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quarta-feira, 15 de outubro de 2008








Achados e Perdidos

Gentle Giant – Octopus
A criatividade imortal


Existem alguns discos que são fundamentais para determinados artistas. Outros que são fundamentais para os fãs. E outros, ainda, que são fundamentais para a própria existência de uma estética, de uma tendência como movimento artístico ou da própria música como manifestação da civilidade humana. “Octopus”, do Gentle Giant é tudo isso e mais um pouco.

Inevitavelmente existem aqueles detratores do rock progressivo. Isso é natural, uma vez que o esclarecimento não é mercadoria que se compre em supermercado, muito menos em bodegas. É claro que existem os aspectos negativos e massificantes dessa vertente do rock dos anos 70. Os diluidores existem em qualquer manifestação artística, e que não seja por eles, que tudo deverá ser nivelado por baixo. Essas conjeturas maniqueístas não excluem o Gentle Giant e nem o disco “Octopus”. Para dúvidas resta o conhecimento de causa, já que questão de gosto não se duvida, se lamenta.

“Octopus” é uma daquelas obras geniais que necessitam de manual de instruções, não pela sua prolixidade, mas pelos seus desdobramentos literários e musicais. Esse é o quarto álbum da banda britânica, formada pelos irmãos Shulman, a partir da dissolução da banda Simon Dupree and The Big Sound. O disco marca uma definição sonora da banda, que até então já contava com três discos lançados: Gentle Giant (1970); Acquiring The Taste (1971); e Three Friends (1972).
“Octopus” foi lançado em 1972 e teve pouca repercussão comercial. Parte da crítica recebeu o disco com reservas e parte dela fez caras e bocas afetadas, tal qual cafetinas hávidas por carne fresca. Vida inteligente nunca foi o forte da crítica, comprometida com os jabás e as conveniências do mercado. São inúmeros os elementos musicais que compõem as texturas de “Octopus”, uma estética que se estrutura dialeticamente entre o novo e o antigo, através de intertextualidades, metalinguagens e estranhamentos.

Além de letras irônicas, de escatologias diversas e citações literárias do autor renascentista francês François Rabelais, através dos seus personagens Pantagruel, Panurge e Gargântua, o disco contém traços da música minimalista, da música clássica de vanguarda, do concretismo, do barroco, do contraponto, das fugas, dos madrigas, do cancioneiro medieval, do folclore celta, dissonâncias infinitas, do rock, do hard rock, do blues, do soul e do pop.

“Octopus” é um disco para ser apreciado, degustado, explorado, de preferência através de um bom headfone. Não que um volume na tora não resolva de vez. Esse é um disco para contrair as bolas e dilatar as vaginas, bem como escalonar os mais longínguos recantos do cabeção. Não tem contra-indicações, a nãos ser em casos típicos de possessão cafuçú, casos em que só o suicídio social resolve.



“The Advent of Panurge” abre o disco com elegância magistral, através de uma introdução em contraponto vocal, seguida de uma levada sinuosa, com mudanças de andamentos e convenções sutis e um timbre de órgão inigualável. Vale ressaltar aqui o trabalho harmônico estruturado em fragmentos de acordes. Essa é uma faixa ambiental, cheia de texturas com a marca Gentle Giant. Uma das principais composições do rock progressivo.

“Raconteur Troubadour” é uma releitura dos sons medievais, através de uma abordagem moderna. Grande trabalho de violino e piano elétrico. Vocal para iniciados e instrumental com direito a fugas diversas. “A cry for Everyone” é um rockão nada básico, com uma pegada que flutua entre o peso e a sutileza, com o entrelaçamento harmônico e melódico típico do Gentle Giant. Essa é uma verdadeira aula de timbres e combinação instrumental. É um clássico da banda. É para ser detonada no volume 100.

“Knots” é uma peça minimalista por excelência, com intricado contraponto vocal, células harmônicas, fragmentos de acordes, fugas e e mais fugas vocais. Com certeza foi aqui que o Quenn chupou geral seus vocais. Essa é uma faixa seminal. Imperdível. Logo em seguida tem aquela da “moeda”, “The Boys in The Band”, um clássico instrumental com todo o peso da marca Gentle Giant. Essa é para ouvir e se transportar para a galáxia mais distante, de preferência escutar em algum lugar alto da Chapada do Araripe, de forma que você veja o vale inteiro, com suas luzes brilhando como estrelas no chão.



“Dog’s Life” é uma música feita para os roadies da banda e satiriza a vida cheia de correria, bebedeiras e histórias malucas. Nem por isso a qualidade cai, muito pelo contrário, predomina o experimentalismo concretista e de vanguarda, com timbres pra lá de exóticos. É a faixa mais lisérgica do disco, só para iniciados. “Think of me With Kindness” é uma balada delirante, com uma melodia fenomenal, para ser escutada sempre nos momentos mais inusitados.

“River” fecha o disco com a mesma elegância com que ele foi aberto. Obra-prima. Todos os elementos do universo progressivo do Gigante Gentil estão nessa composição. Essa é uma faixa excepcionalmente climática, com efeitos diversos, fragmentos de cello e violino, além das mudanças de andamento. O solo de guitarra de Gary Green é muito bem trabalhado, com um timbre imbatível. A banda dessa obra de arte é:

- Gary Green / guitarras, percussão - Kerry Minnear / teclados, vibrafone, percussão, cello, Moog, vocais - Derek Shulman / vocais, alto saxofone - Philip Shulman / saxofone, trompete, mellofone, vocais - Raymond Shulman / baixo, violino, guitarrra, percussão , vocais- John Weathers / bateria, percussão, xilofone

segunda-feira, 13 de outubro de 2008




Clássicos

Frank Zappa and Mothers of Invention
One Size Fits All

O maior compositor do rock deu de presente para a humanidade esse disco em 1975, quem quiser achar ruim que ache. Zappa é a maior referência de qualidade no universo pop universal. Da mesma forma que colecionava admiradores, colecionava também detratores, devido ao seu humor ferino e sua intensa crítica aos costumes americanos. Ele não perdoava ninguém e era tido por muitos como politicamente incorreto. Que se foda quem quiser. Ele era e é mais genial do que fantástico.

Esse disco foi gravado simultaneamente com os discos “Apostrophe”, “Roxy & Elsewhere” e “Bongo Fury”, praticamente com a mesma banda, sem dúvida nenhuma a melhor formação do Mothers. A linha é a mistura de elementos do jazz, da música clássica contemporânea, blues, trilhas para desenhos animados e soul music. As letras são corrosivas, cheias de alusões sexuais e vitupérios contra vários tabus, além de uma tirada de onda monumental com o inconsciente coletivo americano em “Inca Roads”, faixa que abre o disco.

“Inca Roads” tem uma pegada monumental, com uma introdução cheia de teclados lisérgicos de George Duke. As linhas de vocais são do outro mundo, como sugere a própria letra da música, com Zappa e Napoleon Murphy Brock fazendo intervenções extremamente cínicas. Depois de um turbilhão de convenções e harmonias chapantes, a música deságua num dos solos mais iluminados de toda a galáxia, uma habilidade de mestre no wha wha. Obra prima. Inesquecível. Sublime. Do caralho, resume melhor a sensação.

“Can’t Afford No Shoes” e “Sofá No.1” jogam o ouvinte em uma outra dimensão, com direito a guitarra distorcida e letra mais do que irônica, em “Can’t Afford No Shoes”, a linha harmônica começa simples e depois complica. O trabalho de slide guitar é demais, bem como os vocais. Isso é que é pop de vergonha. “Sofá No.1” é uma das melodias mais brilhantes do mago, com direito àquelas linhas malucas de vibrafone de Ruth Underwood. Clássico zappeiro duca.

“Pó-jama People” é uma faixa inexplicável. Simples, direta e fenomenal. Zappa, que é o rei dos timbres, - não existe outro igual - descola uma timbragem de médios, através de um wha wha, de outro mundo. O solo é enfurecido e recebe uma base sofisticada, com muito swing, da bateria de Chester Thompson e do baixo de Tom Fowler. Essa é pra ser escutada no talo, de forma que algum alto-falante peça pinico, entorte.

“Florentine Pogen” é mais uma daquelas faixas obscuras do universo bizarro de Frank Zappa. Composição complexa, cheia de mudanças e convenções que desempregam qualquer banda cover. Sem dúvida nenhuma essa é uma das melhores composições de todos os tempos. Aqui você encontra ironia, cinismo, humor, e muito, mas muito talento mesmo. É pra ser escutada sem nenhum pentelho por perto, se não ele pede pra pular a faixa.

“Evelyn, A Modified Dog” é hilariante, faz parte do humor ferino de Zappa. “San Ber’dino” é outra pérola do repertório bizarro de Zappa. Uma história cretina sobre um casal mais cretino ainda. Aqui Charlie Guitar Watson faz uma participação mais do que especial. Essa é pra ouvir no talo também, com belo arranjo de guitarra e levada final irresistível. O vocal de Watson é lendário. Aliás, Zappa era um mestre em arranjar esses vocais esquisitos.

“Andy” é um dos maiores clássicos de Zappa. Simplesmente incendiária. Watson também rasga o vocal aqui, junto com Napoleon Murphy Brock. Também é para ser ouvido enchendo o saco daquele vizinho careta, que passa o domingo ouvindo a merdologia dos “Aviões do Forró”. Levada de guitarra massa, cheia de contra-pontos e fragmentos harmônicos. A linha vocal dessa música também é lendária, impagável. O solo é um caso à parte, com partes agudas que não se sabe ao certo onde Zappa está tocando.

O disco fecha com “Sofá No. 2”. Essa é uma das letras mais bem sacadas do disco e do mundo Zappeiro: uma auto-descrição do sofá jamais vista, com um vocal em falsete de George Duke de tirar o fôlego. Parte da música é cantada com sotaque alemão. O disco tinha que ser encerrado assim, de forma clássica, bem aos moldes Zappeiros, estranhamento puro. Esse é o tamanho único de Frank Zappa com várias indicações e contra-indicações. Imperdivelmente clássico.
Históricos

Johnny Winter - Captured Live!
para a eternidade

Em uma lendária entrevista para a revista Guitar Player, respondendo sobre equipamento e regulagens, Johnny Winter respondeu que não tinha segredos, colocava todos os botões da guitarra e do amplificador no dez e metia a mão, sem olhar para trás. Esse disco histórico é uma prova disso. São seis faixas antológicas de pura adrenalina de hard blues ao vivo. Esse é um disco para quem acredita em guitar heroes.

Se você é daqueles ou daquelas que torce o nariz para longos solos de guitarra em volume máximo, e acha que isso é pura masturbação musical e que a guitarra é só um detalhe para o rock, então passe longe desse disco. Ou se quiser siga o meu conselho: compre esse registro monumental, mude os seus conceitos e perceba que existe vida inteligente e sentimento musical nesses solos que foram capturados ao vivo, sem retoques ou enganações.

Esse disco contém faixas gravadas em três espetáculos diferentes, Swing Auditorium, San Diego Sports Arena e Oakland Coliseum, em 1976. Não existem faixas ruins nesse disco, cada uma é melhor do que a outra. Esse é um repertório impecável, simplesmente matador. O guitarrista texano está em sua fase divina de guitarra “Firebird”, da Gibson, com um leve toque de phase em seu timbre lotado de médios e amplificadores Marshall no talo. Johnny Winter desfila o seu leque de escalas pentatônicas, menores e de blues em velocidade estonteante, completamente distante dos malabarismos circenses dos fritadores.

A famosa base de Johnny Winter nos anos 70, em que ele se aproxima bastante do rock em seu fraseado blueseiro, está presente como uma verdadeira usina de força. Floyd Redford, com uma Gibson 335, semi-acústica, segura a base e faz solos e duelos precisos. A cozinha é formada por Randy Jo Hobbs no baixo e Richards Hughes na bateria, de entrosamento perfeito e peso puro, essa é uma dupla dos sonhos de qualquer guitarrista solo. O resultado dessa química é de impressionar qualquer um. As apresentações seguem a linha do início dos anos 70, com longos improvisos no gás total, sem deixar o público respirar.

O disco abre com “Bonie Moronie”, com uma introdução de Johnny Winter sozinho na guitarra. Que ele é albino todos sabem. Que ele é negro de alma e voz todos sabem, mas essa primeira faixa serve para o ouvinte saber exatamente com quantas notas se faz o autêntico hard blues. Melhor abertura impossível. No segundo solo dessa música Johnny mostra boa parte dos seus truques, aprendidos em bares e clubes noturnos. O ouvinte já é sacudido em sua quinta geração.

“Roll with me”, a segunda faixa, é típica dos anos 70. O groove dessa música é irresistível, hipnotizante. É o solo mais rockeiro dessa infinidade de solos. Praticamente esse é o song book dos links de Johnny Winter, bands, doublestops, oitavas e ligados diversos. “Rock and roll people” faz o público delirar com seu andamento rápido e pegada alucinada do albino. As frases de guitarra são rápidas e poderosas. Esse é o chamado power blues, o som solta faíscas. Nessa faixa você vai entender porque ele é considerado um dos maiores guitarristas de todos os tempos.

“It’s all over now” já abre com um solo mágico de Johnny Winter, para logo em seguida a banda entrar em uma pegada meio western e meio boogie. Essa faixa tem um dos melhores duelos entre o texano e Floyd Redford. A base que Johnny Winter faz quando Floyd está solando é imperdível. A essas alturas tudo já está pegando fogo. É quando Johnny Winter resolve usar o slide na música “Highway 61 revisited”.

Depois que você ouvir essa versão para o hit mágico do feiticeiro Bob Dylan, você vai pensar dez vezes antes de querer tocar slide guitar. O momento em que Johnny Winter segura a onda solando com slide, apenas com o groove da bateria, é clássico, é antológico, é seminal, é aula pura. Esse momento é pra você aprender a verdadeira função de uma guitarra solo. Ele ainda abre espaço para um solo generoso de Floyd Redford.

“Sweet Papa John” fecha o disco com toda a classe de um grande mestre do blues. Também começa com Johnny Winter sozinho, destruindo a guitarra, depois a banda entra em um blues de andamento lento, tradicional. É mais uma aula de slide. É pra fazer com que esse se torne um dos registros ao vivo mais importantes da sobrenatural década de 70. cara, se você ainda não conhece esse disco, você é simplesmente um vacilão.

Três bandas descoladas
E uma noite massa no meio

A estreante Papagaio do Futuro, a rodada Alegoria da Caverna e sua fantasia de festa Os Transacionais, fizeram uma noite no Café Estação, em Crato, no último sábado 11, de rocks, baladas, reggaes e outras ondas diversas e inversas a mais, para um público médio, mas seleto e sedento de diversões sem trapaças.

Uma grata surpresa foi ouvir o som trabalhado e irreverente da Papagaio do Futuro, uma banda de Juazeiro do Norte, que finalmente faz valer o aspecto urbano daquela cidade, sem a eterna babaquice das caras e bocas do heavy metal e do som fabricado das vídeo-aulas, tão peculiares entre santos e ladainhas de lá. Já a banda de Fortaleza, Alegoria da Caverna, com a competência do seu som, conseguiu dissipar o estigma de terra dos cafuçús daquela capital, o que convenhamos não é tarefa fácil.

A Papagaio do Futuro levou uma eternidade para arrumar o equipamento e definir lugares, enquanto uns brigavam com afinações, cabos e pedais, outros zoadavam em seus instrumentos, uma verdadeira munganga, que deve ser exterminada ontem. O som começou indefinido, completamente embolado, com todos os volumes detonados, encobrindo as vozes e distorcendo o som na frente. A banda não conseguiu equalizar completamente o som no palco e em alguns momentos as três guitarras estavam desafinadas entre si.

Mas isso não conseguiu detonar o som da banda, são erros de uma segunda apresentação de uma banda novíssima, que não tem nem repertório fechado ainda, mas que em cerca de oito músicas a Papagaio do Futuro demonstrou ser a novidade, o diferente, aquilo que se aguarda com ansiedade na cena musical caririense há muito tempo. As três guitarras são muito bem arranjadas, em músicas que mudam constantemente de andamento. Os solos são bem dosados, bem como as timbragens.

As composições empolgam facilmente e já é possível perceber alguns hits em potencial. Faltam alguns ajustes na cozinha, apesar dos grooves marcantes do baixo. Sem dúvida nenhuma o destaque vai para a presença de palco da vocalista Grissa, com vocal possante, figurino exótico e carisma sobrando. A banda liderada por Aquiles, que assina as composições, faz vocal e toca guitarra, tem presente, tem futuro e não esquece a riqueza do passado musical do rock. Foi uma surpresa e tanto.

A banda Alegoria da Caverna apresentou o repertório do seu cd “Gororoba “ , bem como o repertório do seu projeto paralelo Os Transacionais, só de covers brasileiros da década de 60 e 70, com um som bem mais enxuto e solto do que das outras vezes que esteve aqui. A banda tem um repertório autoral que transita entre o rock’n’roll, o funk, o reggae e levadas da mpb. As letras são bem cuidadas, irônicas e fáceis de guardar. A banda tem pelo menos dois hits, a simpática “Mumu de Sabi” e a incendiária “100% Pirado”, o que é fundamental em qualquer banda: música pra galera cantar junto.

Além disso a banda é rodada, tem manha de palco. O som ficou redondinho, sem falhas. O destaque da banda é a sua cozinha, com o peso do excelente baterista D’Angelo e da competência do baixo de JolsonX. A guitarra de Miguel Basile é providencialmente econômica e muito eficiente, o guitarrista domina completamente o seu equipamento e despeja potência em seus solos certeiros e sem firulas. Vitoriano é o frontman. Sua presença é carismática, sua dicção é clara e sua guitarra é fundamental para a estrutura sonora da banda. A presença de palco da banda é massa.

O projeto Os Transacionais é pura diversão. A mudança de repertório foi marcada pela lendária “Misirlou”, de Dick Dale and His Del-Tones, com o guitarrista Miguel Basile incorporando o verdadeiro espírito da guitarra surf. O resto do repertório é uma seleção de pérolas, entre elas, versões impagáveis dos mutantes. Os transacionais é sinônimo de diversão pura, o clima ideal para fechar a noite. O que vimos, ouvimos e dançamos foram as tendências do novo em pleno diálogo com o velho, mas sem nenhuma espécie de velhacaria.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Achados e Perdidos

Lar de Maravilhas
É onde moram as máquinas progressivas


1975 é praticamente o auge do rock progressivo, com os grandes nomes do gênero lançando discos importantes. Muita baboseira já foi escrita sobre o rock progressivo, tanto de bem como de mal, tanto fora como dentro da mídia especializada, mas ainda falta uma revisão coerente desse período, com reconsiderações urgentes. O disco “Lar de Maravilhas”, da banda paulista Casa das Máquinas faz parte diretamente dessa revisão, como sendo um verdadeiro achado.

A banda foi formada a partir da desintegração dos Incríveis. Netinho e Aroldo Binda formaram aquela que seria a banda para satisfazer musicalmente os dois. Carlos Geraldo, Piska e Pique completaram a primeira formação do grupo, responsável pelo primeiro disco, em 1974, chamado apenas de “Casa das Máquinas”, ainda com uma pegada pop, na linha dos Incríveis. Algumas mudanças aconteceram e a banda lançou essa maravilha.

Com a saída de Pique, que era saxofonista e tecladista, entraram mais um baterista, Marinho Thomaz, irmão de Netinho e um tecladista, Mário Testoni Jr. A parafernália eletrônica e o estilo rebuscado de Testoni deram um impulso progressivo ao grupo, que mudou completamente o visual e o som. As guitarras de Aroldo e Piska ficaram mais viajadas, cheias de efeitos e harmonias etéreas. O baixo de Geraldo segurou a onda em grande estilo, sem dever nada aos grandes nomes do gênero.

O resultado dessa experiência musical é um dos mais interessantes discos do rock progressivo brasileiro. O timbre de órgão Hammond e os sintetizadores são fenomenais. As guitarras são coesas, com vários contrapontos e climas dinâmicos. As duas baterias são casadas com perfeição milimétrica e em alguns casos elas se estendem em funções diversas, criando uma textura musical muito massa. As letras não deslizam no besteirol típicos do gênero, mas ainda sublinham lugares-comuns, com algumas imagens telúricas já diluídas em letras de bandas com o referencial do Yes.

Existem nesse disco alguns momentos acústicos de beleza rara. A melodia de “Lar de Maravilhas” é qualquer coisa de deslumbrante. É um clima propício para se conhecer outras galáxias. Definitivamente essa é uma música para se ouvir sozinho, com direito a incenso e escuro. “Cilindro Cônico” é outra viagem imperdível, com aquele timbre de Hammond liderando a melodia e aquele timbre de baixo profundo. “Vale Verde” é também cheia de climas viajantes, com destaque para os sintetizadores diversos e um solo de guitarra excelente, carregado de efeitos.

“Vou morar no ar” fez muito sucesso e com razão. É claro que o suporte da rede Globo foi fundamental, com a faixa chegando a fazer parte de trilha de novela. A Som Livre, através de João Araújo, pai de Cazuza – que escreveu o release do disco – investiu pesado na banda, colocando no fantástico, no Sábado Som e posteriormente no Rock Concert. Houve também uma tentativa de lançar a banda internacionalmente. Nesse período o Casa das Máquinas tinha uma superestrutura, com aparelhagem de som pesado, com jogo de luz e cenários. As duas baterias causavam impacto, bem como o visual da trupe.

Mas o hit se justificava pela qualidade da composição. O clima cinematográfico do início da faixa, com aquelas passadas, a chuva, o trovão e as batidas na porta, fez e faz parte do imaginário coletivo da lisergia nacional. O clima espacial da faixa, com aquela guitarra embalada por um dos whas mais espertos do período, também entraram para história. Essa é uma faixa imperdível. Ao contrário de “Lar de Maravilhas”, essa é para ser ouvida no talo, com o amplificador pedindo perdão.

Outra faixa sensacional é “Epidemia de Rock”, com uma introdução de bateria simplesmente arrasadora, duas baterias em sintonia fazendo uma convenção super-pesada. Escute e tenha em mente um momento histórico dessa banda que lançou quatro discos, sendo três pela Som Livre e um independente. O último disco oficial da banda, “Casa de Rock”, é também sensacional. A banda voltou recentemente, com alguns integrantes da formação original, para uma apresentação no Festival Psicodália de Carnaval 2008 em 3/2/2008 na serra do Tabuleiro em Santa Catarina e prometeram lançar material novo.

Para Download : http://www.mediafire.com/?9c0dwnywyyz

segunda-feira, 22 de setembro de 2008



Aos Vivos
Hermeto Pascoal ao Vivo
Em Montreux Jazz


Naquela noite única de 1997, quando Claude Nobs anunciou Hermeto Pascoal como sendo qualquer coisa de inacreditável, com um inesperado senso de improvisação, harmonia, composição e execução, vindo da distante e múltipla música brasileira, ele não sabia exatamente que estava fazendo parte de um momento iluminado, singular, repleto de transcendência musical e espiritual. Estavam lá no palco, junto com o mago Hermeto, todos os deuses da natureza, tocando e encantando.

Em todas as músicas do repertório daquela noite o público foi brindado com o mais alto nível de improvisação que um músico pode desenvolver. É um momento sobrenatural. A capacidade criativa de Hermeto e banda, aliás, umas das maiores bandas já formadas no Brasil e no jazz universal, é de uma grandeza incabível em palavras. A interação do mago com seus músicos e com a platéia é qualquer coisa inexplicável, são momentos de criação viva, na hora, música brotando no suor.

Hermeto tocou tudo que se possa imaginar: piano, clavinete, sax soprano, sax tenor, clavieta (escaleta), flauta, e improvisação de voz. Em todos esses instrumentos ele quebrou tudo, o seu improviso de escaleta em “Lagoa da canoa” é fantástico, ultramoderno, cheio de swing, harmônicos, vozes de embocaduras e escalas nada diatônicas, em um instrumento extremamente limitado. Essa mesma faixa começa com um solo de bateria de Nenê,que não tem explicação plausível. Essa obra-prima ainda tem um solo de tenor de Cacau que é de outro mundo. Nivaldo Ornelas dá uma aula, nessa mesma música, de ritmos e pegadas brasileiras em um sax soprano, através de saltos de notas e intervalos inacreditáveis. A faixa termina em apoteose.

Esse é apenas um dos momentos mágicos desse show. A faixa “Remelexo” é uma improvisação de voz de Hermeto Pascoal, em que ele transcende e faz da voz um instrumento de improvisação, com escalas e letra ao mesmo tempo. A banda não conta conversa e entra na onda.O chorinho “Fátima”, vira o maior jazz, com uma improvisação de Hermeto Pascoal na escaleta, o instrumento que ele está tocando na capa do disco, em cima de uma harmonia mais do que complexa. Ele não só reinventa esse instrumento como reinventa as possibilidades de improvisação em uma seqüência harmônica de desempregar muitos músicos.

Em “Terra verde”, “Maturi” e “Quebrando tudo”, Hermeto avessa o clavinete, que é outro instrumento muito limitado, que nas mãos do bruxo ele ganha cinqüenta mil oitavas. Hermeto Pascoal nessas músicas, que são emendadas pelos improvisos, faz citações de outras e encontra atalhos atonais descomunais, além de descobrir timbres jamais escutados nesse instrumento, em um desafio de solfejo e teclas histórico, com a banda esbanjando dinâmica. Aliás, que banda é essa, velho? Dá vontade de chorar de tão emocionante que é ouvir esse disco.

Nenê de bateria; Itiberê Zwarg no contra-baixo; Jovino dos Santos de harmonias impossíveis ao piano e clavinete; Zabelê e Pernambuco nas percussões diversas; e mais Nivaldo Ornelas, sax tenor e soprano; Cacau, sax tenor e soprano. Eis os ingredientes da poção mágica do bruxo Hermeto. Esse show histórico era pra terminar com a fenomenal “Forró Brasil”, uma delirante linha melódica, rápida e cheia de acidentes. Mas o público não deixou e ele voltou com a delicada faixa “Montreux”, composta no hotel, especialmente para o festival. O público ainda delirou com os improvisos “Voltando ao palco” e “E adeus” , para encerrar definitivamente aquela magia inesquecível e histórica.

Esse é um disco único.




Clássicos
Blind Faith
Esse rock é de fé


Existem algumas coisas no rock que é preciso ouvir para crer. São histórias esdrúxulas, histriônicas e mitológicas. De tudo já aconteceu no reduto mais afetado do planeta. Muita armação. Muita mentira. Muito bico tocando porra nenhuma, fazendo pose e entrando para a história via mídia, que é a prostituta oficial disso tudo. Muitos têm que dobrar os joelhos para a imprensa para não morrer no anonimato. Com o Blind Faith foi diferente, essa quenga ordinária teve que estender um tapete vermelho para eles, que não estavam nem aí para badalação ou idolatrias.

Sem muitas delongas, a história é a seguinte: Eric Clapton e Steve Winwood começaram a se encontrar furtivamente para levar um som sem pretensões, eles estavam desapontados com o rumo megalomaníaco que a coisa toda estava tomando, com grandes festivais e apresentações para públicos maiores, além de turnês exaustivas, até que Ginger Baker toma conhecimento e insiste em participar também. Desde o Cream que Ginger Baker estava meio desponbalizado, um verdadeiro prego. O receio era esse. Um grande baterista, mas prego. Depois de várias tentativas ele se junta aos dois.

Logo eles resolveram chamar Rick Grech, baixista da banda Family. Os ensaios se tornaram freqüentes, com longas improvisações, bem na linha das apresentações do Cream e do Traffic. Composições foram nascendo naturalmente e a gravação tornou-se inevitável. O lance é que a imprensa soube dos encontros e bradou para tudo que é lado que uma superbanda estava formada e que o disco seria uma das maiores obras-primas do planeta. Claro que ficou todo mundo esperando. Daí o nome da banda, uma fé cega de mercado.

A banda era realmente estratosférica. Eric Clapton estava longe de ser um deus da guitarra, mesmo em sua época de desbunde, mas esbanjava carisma e estilo, que é mais importante do que virtuose. Além disso já havia escrito páginas importantes da história do rock e era pai de uma geração enorme de novos guitarristas. Steve Winwood já era respeitadíssimo pelas suas harmonias sofisticadas ao piano e órgão, suas composições originais, com linhas melódicas irresistíveis e um vocal mágico, capaz de alcançar notas impossíveis e transportar o ouvinte para as terras maravilhosas dos sonhos.

Ginger Baker era um caso a parte. Muitos achavam que ele era um espancador de baterias. Outros se maravilhavam com a pegada pesada dele. O fato é que ele tinha personalidade e caminhava em sentido oposto ao péssimo Ringo Star e ao preciso e balançado som de Charlie Watts, que lideravam uma legião de bateristas educados musicalmente e bem comportados em família. Ginger Baker sentava a mão, sem medo de incomodar os moradores da cidade vizinha e era doido varrido. Fez escola: Carmine Apice, Gorki Laing e o paneleiro Kaith Moon, entre outros.Rick Grech mostrou nesse disco o quanto a banda Family era ruim e bizarra.

O disco foi gravado em sessões esparsas em fevereiro, maio e junho de 1969, no Morgam Studios e Olympic Studios. A capa que saiu na Inglaterra foi vetada nos Estados Unidos. O som é uma mistura de legítimo rock, hard rock, blues, folk e alguns traços de psicodelismo nas faixas “Had to cry today” e “Do what you like”, duas faixas longas, com muito improviso massa. Essas duas faixas são duas referências obrigatórias no rock mundial O disco é pra ser ouvido de uma vez só e com várias repetições e, claro, no volume máximo. O resultado final é difícil de ser igualado nos dias atuais, principalmente por alguns excrementos do indie rock e da merdologia emo.

Eric Clapton viaja nas faixas citadas, mas é em “Presence of the Lord” que ele faz um solo inesquecível, sem firulas e sem fritações debilóides, apenas um sentido musical acima da média. Impossível não se arrepiar com esse solo, melódico e sensível como a composição. Steve Winwood está impagável em todas as faixas, com sua voz inconfundível e inimitável. Mas em “Can’t find my way home” ele dá uma verdadeira aula de canto, com falsetes de tirar o fôlego.

Em “Well all right” a banda toda mostra que tem swing, com destaque para o breve solo de piano de Steve Winwood. Só mesmo a versão de Santana dessa música é mais balançada. O clima Traffic, uma das maiores bandas de todos os tempos, liderada por Steve Winwood, ficou muito mais projetado em “Sea of joy”, composição de harmonia elaborada, cheia de voltas e climas, de vocal difícil e violino de Rick Grech quase chorado.

Se você conhece esse disco, com certeza deve tê-lo como um dos preferidos. Se você não conhece ainda, eu não sei o que você está fazendo da vida. Baixe o arquivo o mais rápido possível ou compre o original importado, se possível em vinil, pois esse é um dos maiores clássicos do legítimo rock. Escute para crer.