time around”, uma balada indecisa em ir para frente ou ir para trás, embalada com uma das letras mais babacas do disco. O clima retrô permanece na segunda faixa, “Brand new start”, uma das poucas que se salvam nessa inesquecível ruma de músicas ruins. “Play the part”, terceira faixa do disco, se supera em todos os sentidos: mal cantada, mal arranjada, mal tocada, melodia ridícula, letra imbecil, e o vocal de fundo... bem, o vocal de fundo é trágico, sem conseguir nenhuma raspa de comicidade. Essa faixa é só para quem segura o ovo esquerdo de Rodrigo e vigia o direito. Ruim é pouco.

“No ones better sake” é a única faixa que presta de verdade e tem uma pegada mais parecida com alguma coisa, mas nada que possa salvar a bruxinha se afogando. Logo em seguida o travesseiro definitivo é servido, uma obra prima de mediocridade. O famigerado vocal de fundo reaparece em “Unattainable”, cantada por Binki Shapiro, através da verdadeira fórmula do diazepan, e se prolonga em forma de anestesia para elefante na faixa seguinte, “Shoulder to shoulder”, que tem o solo de guitarra mais cretino do disco, e “With strangers”, que tenta parecer o lado imóvel do Los Hermanos. Aliás, dizer que existe alguma coisa musical nesse disco é muita generosidade. Little Joy é realmente pequeno e sem significado ou significante.

Já estamos na faixa oito do disco, “Keep me in mind”, e a cretinice se instala de vez. Essa faixa é um pastiche desacelerado dos Strokes, que vexame, que mico, justamente para quem já participou diretamente de dois dos maiores discos da história do rock brasileiro: “Bloco do eu sozinho” e “Ventura”. Não vou nem comentar a presença do músico Moretti, por que de fato ela não aconteceu, ainda mais com esse timbre ridículo de caixa e bumbo. Acho até que ele deveria ter arranjado algum tempo no Brazil e feito um curso intensivo com Pantico ou Pupilo.

Mas o pastiche continua na faixa seguinte, “How to hang a warhol”, em que parece que Juliann Casablancas, vocalista e líder dos Strokes, depois de tomar trezentas caipirinhas nos cabarés da Lapa, resolve dar uma canja.Binki Shapiro, namorada de Fabrizio e modelo profissional volta a atacar em, “Don`t watch me dancing”. Ao longo dessa cansativa audição, não sei se a banda tenta parecer Cat Power ou Cowboy Junkies, mas see que ela não conseguiu um mínimo de legitimidade. No entanto o tratamento mais radical contra a insônia só termina onze faixas depois, com “Evaporar”, um letárgico Rodrigo Amarante desfiando uma pífia filosofia sobre o tempo, que só faz reafirmar a certeza de que o primeiro disco do Little Joy é uma verdadeira perda de.

Eis os responsáveis:

Fab Moretti – guitarra / vocais
Binki Shapiro – vocais / teclados
Rodrigo Amarante – vocais / guitarra / teclados
Todd Dahlhoff - baixo
Noah Georgeson – guitarra / teclados

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009






Ick Thump – White Stripes
A excelência do som cru

Virtuosismo não existe no universo bizarro do White Stripes. Meg não toca porra nenhuma de bateria e Jack White engana direitinho na guitarra. Isso é o essencial. Esse é o segredo. Simplicidade e autenticidade. Se fosse o cuzão de David Weckel na bateria, não funcinava. Se fosse o debilóide Malmsteen (sei nem se é assim que se escreve, foda-se) também não funcionava. Tem que ser cru, só assim a verdadeira dimensão desse som aparece.

E digo mais, atitude, eis a questão. De que adiantam trezentas notas por segundo, quinhentos acordes complexos em um emaranhado cerebral de andamentos? No rock isso não funciona. O que vale é pegada e palco, sem parafernálias. O recado dado cuspido, em adrenalina ultra-exaltada. O exagero é parte da identificação. O nariz aponta por sobre os prédios e a nuvem suja de carbono e metais pesados. A agonia de estar vivo dentro de um ônibus transuburbano é o combustível da urgência.

Escute “Ick Thump” sem se preocupar com rótulos, isso fica para farmácia, que tem os genéricos em fila, ao lado das marcas de classe. É claro que é show busines, aqui não tem nenhum otário. É claro que existe uma força de mercado. Mas quem pode viver sem isso? Quem é seminal? Quem vive numa caverna que não seja digital? Aponte pelo menos um. A questão não é filosófica, é existencial, sem ser existencialista.

Meg é ex-esposa de Jack. Casaram-se em setembro de 1996 e separaram-se em 2000. E daí? Mege só usa dois pratos, caixa e bumbo. Tons, surdos e cimbals são terras estrangeiras para ela. E daí? O que importa é que ela toca alto, só perde o tempo de vez em quando. Jack White tem obsessão pelas válvulas e cordas de grosso calibre. O volume é estrondoroso. Ele só conhece as pentatônicas e algumas escalas de blues. E daí? O que vale é o conjunto da obra, estranha, escatológica, seminal, vindo diretamente das entranhas.

Para contrariedade geral dos puristas e das frescuras diversas, eles vendem assim mesmo e seu público não é formado por babacas universitários que se lombram o tempo inteiro. Eles estão fora da mesmice alternativa, nossa que nojo. A batida de Jack não é diretona, plein, plein, plein, plein até torrar o saco. Nem existe melancolia no olhar junkie de Meg. Esse é o sexto álbum dessa dupla, que segundo a crítica do primeiro, estaria fadada ao fracasso.

“Ick Thump” foi lançado em cd, em vinil 180 gramas (com tratamento hipnótico) e lançado em pen drive de 512 MB[8]. Há duas versões: uma retratando artisticamente Jack, e a outra retratando Meg. A produção será limitada a 3 333 unidades de cada um, já são raridades, disputadas à tapa. O álbum já vendeu milhões. E daí? O que importa é o som cru na caixa, fazendo o circuito integrado do seu som gozar de volume. Isso é energia pura.

Várias faixas merecem destaque, aliás o disco inteiro é maluco.”Ick Thump” é uma porrada de abertura, com Jack aloprando com o pedal Whammi, em oitavas alucinadas. O riff é estranho, parece uma gaita de foles, que é usada de verdade em outra faixa do disco. O timbre da guitarra nessa música demonstra o que você encontrará ao longo do disco inteiro. Timbres valvulados, gordos e cremosos, no talo. “300 M.P.H. Torrential Outpour” merece uma atenção especial, pela sua melodia delicada, em meio ao furacão geral do disco.

“Conquest” também já foi um hit em uma outra encarnação. Simplesmente demais. O seu senso de humor é fundamental. Sua passionalidade é pura adrenalina. Imperdível. Madonna deveria escutar todo dia, talvez ela apressasse a menor pausa e nos deixasse em paz de uma vez por todas. “Brone Broke” é um direto no fígado. Suja e bela. “Litle Cream Soda” já nasceu clássica. É porrada, velho. É de tirar o fôlego, guitarra detonada em grande estilo. “Rag and Bone” é a mais charmosa do disco, cheia de blues, etílica como devem ser todas essas referências. Também imperdível.

“A Marty for my Love for You” é o tipo de faixa que você escuta e não esquece mais. Tem uma introdução sombria de órgão e guitarra imperdível. O clima de badala caminha para uma segunda parte arrasadora. Essa é a sua trilha sonora para espantar o tédio. Você ainda tem “Catch Hell Blues” na manga para espantar aquela visita indesejada. Não morra antes de escutar “Ick Thump”, essa é uma obrigação. Essa é uma das poucas vezes em que o sistema chuta o próprio rabo.





Jorge Bem – África Brasil
Fusão acima de tudo

Antes mais nada, desculpem o hiato, um estio de postagens, pura falta de tempo. Falo com meus possíveis leitores. Rafael tem pelo uns vinte leitores. Caso eu tenha nenhum, não faz mal, eu escrevo defendendo o anonimato, essa referência obrigatória dos dias atuais...

Jorge Bem nunca foi uma unanimidade. Ainda bem. Sempre tentaram rotular sua música, nunca conseguiram, ainda bem. Quando ele apareceu com o seu primeirão: “Samba Esquema Novo”, ele foi acusado de ter traído o movimento eterno do samba. Ainda bem que ele traiu essa merda de movimento purista. Isso era 1963, ano de véspera do golpe militar, outra merda.

Ainda por quinze discos Jorge se manteria fiel ao violão. Mesmo sem agradar a gregos e troianos e sem amenizar a pecha de traidor do movimento. Ele sempre foi acusado de ser alienado ou até mesmo alienígena, em terras de resistência pura aos anos de chumbo. É verdade que os vendidos ao sistema existiam de ruma e magote. Não era o seu caso, que seguia, nem sempre em paz, em sua auto-missão de procurar novos rumos para a fatídica música popular brasileira. Mais conhecido lá fora do aqui. Mais respeitado lá fora do que aqui.

Na realidade “aqui” é uma cesta cheia de pequi, em que a mídia se encarrega de mitificar o mais do mesmo, em que os diferentes se esforçam para não caírem na marginalia geral da ignorância cultural. Só em seu décimo sexto disco é que Jorge Ben resolve plugar sua guitarra, ainda bem. O resultado é um brado mais alto, além das terras tupiniquins. “África Brasil” surge como um manifesto de movimento nenhum, é um tributo sincero à espontaneidade. Claro, tudo muito intencional.

Há quem fale em trilogia: “Tábua de Esmeralda”, de 1972; “Solta o Pavão”, de 1974; e “África Brasil”, de 1976. mas entre esses lançamentos existem ainda “Gil e Jorge”, ao vivo, um verdadeiro desbunde geral, irresistivelmente antológico, de 1975, um audacioso álbum duplo; e Jorge Bem à L’Olympia, outro disco ao vivo, tocado, gravado e lançado na França, também de 1975. Realmente todos esses discos representam uma grande fase de Jorge Ben, responsável pela sedimentação do prestígio desse músico dono de uma linguagem própria, um inventor.

No entanto, “África Brasil” é único, como diria Torquato Neto, pessoal e intransferível. Eis uma propriedade universalmente sem posses, ainda bem. Esse bólide destruidor de redutos reúne rock, funk, samba, batuque, candomblé, jazz, bossa e o que você possa imaginar de swing, de síncopes, de fragmentos estéticos. Esse é o inventor dentro do seu laboratório. Como peça de estranhamento a sua retórica toma as rédeas daquilo que não se quer com um único prumo. Os temas passeiam pelo esoterismo, pelo existencialismo e pelas sutilezas surreais de uma sociedade nada pacata, nada inocente.

“Ponta de lança africano” é o que se pode chamar de abertura de um trabalho. Devia ser tombada como patrimônio imaterial. É pra ser ouvida no talo, sem a menor consideração pelo silêncio sagrado. Esse é um testemunho vivo da cultura brasileira. Sem palavras. Escute meu velho, ou então fique nessa sua merdinha de mundo bitolado. Umbabarauma é o nome do cara. A guitarra phase de Jorge abre alas, em um verdadeiro batalhão de choque. Swing. Swing. Swing.

“Hermes Trismegisto escreveu” é um a espécie de releitura de um tema do disco “Tábua de Esmeralda”. É histórica, sem nenhum perdão. Essa é uma banda em grande forma. Arranjo simples e certeiro como um canivete em beco escuro. Pura marginalia. É impossível ficar parado. Depois vem “O filosofo”, ironicamente bela, trata da simplicidade com uma elaborada linguagem musical. Uma das melhores introduções de todos os tempos. Uma verdadeira aula sobre música popular pra idiota nenhum confundir balanço com bossa.

“Meus filhos; meu tesouro” é um verdadeiro achado. Cheia de malícias e malandragens. Um dos textos mais atuais. É quando a contemporaneidade pede pinico. Ironia fina. Continue com o volume no talo, qualquer coisa compre outros autofalantes, vale a pena. “O plebeu” é uma verdadeira pérola retirada das entranhas do universo pop de Jorge Ben. O gênio revisita seus ancestrais com a elegância de um ogan. “Taj Mahal” é outra releitura, agora em versão alucinada e definitiva. A metaleira dá o tom apoteótico. Aqui o som já virou festa. Uma batida de guitarra inimitável. É só dele essa pegada.

“Xica da Silva” é outro clássico que também devia ser tombado como patrimônio imaterial. O timbre do baixo de Dadi na introdução dessa música é um caso à parte, inesquecível e documental. O arranjo vocal é outra instituição pop. Essa é a levada esperta, o groove falado. “A história de Jorge” é simplesmente deslumbrante, com introdução de percussão antológica e destaque para os teclados de José Roberto Bertrami, da histórica banda Azymuth, uma das mais importantes do jazz moderno universal. Swing. Swing. Swing. Ainda bem.

“Camisa dez da Gávea” é outro clássico, com pegada de terreiro africano. Uma fábrica de timbres. Continue com o volume no talo, sem concessões. “Cavaleiro do cavalo imaculado” é a que tem mais pegada, é a que tem mais pique, acelerada e épica, não menos do que étnica. Você já devia ter trocado as caixas de som e deixado mais algumas de reserva. “África Brasil (Zumbi)” é outra espécie de releitura. Todo disco histórico tem que ter uma faixa de abertura que diga logo a que veio e uma faixa de encerramento pra deixar o rastro na história. Esse é caso de “África Brasil”, demais, demais, demais... nunca é demais ouvir esse disco histórico.

A banda: só tem fera

Jorge Bem – guitarra phase e voz
Dadi – baixo
Pedrinho – bateria
José Roberto Bertrami – teclados e arranjos de orquestra
João Bum – piano
Luna – surdo
Neném – cuíca
Gustavo / Joãozinho / Canegal e Doutro – percussão
Djalma Correia / Hermes e Ariovaldo – tumbas, congas e atabaques
Joãozinho e Wilson das Neves – timbales
Darcy – piston
Márcio Montarroios – piston com bacus berry
Bigorna – sax e flauta
Oberdam – sax
Regina / Evinha / Claudinha e Marisa Waldyr - vocais




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http://moscafree.blogspot.com/2008/03/jorge-ben-frica-brasil-1976.html

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009



Achados e perdidos


Carlos Santana & Buddy Miles! Live!
Um vulcão psicodélico

As bandas do início dos anos 70 tinham uma característica de longas improvisações nas músicas durante os shows. Geralmente o clima de criatividade se alongava por vários e vários minutos. Muitos shows tinham um repertório extremamente reduzido, alguns chegando ao absurdo de quatro músicas, devido aos longos improvisos. Nem sempre o resultado era agradável. O que não é de forma nenhuma o caso desse show de Santana e Miles.

No final dos anos 60 e início dos 70 os festivais eram a grande moda, eventos que reuniam milhares de pessoas e uma gama de atrações. O Summer Festival, acontecido em janeiro de 1972, em Diamond Head, uma cratera de um extinto vulcão, em Honolulu, Havaí, entrou definitivamente para a história após o registro em vinil do show de Santana e Miles, que recebeu o subtítulo de “Energy for the universe from the Center of a volcano”. De fato, a energia desse disco é qualquer coisa do outro mundo. É acachapante.

Santana tinha se projetado para o mundo todo após o festival de Woodstock. A mistura sonora da sua banda, que fazia um rock misturado ao blues, ao funk, ao swing das percussões latinas e aos elementos psicodélicos da cena californiana, tinha o respeito da crítica e vendia milhões de discos. Buddy Miles era figura constante dos movimentos negros e tinha em seu currículo, além dos seus trabalhos solos, a participação na cultuada Eletric Flag e na mais cultuada ainda Band of the Gypses de Jimmy Hendrix. Esse projeto de tocar juntos não tinha a menor chance de dar errado.

A formação da banda tinha duas guitarras, uma com Carlos Santana e outra com Neal Schon; tinha duas baterias, uma com Buddy Miles e a outra com Greg Errico; Ron Johnson no baixo; Robert Hogins no órgão; Luis Gasca no trompete; Hadley Caliman no sax e flauta; e a incendiária trupe da percussão Coke Scovedo nos timbales, Victor Pantoja, James Mingo Lewis e Michael Carabello nas congas e outros instrumentos. Todos os vocais principais ficaram por conta de Buddy Miles e suas interpretações bem particulares.

O disco abre com “Marbles”, uma composição de J. Mclauglin, com um linha de órgão abrindo os trabalhos, mostrando logo de cara o swing da banda. Nessa faixa Santana faz um solo dentro do seu estilo, com muito sentimento, escalas pentatônicas, bends aloprados, texturas inusitadas de wha e volume ensurdecedor. Sem intervalos a banda passa para “Lava”, o swing é mantido e Santana continua solando alucinadamente. O que eu acho incrível em Santana é a capacidade dele mudar de timbre em um mesmo solo, explorando todas as cores do grave e do agudo.

Na seqüência vem “Evil Ways”, clássico de Santana, com direito a levada mais acelerada, vocal inflamado, percussão de palmas, grande solo de órgão, solo modal de sax inspiradíssimo, um solo de trompete virtuoso e naipe de metais. Essa versão acabou se tornando um clássico do clássico. Depois de uma convenção meio embolada das duas baterias, a banda entra em “Faith Interlude”, um clima de percussão e vocal inflamado, preparando para “Then Changes”, sucesso de Buddy Miles, em uma de suas versões mais legais. É impossível alguém ficar apático a esse swing. Simplesmente demais. O solo de Santana nessa música é cheio de fuzz e levadas de wha.

O disco fecha com uma longa improvisação de vinte e quatro minutos na música “Free form funkafide filth”. Essa faixa condensa todo o psicodelismo do período, com sons experimentais e liberdade de criação. Os solos de Santana revelam toda a sua investida na busca espiritual oriental, que tinha como parceiro de viagem Mclaughlin, George Harrison e tantos outros. O solo de sax dessa faixa também é uma viagem e tanto. Essa música é para ser detonada em volume máximo, no 11, sem a menor piedade. Esse disco é um grande achado. Não perca a oportunidade de escutá-lo.


Clássicos



Inner Mouting Flame – Mahavishnu Orchestra
Uma viagem sonora e espiritual

No início dos anos 70 existia uma tendência natural entre a maioria dos jovens de quebrar barreiras, de desencanar fronteiras, de provocar misturas e ridicularizar preconceitos. Também existia uma onda revolucionária na política, marcada por grandes conflitos internacionais. A economia estava em crise, devido à alta do petróleo. Havia também um encanto ingênuo com a indústria pop, viabilizada pelo excesso de exposição facilitado pelo avanço da mídia e pela conquista de mercados através de vendas exorbitantes para o momento. Em contra ponto a essa tensão gerada por esses fenômenos, surgia também uma busca espiritual gerada pelo fascínio das filosofias orientais, além de um fortalecido movimento em defesa e preservação do meio ambiente. A Mahavishnu Orchestra é uma mistura de tudo isso, com uma desconcertante legitimidade.

A formação essencialmente elétrica dessa super banda fazia parte de um processo de radicalização musical frente ao purismo cultural do jazz, que não admitia fusões e nem amplificações, dirá distorções. A Mahavishnu seguia a trilha aberta por artistas como Miles Davis, Weather Report, Frank Zappa, Lifetime, Colosseum e outros, através da fusão do jazz a outros gêneros, como o rock, o blues, o soul, o clássico e a música de vanguarda, além de outros inúmeros elementos estéticos. A ordem era misturar sem constrangimentos ou barreiras. Obviamente a indústria cultural agradecia e apoiava todas as experimentações, o que representava para ela carne fresca no mercado. Tanto é que “Inner Mounting Flame atingiu o décimo primeiro posto da parada da Billboard. Uma verdadeira façanha para a música instrumental. Para os artistas era a fama e a fortuna.

Em meio às experimentações da música de vanguarda clássica, ao free jazz, ao glam rock, ao rock progressivo, aos proto-punks e ao apelo venal da música pop, aparece o jazz fusion da Mahavishnu Orchestra, tocado em volume extremo, através de uma agressividade complexa, cheia de texturas, virtuosismos, improvisações, atitude pop, técnica, estética e muita competência criativa. A própria formação da banda já era a alegoria da quebra de barreiras, todos da formação original, iniciada exatamente nesse disco, são de países diferentes. A idéia era fazer mesmo um som universal, que congregasse inúmeras linguagens, misturando tensão e relaxamento, a partir de uma visão musical sem fronteiras, o que você vai encontrar no primeiro disco da banda "Inner Mouting Flame".

O líder da banda, o impossível e iluminado guitarrista John McLaughlin vinha da Inglaterra. O visceral e pesado baterista Billy Cobham é panamenho. O violinista Jerry Goodmam, ex-membro da lendária banda de jazz-rock The Flock, é americano, dono de um vocabulário que abrange do clássico ao folk, do rock ao experimentalismo. O hiper elétrico e eletrônico tecladista Jan Hammer é theco. O reservado baixista Rick Laird é irlandês. Todos eles com currículos extremamente respeitados. Juntos eles protagonizaram shows lendários e incendiários, como também deixaram um verdadeiro legado musical de originalidade, talento e competência. Um deles é “Inner Mounting Flame”.

O disco foi lançado em 1971, com produção de John McLaughlin e trabalhos de engenharia por Don Puluse. “Inner Mounting Flame” tem som na cara em altíssimo volume, destacando o timbre distorcido de válvulas fritando da guitarra de corpo sólido - double neck SG, da Gibson - de Mclaughlin, contrariando a mesmice cansativa dos timbres limpos de guitarras acústicas jumbo com chorus leve e amplificadores politone da maioria dos guitarristas de jazz tradicional. A mixagem também destaca o som pesado da bateria de Billy Cobham, que tem uma pegada diametralmente oposta àquela dos bateristas de jazz tradicional, que pedem desculpas por tocarem seus instrumentos.

O disco abre em grande estilo com “Meeting of the spirits”, um dos clássicos do jazz-rock, com riff poderoso de guitarra e violino,convenções, mudanças de andamento e passagens climáticas de tirar o fôlego. A improvisação de guitarra dessa faixa é simplesmente espetacular. “Dawn” é uma balada cheia de carisma, conduzida inicialmente pelos acordes invertidos de Jan Hammer e pelo violino melódico de Jerry Goodmam, logo seguido por um solo de timbre abafado de Mclaughlin, que leva a uma mudança de andamento e um instigante improviso de violino, com volta final para o tema.

“Noonward race” começa com um duelo de guitarra e bateria incendiário e delirante, peso total. Depois que a banda entra no tema você se depara com um impressionante solo de violino com mutron. Essa faixa é para detonar os alto-falantes disponíveis e indisponíveis. O solo de piano eletronicamente modificado de Jan Hammer é outra pérola. Os improvisos seguidos assumem um nítido clima de palco, com gravação ao vivo. Essa faixa é arrasadora. “A lótus on irish streams” é uma viagem espiritual, calma, exotérica e acústica, com melodia inspirada.

“Vital transformation” começa com um groove poderoso de bateria, Billy Cobham detonando em sua bateria de peças acrílicas. Depois o tema segue caminhos mágicos, com passagens climáticas. Depois disso é improvisação espetacular de guitarra e mais guitarra. A força de improvisação de Mclaughling é capaz de quebrar as moléculas existentes na sala. “The dance of maya” é um dos maiores clássicos de todos os tempos do jazz-rock. Essa faixa tem um clima épico, com harmonia circular, mudanças de andamentos inusitadas e improvisações históricas e uma arrebatadora levada blues sem precedentes. Faixa obrigatória para qualquer um peduvido esperto.

“You know, you know” também tem o mesmo clima de encantamento da faixa anterior. Começa lentamente, com a exposição do tema, vai ganhando volume e corpo aos poucos. É a mais climática do disco. “Awakening” fecha o disco da mesma forma que ele foi aberto, com um som magistral, com um peso instrumental extremamente visceral, com convenções espetaculares e escalas rápidas, todo mundo tocando junto. Depois abre para os improvisos massacrantes. É também uma faixa para detonar a parede do vizinho. Essa música é rápida o bastante para criar em suspense as expectativas para o próximo disco da banda.

“Inner Mounting Flame” é simplesmente imperdível. Ouvindo esse disco você vai descobrir as inúmeras chupadas descaradas de alguns “virtuoses” contemporâneos. Não vacile. Vá direto para a audição.

http://www.torrentreactor.net/torrents/933136/The-Mahavishnu-Orchestra-with-John-Mclaughlin-The-Inner-Mounting-Flame-(MFSL)-P-1971(Pugz-256k-mp3)

Clássicos

Bone Machine – Tom Waits
O existencialismo surreal de um trovador

Alguns o rotulam como experimentalista, outros o tratam como maldito e alguns fazem referências reservadas à sua relação estreita com o bizarro e o grotesco, como se fora fruto de uma mente atormentada. Muitos dão às costas à sua estética musical, fugindo dela como os cães fogem das entidades soturnas da noite. Já outros percebem o poder das suas letras e das suas composições, que funcionam como toras de madeira que flutuam ofertadas após um naufrágio trágico. No entanto, poucos têm a devoção que eu tenho por Tom Waits e seu universo existencialista e surreal, enquanto que sagrado e profano.

Realmente não é uma experiência comum ouvir Tom Waits. Sua figura em palco também não é menos estranha. Suas letras extrapolam de todas as formas o tradicional e as receitas de flatulências fartas do mundo pop. Sua voz... Sua voz?! Bem, sua voz é simplesmente um instrumento de travessia entre as dimensões da vida e da morte. Ela é rouca, áspera, grave, soturna, contundente, misteriosa, cínica, irônica, confessional, lírica, sentimental, estratosférica e esquisitamente poderosa em seu encantamento de tudo aquilo que respira e vibra, mesmo que de vidro, de aço, de plástico, de carne, sangue e ossos.

O muro para Tom Waits pode representar uma clausura enquanto fechado em seus fetiches pós-modernistas ou uma libertação enquanto destronado pelas alternativas de convivência com o decadente e ilusório, que se tornou o mundo da alta tecnologia, com suas exclusões clássicas, suas mercadorias, seus consumos e seus acúmulos de lucros. Mas nunca representa para ele o lugar ideal para sentar a bunda e ficar apreciando a paisagem de aniquilamento, com a baba descendo pelo canto da boca. Por isso que ele é infinitamente radical. Por isso que a sua alma é habitada por subúrbios, por trilhos de metrô que se cruzam em uma malha subterrânea, por transeuntes maculados pela vida, que desafogam ou afogam suas mágoas em templos, em infernos ou em bares enfumaçados.

Tom Waits nunca gasta por conta. Sua música é minimalista em seu instrumental, mas transborda elementos em seu entrelaçamento estético. É possível escutar em suas composições traços do blues, do gospel, do rock, da música de cabaré, do jazz, da vanguarda, das trilhas de filmes e de teatro, entre outros itens mais exóticos como o tribalismo e os ruídos. Suas letras são existenciais, com traços fortes do surrealismo, além de um vasto rebotalho urbano, em que a vida, a morte, as demências, os assassinatos, as prostitutas, o amor e o esplendor vivenciados nos cantos e recantos das metrópoles são abordados com freqüência. O olhar de Tom Waits é povoado por ruas, avenidas, pontes, viadutos, carros, vitrines, prédios, terrenos baldios, lixos e mais lixos, vez ou outra parques, além do ser humano em suas mais variadas vertentes, com ou sem segredos.

“Bone Machine” é o décimo quarto disco de Tom Waits, realizado em 1992, pela Island Records. Esse é um disco referencial em sua carreira, não só pelos prêmios arrebatados e pelo deslumbramento da crítica especializada do mundo todo, mas também pela preservação da ousadia sonora e pela liberdade de criação. O disco foi gravado em uma sala de cimento cru, provedora de uma rica textura de ecos sutis, do Prairie Sun Recording studios, na California. A instrumentação, orquestração e arranjos são tão bizarros quanto às temáticas das composições, algumas já clássicas do cancioneiro alternativo internacional. A crítica alardeou as participações de Les Claypool, do Primus, e de Keith Richards, dos Stones. No entanto, elas passam apenas a fazer parte de um universo particular do autor, sem a menor chance de roubarem a cena ou qualquer coisa que o valha.

As dissonâncias permanecem, bem como um certo ar teatral das interpretações. As percussões metálicas povoam todo o disco, além de guitarras acústicas, distorcidas e com timbres inusitados, fazendo companhias a pianos e baixos acústicos encharcados de melancolia soturna. Vez ou outra aparece uma bateria pela metade. Esse é o mesmo caso de alguns sopros. A mixagem das músicas também preserva o estranhamento característico desse autor, que é um dos mais inquietos e radicais de todos os tempos. O resultado final é um dos discos mais importantes da cena contemporânea, simplesmente único. Prefiro não falar das faixas e mandá-los diretamente para a audição.

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